terça-feira, 28 de agosto de 2007

Para quem tem dúvida da culpabilidade dos pilotos do Legacy

Para quem ainda tem dúvida de que os pilotos do Legacy não conheciam o espaço aéreo brasileiro e pisaram feio na bola, cometendo erros básicos de navegação, veja a seguir.

Documento da Gerência de Navegação Aérea - (NABR) - Informações Aeronáuticas - (NABR-2) - Informações Úteis sobre Espaço Aéreo RVSM (Separação Vertical Mínima Reduzida).

“A partir das 09:01 UTC, de 20 janeiro de 2005, será implementado o espaço aéreo RVSM , entre os FL290 e FL410 inclusive, nas FIR Amazônica, Brasília, Curitiba e Recife. Na FIR Atlântico, o Espaço Aéreo RVSM será implementado a noroeste da linha que une os pontos de coordenadas 01º 39’ 32”S / 030º 13’ 45”W e 02º 23’ 39”N / 027º 48’ 58”W, incluindo o corredor EUR/SAM.”

Nota: Até Brasília o Legacy estava fora do EA RVSM, ele estava fazendo uma rota direta. Em Brasília ele entrou no espaço aéreo RVSM. Quando o controlador informa que está sob vigilância radar (“under radar surveillance”) o piloto não precisa mais solicitar mudanças de níveis e vetores por que ele está sendo constantemente observado pelo controle de vôo. Quando o controle informa ao Legacy que mantenha FL370 é porque ele não havia chegado ao EA RVSM, ele estava a 40 milhas, e que a partir de Brasília ele não precisaria mais informar suas mudanças de altitude e vetores e que o Controle de Tráfego passaria a controlá-lo pelo seu plano de vôo.

“Exceto nos casos previstos nas cartas de rota (ERC) para continuidade de níveis em algumas rotas ATS, os níveis de cruzeiro a serem utilizados no espaço aéreo RVSM serão os constantes na tabela a seguir:”

RUMO MAGNÉTICO
DE 000º A 179º - FL290, FL310, FL330, FL350, FL370, FL390, FL410
DE 180º A 359º - FL300, FL320, FL340, FL360, FL380, FL400


Nem preciso dizer que em Brasília eles estariam entrando em um espaço aéreo RVSM e que os níveis que eles precisariam estar,eram os níveis permitidos para os vetores de 180 º a 359º (0º é norte, 180º é sul e eles estavam em um vetor noroeste), atendendo os níveis previstos no plano de vôo.

Em Brasília ocorre algo ainda mais inexplicável, porque eles passam para a aerovia UZ6 (Brasília, Manaus)sem autorização. Desconhecendo que estavam em um EA RVSM não pediram autorização para entrar nesta aerovia. O diálogo seria aproximadamente assim:

Legacy - N600 40 miles from Brasilia VOR, request after Brasilia VOR, UZ6, FL 370.
Brasilia - N600 Cleared, after Brasilia VOR, via UZ6, FL 370.

Prossegue as instruções NABR-2:

“O piloto em comando de aeronave aprovada RVSM deverá certificar-se de que, no mínimo os seguintes equipamentos para vôo no espaço aéreo RVSM estão funcionando normalmente:
1. Dois sistemas altimétricos primários independentes;
2. Transponder SSR modo C ou S;
3. Sistema de alerta de altitude;
4. Sistema de manutenção de altitude automático.”


“Caso qualquer dos equipamentos listados acima não estejam funcionando adequadamente, o piloto deve notificar o órgão de controle de tráfego aéreo antes de entrar no espaço aéreo RVSM, usando a fraseologia: ‘NEGATIVO RVSM’”.

Alan Armstrong, um advogado de causas aeronáuticas tem o artigo na internet “Suggestions to pilots and aircraft operators on avoiding infractions of the Federal Aviation Regulations”, do qual extraí as frases (não traduzirei para não interpretar erroneamente):

“Most of the problems I have seen are the consequence of lapses in judgment, a lack of situational awareness, or a breakdown in communication between the pilot and air traffic control.”
“Before embarking on a flight, the pilot is expected to engage in appropriate pre-flight planning to ensure the flight can be safely conducted.”
One of the most common operational violations seen by aviation lawyers concern altitude deviations.”
“The 'warning' ATC is to give a pilot if he is suspected of deviating from his altitude is imposed on the controller with the condition ‘workload permitting’. In other words, if the controller is too busy with other activities, the FAA will take the position that he had no obligation to notify the pilot of the altitude deviation.”


Phillip J. Kolczynski, outro advogado de questões aeronáuticas, no artigo “Criminal Liability in Aviation” afirma: Some states have established criminal liability for unintentional homicide with an offense they call ‘criminal negligence’. Other states punish negligent homicide as a form of ‘manslaughter’. This charge is often called ‘involuntary manslaughter’. These criminal charges require more than just simple negligence. In fact, most well-written state laws require more than ‘gross negligence’ for a criminal prosecution.” O que você acha? Um piloto que não sabe que está voando em um espaço aéreo RVSM comete uma pequena ou uma grave negligência?

Preciso dizer mais alguma coisa?


Complemento

Em nome da verdade, este artigo é uma análise pessoal minha, não compartilhada por muitos pilotos e investigadores de acidentes aéreos. Estes especialistas dizem que a torre de S.José autorizou o nivel 370 até Manaus e por isso os pilotos seguiram neste nivel em Brasília. Acredito que os especialista estrangeiros não estão sabendo destas coisas. Mantenho minha posição, porque S. José não poderia ter autorizado níveis de Brasilia a Manaus. Mantenho que os pilotos deveriam solicitar autorização explicita em Brasília, mesmo que para o nível 370, o que seria obviamente negado pelo Cindacta.

domingo, 26 de agosto de 2007

A crise aérea

Muitos têm procurado este blog, acredito que estudantes, em busca de respostas para as causas da crise aérea. O foco deste blog não é este, mas sim de contestar as afirmativas do Sr. Joe Sharkey, jornalista que estava no Legacy que colidiu com o Boeing da Gol e, que procura afirmar a completa inocência dos pilotos americanos, imputando toda a culpa à crise aérea brasileira. Entretanto, não tenho a pretensão de dar todas as respostas, mas resolvi resumir aqui a minha opinião, já que a partir dela outros possam buscar seus caminhos para chegar a suas próprias opiniões. Não sou “petralha” como querem me caracterizar, não trabalho para o governo, não sou militar, só navego contra a maré.

