Neste acidente do Legacy/Gol têm sido muito discutidas as deficiências do controle do tráfego aéreo brasileiro e o caos aéreo sendo posto como o grande vilão. Na verdade, depois de ter pesquisado muito adquiri a certeza de que não foi. Se nos aprofundarmos sobre o papel do controle de tráfego aéreo, veremos que o principal é de manter o afastamento horizontal das aeronaves, controlando partidas, chegadas e aproximações nos aeroportos. Controlar rotas e altitudes desempenha um papel secundário nas suas atividades. Por que? Porque em 99,99% das vezes esta é uma decisão dos pilotos e suas companhias através do seu plano de vôo. E some-se a isto a evolução dos instrumentos, como a utilização de navegação por GPS e altímetros redundantes e de alta precisão. Ou seja, desde que o plano de vôo seja corretamente inserido no computador da aeronave, ela pode prescindir completamente do controle de tráfego aéreo após a decolagem.
Primeiro, temos que saber que todo espaço aéreo é mapeado através de aerovias, que possuem regras bem estabelecidas e claras. De uma forma simples, quando uma aeronave se dirige para os quadrantes noroeste e sudoeste devem requisitar um nível “par” (280,300, 320,340,...), quando se dirige para nordeste e sudeste devem requisitar um nível “impar” (290, 310, 330,350,...). Entretanto, há muitas aerovias que têm sentido único, e os pilotos podem requisitar tantos níveis impares quanto pares. Isto está muito claro nas cartas aeronáuticas. Como é feita a escolha das altitudes? Principalmente pelas condições de peso da aeronave e consumo de combustível. É um cálculo bastante complexo, feito nos computadores da aeronave e também através de programas de computador que podem ser utilizados em qualquer local. Eram estes cálculos, para o trecho Manaus/EUA, que o Legacy faria no dia seguinte, que os pilotos estavam fazendo entre Brasília e o momento do acidente, e por isto não estavam prestando atenção nos instrumentos do Legacy (transponder e rádio).
Quem escolhe a rota e o nível é o piloto, ou a sua companhia, em seu nome. O controle de tráfego, verificado se não há conflitos, libera a solicitação do piloto. Como foi dito, 99,99% das vezes a rota e níveis solicitados pelo piloto são autorizados pelo controle de tráfego aéreo, Em vôos comerciais estes planos de vôo são, podemos dizer permanentes, porque são repetitivos. Em vôos da aviação executiva, como neste caso, podem ser feitos por uma companhia especializada, que conhece todas estas regras, tanto das características do avião como do espaço aéreo por que estão voando. Neste caso, o plano de vôo, foi feito pela Universal Weather, uma companhia americana, para a Embraer.
Excepcionalmente o controle de tráfego aéreo pode “segurar” uma aeronave para manter um espaçamento horizontal maior, mas a altitude em rota é uma decisão quase que exclusivamente do piloto, que a requisita pelo seu plano de vôo ou verbalmente pelo rádio, e o controle de tráfego autoriza, repetindo o que foi pedido no plano ou verbalmente. É muito comum, durante o vôo, os pilotos solicitarem alteração no nível devido às condições atmosféricas ou peso da aeronave. O Gol, por exemplo, tinha um plano de vôo prevendo o nível 410, mas solicitou o nível 370, no que foi atendido, mas foi uma decisão dele e não do controle de tráfego. Pesquisando na internet não consegui encontrar uma situação sequer em que o controle de tráfego autorizou um nível de vôo diferente do solicitado pelo piloto. Por que o controle de tráfego faria isso? Se o nível do vôo depende das características da aeronave, por que o autorizaria um nível de vôo diferente do solicitado no plano de vôo? Imagino que somente se o piloto houvesse solicitado um nível fora das regras da aerovia, ou eventualmente, se na rota solicitada houvesse uma aeronave em uma situação fora do normal. Ou seja, situações extremamente não usuais e circunstanciais.
Agora se coloquem na posição de um piloto. A companhia faz o plano de vôo para ele, que é submetido ao controle do tráfego aéreo que vai autorizá-lo ou muito excepcionalmente poderá alterá-lo. A autorização da torre para o piloto repete o que foi solicitado. Por que o piloto vai se preocupar com o que foi solicitado por sua companhia em seu nome se o controle vai repetir? Por que se dar a este trabalho? Basta esperar o controle informar o plano de vôo solicitado por sua empresa. Só que neste caso o controle de S.José dos Campos não repetiu o que foi solicitado e ainda por cima não completou a frase de que a autorização era “como a solicitada”. Por quê? Porque, primeiro, repetir todo o plano de vôo é complexo e pode gerar mais confusão do que esclarecer, e segundo, porque 99,99% das vezes o plano autorizado é o solicitado. Isto está errado segundo as normas. Sim, mas todos os pilotos entendem que estão sendo autorizados como o plano solicitado, mas os pilotos do Legacy, que não haviam estudado o plano de vôo, não entenderam. Os pilotos imaginaram que a autorização do nível 370 valia até Manaus e que este teria sido o plano de vôo solicitado. Não perceberam que era uma autorização parcial. É claro que se tivessem analisado o plano de vôo, como exigem as normas, saberiam, como sabem todos os pilotos que voam aqui, que se tratava de uma autorização parcial.
A partir daí, o que ocorre é que o controle de tráfego imagina que o Legacy voaria segundo o plano de vôo solicitado e autorizado, e o Legacy por um plano de vôo que só existiu na cabeça deles. O controle de vôo não se deu conta de que o Legacy poderia estar seguindo um plano de vôo totalmente errado, e para piorar, por ironia do destino, o transponder, que fornece a altitude para o controle de tráfego, deixou de funcionar justamente quando eles deveriam alterar do nível 370 para 360, sobre Brasília.
O controle de vôo, a partir da falha do tranponder, passou a imaginar que haveria somente um problema menor com ele, já que deveria ser programado com um código específico, que identifica a aeronave. Por isso, sem perceber o risco, não tomou as providências que deveriam tomar. Mas devemos entender que para o controle de tráfego, o Legacy estar no nível 370 era algo totalmente inesperado e fora de qualquer suposição. Era estar completamente fora das regras básicas da aerovia, algo que ninguém faz. Ninguém vai de Brasília a Manaus na contramão, é uma distância enorme, e nenhum controlador vai por uma aeronave na contramão em um trecho tão longo.
Se os pilotos observarem as regras, não precisam de radares, rádios, e nem mesmo do controle de tráfego. È por isso que os aviões cruzam os mares, desertos e a floresta amazônica mesmo sem radar ou rádio. Eles obedecem as regras. Além disto, o controle de tráfego está preocupado com as aeronaves que estão se aproximando ou partindo dos aeroportos, onde os riscos são extremamente maiores. Nenhum controlador está preocupado com uma eventual altitude errada de um avião sobre a Amazônia, isto é completamente não esperado.
Como eu disse várias vezes, o controle de tráfego, poderia ter evitado o acidente se tivessem percebido o risco e agido com presteza quando deixou de ser emitido o sinal do tranponder. Mas por semelhança, é como a falha de um guarda-vidas que não percebe alguém se afogando. As falhas, incontestavelmente maiores foram dos pilotos por compreenderem uma autorização incompleta com um sentido totalmente diferente do plano solicitado e às regras das aerovias e por fim não operarem adequadamente o transponder.
Dito isto, expliquem-me, portanto, como o caos aéreo provocou este acidente.