Como Sharkey coloca como grande culpado no acidente da Gol o controle do tráfego aéreo brasileiro, que por sua vez é conduzido pela aeronáutica e por órgãos governamentais, a "culpa" enfim dos graves acidentes que ocorreram seria do governo brasileiro. Com isso, o objetivo do Sr. Sharkey é claro, consegue o grande colegiado da oposição para confundir o maior número de pessoas sobre as verdadeiras causas dos acidentes. Além dos laços afetivos que foram criados com os pilotos, que apesar de tudo, salvaram-lhe a vida ao pousar em segurança na base militar de Cachimbo, Sharkey teve sua viagem ao Brasil patrocinada pela Excelaire e Embraer para colher material para suas "reportagens". Está claro que ambas querem tê-lo ao seu lado. Mas neste salve-se quem puder, Sr. Sharkey e Excelaire atribuem as falhas do transponder à Embraer e à Honeywell, fabricante do transponder.

As verdadeiras causas deste acidente é o que faz este blog existir, e toda a sua análise está exaustivamente descrita em inúmeros posts que podem ser encontrados aqui, mas um resumo pode ser encontrado no quadro ao lado, em "Quem é Joe Sharkey".

Mas antes de nos aprofundar nestes aspectos, vamos analisar o que é a crise aérea. Podemos dizer que a crise aérea está relacionada primordialmente com as falhas de segurança tanto do controle do espaço aéreo quanto da infra-estrutura aeroportuária e aeronáutica. Completa a crise aérea os atrasos, cancelamentos de vôos e transtornos para os passageiros.

As falhas de segurança do espaço aéreo resultaria principalmente do controle inadequado dos vôos, pondo as aeronaves em risco de colisão, como a do Legacy e o Boeing da Gol. O controle do espaço aéreo no Brasil é feito pelo Cindacta, órgão da FAB, portanto controlado pelas Forças Armadas. No Brasil, o controle do tráfego aéreo e da defesa aérea é integrado, ou seja, exercido unicamente pela Aeronáutica. Nos EUA o controle do tráfego aéreo é civil, e a defesa aérea, obviamente, é militar. A discussão sobre este tema passou a ser extremamente curiosa. Por exemplo, um especialista deste tema, Nelson Francisco Düring, responsável pelo site Defesa@Net, e declaradamente contra o governo Lula (clique aqui) mostra em um dos seus artigos como os índices de incidentes aéreos, ou seja, “toda a vez que há suspeita de que uma aeronave voando teve sua ‘bolha de proteção’ tocada (pelo solo ou por outra aeronave)” (clique aqui), vêm se reduzido progressivamente desde 1998. É ele que afirma "Quando comparados os dados de 2004 e 2005, é possível concluir que houve uma diminuição total da relação do número de incidentes de tráfego aéreo por 100 mil movimentos de tráfego realizados no país". O curioso é que este índice no primeiro semestre de 2006, ou seja, um pouco antes do acidente da Gol, é metade ao igual período de 2005. Compara até com indicadores americanos, mostrando nossa superioridade. Ele se coloca como um profundo opositor do governo Lula, mas ao mesmo tempo se coloca como defensor do controle militar sobre o tráfego aéreo, demonstrando sua eficiência. Nos EUA, depois dos ataques de 11 de Setembro, estão sendo feitos grandes esforços e investimentos para integração com a defesa aérea. De qualquer forma, são recursos duplicados em controlar e defender o espaço aéreo. Esta é uma discussão ainda não concluída, mas parece estar mais ligada a problemas trabalhistas do que segurança dos vôos.

Outro elemento visível da crise aérea é o da chamada crise dos aeroportos, ou seja, atrasos e cancelamentos dos vôos. As causas disto não podem estar mais claras. Os índices de eficiência das companhias aéreas brasileiras sempre se situaram acima dos 90% antes do acidente da Gol. Após o acidente, com a culpa sendo imputada aos controladores de vôo, houve uma reação natural deste grupo de profissionais, apontando suas más condições de trabalho e equipamentos inadequados. Mesmo assim, nenhum dos controladores de vôo que foram acusados assumiu que isto tivesse contribuído para acidente. Nenhum disse que por estarem sobrecarregados ou por falha de equipamento colocaram o Legacy em nível incorreto. Nenhum admitiu terem cometido alguma falha neste episódio. Somente se insurgiram contra as suas condições de trabalho e qualidade dos equipamentos de monitoragem, e passaram a fazer “operação-padrão”. Parece-me uma situação perfeitamente compreensível. Se o lugar que trabalham é acusado por todos de incompetência, ineficiência, ou seja, estiver no meio desta enorme contenda política, como vão reagir? Se houver ineficiência, não é nossa, das pessoas que aqui trabalham, mas das nossas condições do nosso trabalho, dizem os controladores de vôo.

Por último, o que completa a crise aérea é a precariedade da infra-estrutura aeroportuária, ou seja, os aeroportos. Esta infra-estrutura é mantida pela Infraero, uma empresa pública. Embora esteja presente nas críticas dos atrasos e cancelamentos dos vôos de forma vaga, já que tem um papel secundário neste aspecto, o foco das críticas tem sido as condições de segurança do aeroporto de Congonhas. A crítica à Congonhas, para causar impacto, só pode ser bem sucedida se colocar questões de risco. Neste sentido o acidente da TAM veio a calhar, porque embora o acidente pudesse ter ocorrido em outros aeroportos do mundo, por uma ironia do destino, veio acontecer logo ali. As críticas ao aeroporto começam pela sua localização próxima aos edifícios. Entretanto, há inúmeros aeroportos no mundo cercados pela malha urbana. Todos os aeroportos mais antigos, viram-se cercados pela ampliação das cidades e mesmo assim não foram desativados, mas simplesmente não recebem aeronaves de grande porte. Congonhas não tem mais risco que outros aeroportos que outros aeroportos que não estão inseridos no tecido urbano, porque não importa para os aviões se o que está abaixo deles é água, mata ou edifícios. As fatalidades dos que estão no avião acidentado serão iguais em qualquer caso. Mais inseguros são aeroportos cujo entorno topográfico cria mais dificuldades para a aproximação das aeronaves. Lembre-se que o Learjet dos Mamonas foi se chocar com a serra da Catareira após uma aproximação mal sucedida em Guarulhos, quando erraram a direção para uma reaproximação. A proximidade dos edifícios é só uma questão de incômodo para os moradores e, por isso, estes aeroportos têm limitações de horário de funcionamento. Não se trata de uma questão de segurança. Para os moradores é um risco infinitamente pequeno, comparado a outros riscos de morte que estamos sujeitos. Moro a 500 metros do final da pista de Congonhas, e meu receio não são os aviões, mas sim a violência urbana e acidentes de trânsito. Sei que a probabilidade de um avião cair na minha cabeça é desprezível. Até mesmo neste acidente, o avião, por uma estranha coincidência, veio a se chocar justamente com um depósito de carga aérea, que em outros aeroportos poderia estar situado até dentro das próprias instalações do aeroporto. Fala-se muito do comprimento da pista, e compara-se com as pistas de aeroportos que operam grandes aviões. Estes aeroportos têm pistas longas para permitir a decolagem destes grandes aviões, que por causa de seu peso exigem pistas longas. Aviões como os 737 e A320 foram projetados para operar em pistas das dimensões de Congonhas. Mais detalhes pode ser vistos em meu outro post Cenário de um acidente. A situação de Congonhas é muito parecida com os aeroportos regionais Midway de Chicago e Reagan de Washington. Ambos com pistas do tamanho de Congonhas e situados dentro da malha urbana. Nem por isto estão sendo desativados. Há críticas também de que os investimentos foram feitos nos terminais e nas instalações e não nas pistas. Em Congonhas, ampliações de pista são impossíveis e não significativas em termos de segurança e, quanto à sua manutenção, encontram a maior dificuldade na pressão das companhias aéreas para que o Infraero não interrompa suas operações para corrigir a pista.

É claro que na análise da infra-estrutura dos aeroportos emirjam todas as mazelas da aliança entre a corrupção do poder publico e os empresários que aproveitam-se de vantagens ilícitas. Obras superfaturadas, concorrências fraudulentas e tudo que envolve o relacionamento entre governo e empresas privadas. Está claro, que diante desta crise, a pressão por novas obras se acentuem. Novas pistas, novos aeroportos, novas instalações. Nada mais oportuno que esta situação para as grandes construtoras, como a do amigo de Renan Calheiros, a Mendes Junior, proponham novas obras. Esqueçamos a saúde, educação, economia, corrupção e problemas menores. Vamos discutir os novos aeroportos que é mais importante.

Parece que está mais do que claro que a crise aérea é uma crise política desencadeada pelo acidente da Gol. Este acidente explodiu sim a crise aérea, que até então estava restrita à crise da corrupção das alianças entre poder público e privado, como está em tudo onde estão unidos, como nas obras de infra-estrutura e verbas publicitárias, ou seja, todas as formas de fornecimento de bens e serviços ao governo. Mas em nenhum evento pode-se associá-la às causas destes dois grandes acidentes aéreos. É a politização do discurso quando falta a razão. É a forma mais simples quando se quer colocar debaixo do tapete as verdadeiras causas destes acidentes. É o aproveitamento das oportunidades para se destacar na mídia e favorecer carreiras políticas. E é tudo que desejam os pilotos do Legacy e a Excelaire para nunca mais precisar voltar ao Brasil e serem responsabilizados por seus atos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

As marolas do Sr. Sharkey

O Sr. Joe Sharkey continua distorcendo os fatos, publicando links para blogs amadores cheios de fantasias e confundindo os leitores, com o único objetivo de criar um clima de suspeição contra as investigações que estão sendo feitas, e com isso livrar os pilotos do Legacy e Excelaire de qualquer responsabilidade. Não bastasse o mar de m... que estamos metidos, ele ainda faz marola.

Primeiro insiste que os pilotos foram levianamente acusados, quando na verdade quem acusou os pilotos são os blogs como o meu, alguns elementos da imprensa, que podem falar o que quiser e políticos em busca de notoriedade, mas não a justiça. A justiça segue seu rito processual, como seguiria em qualquer país democrático do mundo, inclusive nos Estados Unidos. A polícia elaborou o inquérito, remeteu à procuradoria federal que ofereceu denúncia, que foi aceita por um juiz federal. Até agora só foi isso. Os pilotos apontam o controle de tráfego aéreo de imperícia e os controladores e as investigações aeronáuticas preliminares apontam suspeitas de que os pilotos agiram com imperícia ao desconhecer as rotas aéreas brasileiras e na operação dos equipamentos de navegação. A justiça, não julgará sem estar fundamentada nos laudos periciais colhidos na investigação aeronáutica e sem ouvir todas as partes. O processo mal começou, e pela lentidão que tem o andamento dos processos no Brasil, sabemos que se passarão muitos anos antes de qualquer decisão. Os pilotos podem ficar tranqüilos de que não há a menor possibilidade de receberem qualquer punição pela legislação brasileira, porque mesmo que intimados, nunca mais voltarão ao Brasil (1), e nem a justiça americana aceitará que seus cidadãos sejam julgados em outro país por um crime tão controverso. Podem dormir em paz, porque se há um lugar que nunca mais precisarão voltar será ao Brasil.

A criminalização de acidentes aéreos no Brasil pode ser bem exemplificada pelos procedimentos jurídicos que se seguiram ao acidente do vôo 254 da Varig em 1989. Veja em Descrição das penalidades judiciais impostas ao piloto e co-piloto. Como se vê, o máximo que aconteceu ao comandante foi não poder pilotar. Acho que depois do acidente nem ele queria mais.

Joe Sharkey colabora para a confusão dos leigos em justiça quando afirma que não há crime quando não há dolo. Crimes dolosos são aqueles em que há a intenção do agente em produzir o resultado, enquanto os crimes culposos são aqueles que o agente, sem intenção, colaborou para o resultado ao agir com imprudência, negligência ou imperícia. Portando, não há a discussão se os pilotos tiveram a intenção ou não. É claro que não tiveram a intenção de derrubar o avião da Gol. O que se investiga é se agiram de forma culposa. O Sr. Sharkey possui nível cultural para saber isso, e se confunde os leitores é porque tem outras intenções.

Para tornar os ânimos mais exaltados, e assim eximir toda a responsabilidade dos pilotos do Legacy e a Excelaire, a patrocinadora da sua causa, associa de forma causal toda a crise aérea que vivemos, que é incontestável, com os dois acidentes. Mais uma vez repito, a crise aérea provocou uma convulsão em nosso país, com atrasos e cancelamentos de vôos, retomou a discussão dos congestionamentos e segurança dos aeroportos, botou o dedo na ferida da corrupção em todos os níveis do governo em conluio com maus empresários, mas sem a menor dúvida não derrubou o avião da Gol e tampouco o da TAM. O avião da Gol foi derrubado pela ausência de familiaridade dos pilotos do Legacy com o nosso espaço aéreo, confundindo instruções e um controle de tráfego que não pode ajudá-los por falhas da lógica do sistema dos radares. Juntou-se a isso a questão, a ser apurada, das inexplicadas ocorrências de operação do transponder. O acidente da TAM, até o momento, teve sua causa no comportamento até agora injustificável do piloto no posicionamento da manete direita. Aqueles que insistem em comprimento da pista, grooving, chuva, reverso pinado, ausência de alarmes e outros fatores, leiam meu post O cenário de um acidente.

Nós brasileiros, estamos realmente em uma fase muito negra. Já não bastasse toda a crise aérea, ainda nos acontecem estes dois graves acidentes provocados por falhas humanas mínimas de pilotos e controladores de vôo. O que demonstra que não há tecnologia, não há política, não há empresa, que não faça nossas vidas dependerem de outros seres humanos como nós, ou para aqueles que têm fé, alguém acima de todos nós.

(1) Acabei de ler na Folha: "Em petição encaminhada por fax no final da tarde desta quinta-feira (23), os advogados dos norte-americanos Joseph Lepore e Jan Paladino informaram à Justiça Federal que os dois não comparecerão ao interrogatório marcado para a próxima segunda-feira (27), na comarca de Sinop (MT)." Como eu disse, isto era mais do que esperado, graças a bem sucedida campanha movida pelo Sr. Joe Sharkey ao colocar toda suspeição sobre o tráfego aéreo brasileiro, eximindo os pilotos de qualquer responsabilidade. Contou também com a colaboração de todo o oportunismo político que emergiu nestes últimos meses. No artigo Audiência impossível podem ser encontrados mais detalhes do andamento do processo. Agora o processo deve correr a revelia. Veja na Folha

O cenário de um acidente

Qualquer acidente como o da Gol e da TAM ocorre em um cenário formado em situações raríssimas. É o que alguns chamam da tempestade perfeita. Há infinitas possibilidades de formação de cenários, mas somente alguns provocam os acidentes como estes. Qualquer remoção de algum elemento que compõe o cenário, retira uma das condições que permitiram o desenrolar da peça. Portanto, é claro que um acidente como o da TAM, não ocorreria se a pista fosse mais longa, se o avião não estivesse lotado, se não estivesse chovendo, se o reverso não estivesse pinado, se ... , o mundo não fosse o que é. A questão não é que se o cenário fosse alterado o acidente não teria ocorrido. O problema é discutir se houve um erro dos cenógrafos e este cenário nunca deveria ter sido criado.

Vejamos se os elementos do cenário do acidente da TAM não poderiam existir e depois se a sua combinação foi a que permitiu o acidente.

1. A liberação da pista sem grooving. O grooving serve para evitar o fenômeno da aquaplanagem, que é a formação de lâmina d’água entre o pneu de um veículo e o concreto (asfáltico) da via. O grooving não aumenta o atrito da pista, pelo contrário, em pistas secas, diminui. O atrito com a pista é proporcional à superfície de contato entre a borracha e a pista. O grooving diminui esta superfície de contato, mas eu contrapartida diminui a espessura a lâmina d’água. Em pistas com pequenas lâminas, as próprias ranhuras do pneu afastam a lâmina d’água. Como no momento do acidente a chuva era muito leve, eu sou testemunha ocular disto, a pista sem grooving provavelmente tinha mais atrito que uma pista com grooving, especialmente porque era nova, e portanto sem os resíduos de borracha dos pousos e sem ondulações. A caixa-preta mostrou que a desaceleração após acionados os freios foi a possível, e portanto não houve aquaplanagem. Portanto por si só isto não seria um impeditivo para a utilização da pista.

2. O comprimento da pista. A pista de Congonhas tem o mesmo comprimento das pistas dos aeroportos locais de Chicago/Midway e o de Washington/Reagan, próximo de 2.000 metros. Ambos situados dentro da malha urbana e sem áreas de escape. Derrapou, atravessa a avenida ou cai no rio. Portanto, se Congonhas têm a pista curta demais, deveríamos ver o que as autoridades americanas estão fazendo com estes aeroportos nos EUA e seguir seu exemplo de primeiro mundo. O que a prefeitura de Chicago está fazendo? Comprando terrenos ao lado do aeroporto para ampliar suas instalações com estacionamentos, depósitos e outras facilidades. Ampliar a pista? Dizem que não é possível e não tem esta intenção. O de Washington a única ação está em limitar o horário de funcionamento do aeroporto, para não incomodar os moradores, e incentivando o uso de aviões mais silenciosos como os elogiados Airbus. Curioso não é? Ninguém fala em ampliar a pista, aérea de escape, viaduto sobre as avenidas que os cercam. Parece que é porque eles sabem que isto tudo é bobagem. Há condições seguras, embora não perfeitas, para que sejam utilizados. Os aviões como os Airbus A320, os Boeing 737 foram projetados para justamente poder utilizar pistas deste comprimento ou menores ainda, como Santos Dumont que tem apenas 1400 metros.

3. O reverso pinado. O reverso pinado diminui o poder de desaceleração de uma aeronave, mas tem um papel menor. Uma aeronave é capaz de pousar com o reverso pinado com grande margem de segurança. O que não pode, e se torna muito difícil é sem spoillers, o freio aerodinâmico que diminui a velocidade do avião, quando este acabou de tocar a pista. O spoiller exerce uma força de frenagem exponencialmente crescente em relação a velocidade. Quanto maior a velocidade, maior a desaceleração (diminuição da velocidade). Os freios de roda exercem forças constantes em relação à desaceleração. Portanto é perfeitamente possível pousar sem reverso.

Estes três elementos do cenário combinados permitiriam pousos seguros? Sem dúvida, mesmo que ocorram simultaneamente, mas dependem do que? Do piloto seguir os procedimentos corretos. Ora, mas em todas as situações depende-se do piloto adotar os procedimentos corretos. Na maioria dos cenários o piloto tem alguma margem de erro e podem corrigir. Em outros cenários não. Imagine o piloto que em um dia de céu de brigadeiro, pista de 3500 metros, com reverso normal, esquece de armar os spoillers, não se dá conta, na confusão tenta arremeter, erra a arremetida e cai no terminal de passageiros. O que devemos fazer, não admitir este cenário? Até podemos, mas mesmo fora deste cenário teremos milhares de outros, em que um erro do piloto provoca um grande acidente. Não seria mais simples procurar as causas do comportamento imprevisto do piloto e atacar esta causa? Não é mais fácil perguntar-se porque um erro tão primário foi cometido? Não é mais fácil perguntar-se se este erro pode ser evitado? Será que estamos absolutamente certos de que foi um erro do piloto? Se ainda assim estes argumentos não forem aceitáveis para você, imagine quantos Airbus já pousaram e continuam a pousar em Chicago e Washington, com reverso pinado, em dias de chuva? Certamente muitos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A falha humana do acidente da TAM

A discussão agora passou a ser a falha humana. Como está claro, a chuva e o tamanho da pista foi irrelevante. Quem insiste nestes aspectos, leiam meus outros posts ou pesquisem os fóruns especializados.
Todos dizem que o piloto posicionou incorretamente a manete direita (estava na posição climb e não em idle) e com isso os freios aerodinâmicos (spoilers e reverso esquerdo) e autobrakes, não funcionaram, e além disso, a reação do piloto de acionar os freios manualmente foi tarde demais.
Isto ainda não me convenceu. Primeiro, porque os pilotos eram muito experientes e cometeriam um erro tão elementar? Porque o piloto iria manter as manetes em posição diferentes? É até mesmo difícil manipular as manetes separadamente, e são poucas as situações que isso é necessário.
Até agora ninguém admite a hipótese de haver um registro errado dos sensores. Mas, eu que lido com tecnologia e informática, não descarto esta hipótese. Ou seja, o computador e a caixa preta registraram isso, mas quem garante que isso foi efetivamente a intenção (ou descuido) do piloto? E se o sensor do manete registrou incorretamente a movimentação do manete? Pilotos me ajudem. É uma hipótese sem sentido?

Complementação (10/08/07 - 14:30): A Folha acaba de publicar: “[...]Mas a leitura indica que o manete ficou em quase 25º -- isso equivale a uma forte aceleração ("max climb"). Enquanto isso, o manete esquerdo foi trazido para reverso máximo, posição a -20º, como ocorrera em Porto Alegre. "Esquecer" o manete nessa posição durante um pouso é considerado por pilotos um erro primário e improvável. Assim, há a hipótese de que o manete teria sido movido corretamente, mas por algum motivo isso não foi detectado. A falha pode ser eletrônica, dos sensores ou até mecânica.” (Folha)

Complementação (11/08/07 - 22:00): A Folha divulgou todos os gráficos da caixa-preta. Por estes gráficos pode-se ver que ao contrário do pouso em Porto Alegre e pouso anterior em Congonhas, no trágico pouso a manete direita não se mexe nada! Não é muito estranho isto? Ela não foi para a posição errada, ela simplesmente não se mexeu! Será que ninguém percebe que há alguma coisa errada com isso? Veja gráficos aqui.

Complementação (16/08/07 - 12:00): Nos fóruns técnicos que tenho pesquisado, nem os pilotos experientes admitem que houve uma falha de sensores ou equipamentos, já que há um nível de redundância muito alto. Todos dizem que foi um "deslize" do piloto. Eu ainda custo a crer. Muitos criticam a lógica do automatismo do Airbus, mas a maioria a defende. Claro que todos dizem que se a pista fosse maior, o acidente poderia ser evitado. Mas isto não significa que todos os aeroportos pequenos devam ser fechados, é só aprender com estas lições e evitar novas tragédias. Basta treinamento dos pilotos para acidentes iguais a este não ocorrer nunca mais. O que não vai impedir que um piloto, em algum lugar do mundo, pisar sem querer no "acelerador" na hora de parar.

Complementação (17/08/07 - 22:50): Dois funcionários da empresa aérea Gol, que pousaram no Aeroporto de Congonhas com um Boeing minutos antes do acidente com o Airbus A320 da TAM, no dia 17 de julho, foram ouvidos, na tarde desta sexta-feira, no 27º Distrito Policial, em São Paulo. Os pilotos da Gol disseram que é absurda a hipótese de que os comandantes da TAM tenha deixado uma das manetes em posição de aceleração, já que eram profissionais experientes que "jamais cometeriam um erro infantil como esse". Fonte: Terra

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O aeroporto de Congonhas

Embora ainda estejam sendo esclarecidas as causas do acidente da TAM, está havendo um grande debate sobre o tamanho da pista. O discurso se tornou: Ah, se a pista fosse maior o acidente não teria acontecido. Entretanto não é bem assim que as coisas acontecem. As pistas são as maiores que as condições topográficas permitem tendo em vista as necessidades dos aeroportos. Portanto, o comprimento da pista é dado de início. Em função do comprimento das pistas, e segundo parâmetros de segurança, verificam-se quais aeronaves podem pousar e decolar por esta pista. Portanto, não se escolhe o avião e depois se constrói a pista. É o contrário. No caso de Congonhas, após o estudo das características das aeronaves, verificou-se que o Airbus poderia pousar seguramente neste aeroporto. Esta decisão não é arbitrária. Ela é tomada após inúmeros testes e simulações feitas pelos fabricantes dos aviões. Da mesma forma é seguro um Airbus pousar na pista do Santos Dumont com apenas 1400 metros, mas sob outras condições, como menor carga, boas condições atmosféricas, etc. Um Airbus pode estar muito mais seguro, por exemplo, decolando de Congonhas com boas condições atmosféricas, do que um Jumbo, carregado, decolando de Guarulhos em meio à uma tempestade. Todas as variáveis formam um cenário de risco controlado e minimizado. A questão não é aumentar a pista de Congonhas, mas sim verificar se a operação de Airbus nesta pista está adequada, como eu tenho certeza que está. Outro aspecto importante é que a determinação da aeronave que pode operar em determinada pista está na decolagem e não na aterrisagem. Uma aeronave que pode decolar em uma determinada pista, com certeza e com mais segurança poderá pousar. Outro debate que está havendo é a proximidade dos edifícios da pista. Não querendo fazer humor negro, mas acho que para os passageiros tanto faz morrer batendo numa árvore ou em um edifício. E se cair em um edifício, para ele também tanto faz se é uma residência ou um hangar. Algumas vezes os aviões caem em áreas urbanas, mesmo que o avião decole ou pouse fora delas. Em 1979, em Chicago, um DC10 caiu a 1km do final da pista, matando 2 pessoas no solo. Em 2001 um Airbus A300, maior que o A320, com 260 pessoas a bordo, perdeu o leme depois de decolar do aeroporto Kennedy em Nova York, caiu em uma área residencial de Belle Harbor e matou 5 pessoas no solo. Ou seja, com certeza a probabilidade de você ser morto por um acidente de carro ou em um assalto em Moema, a 500 mts da cabeceira da pista, onde eu moro, é centenas de vezes maior que cair um avião na minha cabeça. Não acho que Congonhas, onde está, é uma maravilha para nós moradores, mas temos que entender as suas razões históricas de existir, e não esperar que da noite para o dia isto se modifique. O importante é que a sua localização não provocou o acidente. Se este acidente tivesse ocorrido no Santos Dumont, o avião, por sua velocidade, se espatifaria no mar, matando todos afogados, com poucas chances de se salvarem.
Agora esta característica de Congonhas encontra outros exemplos bem semelhantes pelo mundo. O aeroporto Midway de Chicago é o segundo aeroporto mais congestionado do estado de Illinois. A maior pista tem 1.988 metros. O aeroporto nacional Reagan de Washington tem uma pista principal de 2.094 metros, 100 a mais que Congonhas, e a US Airways opera lá uma larga frota de Airbus A320. Em qualquer destes aeroportos o acidente da TAM poderia ser igualmente fatídico. Por sorte destes aeroportos nenhum avião que derrapou lá, e foram vários, saiu ao final da pista a 175 Km/h como o nosso Airbus.

Quiz de Cinemática (respondam porque vai cair no próximo vestibular): Um avião pousa em um pista de 2.000 metros na sua marca de 300 metros. Ao tocar o solo está com a velocidade de 225 Km/h. Ao final da pista choca-se com os obstáculos a 175Km/h. Qual o tamanho da pista que seria necessário para parar completamente a avião se fosse mantida sua desaceleração? O primeiro que responder corretamente eu envio um brinde.

Curiosidades: Este vídeo mostra um Jumbo 747 não conseguindo parar na pista de 3500 metros de Mendelin, Colômbia! Imagine se no final desta pista ele estivesse a 175km/h! Veja aqui: Youtube

De volta ao acidente da Gol

Por que Joe Sharkey afirma que os pilotos do Legacy são inocentes? Sua fundamentação é que o controle de vôo os colocou no nível errado e eles não têm nenhuma responsabilidade na falha do transponder, cuja culpa é da Honeywell e Embraer. Vejamos.

A altitute incorreta
Às 15:51 houve o último contato bilateral entre o Legacy e Brasília, quando eles estavam a 40 milhas de Brasília. O diálogo foi:
Legacy - Brasília, N600 transfering.
Controlador - N600 squalk identification, maintaining flight level 370, under radar surveillance.
Legacy - Roger.
Na primeira frase, o Legacy confirma que mudou a freqüência de rádio. A seguir, o controlador pede ao piloto que identifique a aeronave por meio do transponder. Na mesma frase, o controlador orienta o piloto a manter o nível 370, sob o regime chamado de "vigilância radar". Ao responder "Roger", o piloto diz que estava ciente das orientações.
Quando um avião voa sob o regime de "vigilância radar", o piloto fica dispensado de informar ao controle aéreo sua posição porque a aeronave é monitorada o tempo todo em terra, só isso. Não quer dizer que ele deve manter seu vetor sem nenhuma mudança. O piloto do Legacy, poderia ter entendido que estaria em “radar vectoring” e assim não precisava mudar sua trajetória. Mas ele mudou de aerovia em Brasília, e passou para o vetor de Manaus, mas não mudou de altitude, e manteve nível 370. Poderia se dizer que o correto seria o controlador complementar sua frase, avisando que a altitude de 37 mil pés valia apenas até Brasília. Ora, isto é obvio. O plano previa 370 até Brasília. Se ninguém avisasse os pilotos, eles iriam no nível 370 até os EUA, esperando para alguém avisar? Se o plano previa duas mudanças de nível depois de Brasília, não era para desconfiar de alguma coisa? Por que o plano de vôo previa 360 até Teres e depois 380 até Manaus? Para brincar de montanha-russa? Até um leigo, ao ver um mapa aeronáutico percebe quais são as aerovias de mão-única e de duas direções. Era obvio que havia níveis diferentes porque senão os aviões que vinham podiam colidir com os que iam, não é? Qualquer piloto sabe disso. Isto mostra que eles voavam sobre o Brasil sem nenhuma noção de nossas aerovias. Onde eles pensavam que estavam? Em Gana?
Às 16:02 houve perda de informações do transponder, e o software de controle de vôo passa a apresentar para os controladores a altitude do plano de vôo (360), neste momento incorreta já que eles mantiveram o nível 370, mas com a indicação de falha do transponder. Entre 15:51 e 16:26 não houve qualquer tentativa de contato, nem por parte do Legacy, nem por parte do centro de Brasília. A partir das 16:26, Brasilia tentou 7 chamadas. A partir das 16:48 o Legacy tentou 12 vezes chamar Brasília. Às 16:53 Brasília fez a última tentativa de chamada, às cegas, fornecendo duas freqüências para chamarem Manaus. O Legacy ouve a chamada, mas não copia as freqüências. Em seqüência o Legacy pede para Brasília informar novamente as freqüências. Brasília não recebe esta chamada. O Legacy tenta mais 7 chamadas a Brasília até as 16:56:53. Às 16:56:54 ocorre a colisão.
Conclusão: Os pilotos do Legacy não alteraram seu nível de vôo porque não receberam instruções de Brasília, mesmo estando absolutamente claro para eles que havia um problema de comunicação (rádio). Em nenhum momento Brasília falou para ficar no nível 370 depois de Brasília. Eles que entenderam errado. Os controladores disseram para eles ficarem no nível 370 porque eles não haviam chegado a Brasília. Será que não dava para suspeitarem que eles não receberam as instruções para mudar de nível porque estava havendo um problema de rádio? Não passou pela cabeça deles que eles poderiam estar no nível errado? Será que um piloto não deve conhecer as rotas aéreas por onde vai voar? Mesmo sem instruções para alterar o vetor, alteraram. Porque não tomaram a mesma atitude com a altitude?

O transponder
A falha do transponder não foi a causa do acidente. O transponder poderia evitar o acidente, mas deixou de funcionar e desta forma não evitou o acidente. É preciso separar o que causa o acidente e o que poderia evitá-lo. A comissão aeronáutica que investigou as causas do acidente concluiu que o transponder e o rádio do jato Legacy funcionavam normalmente e não sofreram nenhuma pane até o choque. A Excelaire e os pilotos alegam que não desligaram o transponder e que a Embraer teria colocado um transponder que havia apresentado defeito em um avião anterior, devolvido a Honeywell e depois colocado no Legacy. É bem possível que isto tudo seja verdade. Mas não muda nada. Se estava pifado, parece que foi consertado pela Honeywell, e nada foi comprovado que ele apresentava falhas intermitentes, pelo contrário. As hipóteses para sua inativação são várias. Pilotos nos Estados Unidos e no Brasil, dizem que a complexidade de funcionamento do transponder pode ter induzido a erro a tripulação. O piloto do Legacy, Joseph Lepore, pode ter mexido no código do transponder pensando que ativava o rádio de navegação, uma vez que o botão de ajuste da freqüência desses dois equipamentos é o mesmo. E, para o ajuste de freqüência, o piloto tem antes de acionar teclas que ficam próximas no console. Se o piloto de fato errou, o transponder pode ter entrado em modo de espera (stand-by) e deixado de fornecer ao controle em terra a identificação durante o vôo. O transponder do Legacy fica no mesmo console que o rádio de navegação, usado pela tripulação para fazer contato com o controle de vôo. No jato, o botão tune - semelhante ao usado para sintonizar emissoras num rádio - tem tripla função: registrar no transponder o código transmitido pelo controle de vôo, sintonizar o rádio para comunicação com a torre e determinar a freqüência do TCAS. Lembram-se dos problemas com o rádio que os pilotos tiveram? Em resposta à alegação da Excelaire, a fabricante Honeywell informou que o Legacy não utilizava transponder e unidade de comunicação sob suspeita de falha pelas autoridades aeronáuticas dos Estados Unidos. A FAA, alertada pela própria Honeywell, descobriu que uma série destes transponders poderia entrar automaticamente em modo de espera ("stand-by", inoperante para radares na prática). A condição para isso seria o caso de alguém da tripulação operar por mais de cinco segundos o botão giratório da unidade de comunicação do avião para mudar o seletor de código de rota, um código que, transmitido pelo transponder com dados como altitude e velocidade, ajuda a identificar o avião no radar. Depois de algumas afirmativas e recuos, a Honeywell reafirmou que o Legacy não utiliza o tipo de transponder listado como suspeito.
De qualquer forma ficou absolutamente claro que o Legacy ficou 1 hora sem o transponder, pifado segundo eles, e não perceberam! Desligado acidentalmente, ou por má operação ou por pane não importa, eles não viram que o transponder não funcionava. Mas bastou olhar para o painel, depois do acidente, para que milagrosamente volte a funcionar!
Conclusão: O transponder fica uma hora sem funcionar, sem que ninguém consiga provar que estava defeituoso, e os pilotos não percebem. Será que os pilotos não devem ficar atentos ao painel, já que estão em um país onde não conhecem o espaço aéreo? Já que não conheciam as rotas, não deveriam estar seguros que estavam efetivamente sob “radar surveillance”.

O curioso sobre este acidente é que já que, segundo o Joe Sharkey, foi causado pelo nosso péssimo controle de tráfego aéreo, que os colocaram na altitude incorreta, não tenha ocorrido antes com nenhuma das dezenas de aeronaves, em vôos comerciais, que vão é voltam para os EUA todos os dias, e tenha acontecido justamente com eles em sua primeira viagem ao Brasil. Eles são azarados mesmo!

Concluam por si mesmo quem provocou o acidente. O poder judiciário indiciou os dois pilotos e quatro controladores de vôo. Eu pessoalmente acredito que os pilotos são culpados por imperícia e negligência (crime culposo e não doloso) e os controladores deveriam ser advertidos pela falta de iniciativas diante do transponder inoperante e supor que o Legacy estivesse em uma situação de risco de colisão.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A caixa da preta do Airbus

Não quero parecer presunçoso, mas já começam a aparecer os primeiros indícios de que o que eu falava deste o início não estava errado. Vejam meus posts Irracionalidade coletiva e Últimas notícias sobre o acidente da Tam.
Continuo afirmando que uma falha mecânica (incluindo falhas de sensores e até mesmo software) deixou os pilotos em uma situação que não permitiu superá-la. Não acredito em falhas de manutenção, mas até pode ser. Falhas ocorrem independentes de manutenção, quem entente um pouco de gestão de riscos sabe disso.
Quanto à questão de não frear, vamos ver alguns fatos: Lembro-me das aulas de física que a frenagem aerodinâmica exerce forças que crescem exponencialmente em relação a velocidade e as forças de atrito (freios das rodas) são constantes, independente da velocidade com que se desloca o objeto (o avião). Um dragster, um jato de caça, iniciam a frenagem com um pára-quedas (um freio aerodinâmico). Por quê? Em alta velocidade a força exercida pelo pára-quedas é enorme, mas some quando a velocidade diminui. Não sou piloto, e se algum ler este post, me ajude. Imagino que nos primeiros momentos do pouso o que segura o avião são os spoillers para cima e os flaps totalmente abaixados. Quando a velocidade diminui um pouco e passam a perder seu poder de frenagem, passa a ser fundamental os freios e o reverso. Quando estou em um avião, me parece que os reversos só são acionados bem depois que tocou na pista. Quando vejo a pista de Congonhas pela minha janela, me parece que é bem lá pelo meio da pista. Não é? Se os freios forem acionados ao extremo logo no início do pouso, em uma pista de alta aderência, acredito que eles vão pro espaço. Estou correto? O avião pousou a 240 e saiu depois de 1,7Km de pista a 175! Parece que está mais evidente que o avião não acionou nenhum freio aerodinâmico! Por quê? Pane mecânica, pau de software, falha nos circuitos de detecção de solo, etc. Um montão de hipóteses. Nenhuma relaciona à pista ou ao reverso. Nenhuma relacionada com os pilotos, que ficaram desesperados com a situação dos spoillers não terem aberto. Nenhuma relacionada com a aderência da pista ou a chuva.
Sobre o tamanho da pista. Mais uma vez ouvi alguém falar: ahh mas se a pista fosse maior... Gente, os aviões pousam nas pistas adequadas para as suas características operacionais, tamanho, carga, etc. A pista de Congonhas é tecnicamente adequada para um Airbus A320 com razoável margem de segurança. E se esta situação tivesse ocorrido com um Jumbo em Guarulhos? Vamos ter que aumentar a pista de Guarulhos para 6Km? Não, não é possível. A pista de Guarulhos é adequada para aviões de qualquer tamanho, Congonhas para aviões do porte de Airbus, e o aeroporto da Praia Grande para teco-teco. Caso contrário vamos ter que aumentar TODAS as pistas, mantidos os aviões atuais. Ou seja, não vai ter mais lugar para pousar Jumbos ou teco-teco. Só por curiosidade, o aeroporto Santos Dumont tem 1393m!
Outra coisa, não vai fazer muita diferença se um avião cair no meio do mato ou na minha janela (moro na direção da cabeceira da pista de Congonhas, há uns 500mts). Vão morrer menos pessoas no chão do que morrem cada dia no trânsito e estradas daqui. Tenho mais medo de sair de casa do que ficar vendo os aviões na minha janela. Congonhas está onde está porque nós passageiros queremos e pagamos por isso.

Joe Sharkey e a legislação brasileira

O Sr. Joe Sharkey continua a tentar livrar a responsabilidade dos pilotos do Legacy e da Excelaire, e continua a distorcer os fatos em seu blog. Além disso não publica nenhum comentário que aponte suas incoerências.
Não morro de amores pelo nosso sistema judiciário mas agora é demais! Sua preocupação é a injusta criminalização dos acidentes e a injustiça que se cometeu com os pobres pilotos. Que injustiça se cometeu contra os pilotos se eles não foram julgados? Só agora se iniciou o processo criminal!
Não precisa ser nenhum jurista para saber que quando acontece qualquer acidente onde haja fatalidade é obrigatória a abertura de inquérito policial. Se você bater seu carro e morrer alguém, é aberto um inquérito polícial. O inquérito policial irá apurar se houve dolo (quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo), culpa (o agente não quis o resultado, mas por imprudência, imperícia ou negligencia produziu o resultado) ou simplesmente o agente não contribuiu para o resultado.
O responsável, o delegado, irá colher testemunhas, solicitará perícias e tudo que for necessário para instruir o processo criminal. Concluídas as investigações, deve fazer minucioso relatório do que tiver sido apurado no IP. Nele poderá indicar testemunhas que não tiveram sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas. Não cabe à autoridade na sua exposição, emitir qualquer juízo de valor, expender opiniões ou julgamento, mas apenas prestar todas as informações colhidas durante as investigações e as diligências realizadas. Pode, porém, exprimir impressões deixadas pelas pessoas que intervieram no inquérito. Entende-se que se há provas tanto a favor quanto contra o indiciado, deve a autoridade, em fundamentação, proceder ao indiciamento, haja vista o princípio do in dubeo pro societatis.
O Poder Judiciário recebe o relatório do inquérito policial e poderá oferecer denúncia se houver elementos que a justifiquem ou arquivá-lo. Os inquéritos policiais têm prazo para serem concluidos, mas podem ser prorrogados a critério das autoridades.
A investigação aeronáutica é somente uma das peças periciais, e que poderá ser incluida por solicitação da defesa ou da acusação (ministério público) na instrução do processo. A investigação aeronáutica apura as causas do acidente mas não tem poder judicial de promover diligências, intimar testemunhas, requisitar documentos, mas somente pode agir administrativamente. O relatório da Aeronáutica não tem caráter punitivo, mas preventivo. Não tem o objetivo de apontar culpados, mas identificar falhas. Isto é assim no mundo todo.
A Justiça Federal no Mato Grosso recebeu no dia 28/05 a denúncia do Ministério Público Federal. O juiz federal substituto da Vara de Sinop (MT) Murilo Mendes aceitou no dia 01/07 a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) responsabilizando os dois pilotos do jato executivo Legacy e quatro controladores de vôo pelo acidente.
Portanto, o que o Sr. Sharkey pede é para que as autoridades cometam prevaricação, crime cometido por funcionário público quando, indevidamente, este retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou pratica-o contra disposição legal expressa, visando satisfazer interesse pessoal. É isto o que pede o Sr. Sharkey? Ou ele pede que o inquérito policial não apontem os pilotos porque não têm nenhum indício de culpa ou dolo? Até nós sabemos que há muitos indícios de culpa e in dubeo pro societatis. Até que sejam considerados culpados ou inocente ainda vai levar muito tempo. O processo começou somente agora.