sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Análise detalhada da mudança automática de níveis no sistema do CTA

A crítica central de todas as organizações que se manifestaram sobre as falhas do Controle de Tráfego Aéreo (CTA) brasileiro no acidente do voo da GOL número 1907, (GLO1907) concentram-se na mudança automática na etiqueta de identificação do voo do Legacy (N600XL) do nível autorizado FL370 para FL360 na tela do radar sem que esta autorização (clearance) tenha sido comunicada à tripulação. Já escrevi vários posts sobre este assunto, mas vou destacá-lo aqui por sua importância na análise do acidente. Sobre isto comenta o NTSB:
“The ATC computer automatic insertion of the “cleared altitude” field in the displayed datablock was one of the first chronological events that led to the collision. [...] a design in which two distinctly different pieces of information (that is, requested altitude and cleared altitude) appear identical on the display is clearly a latent error”.
A etiqueta do voo tem o seguinte formato:
Aqui se comete o primeiro erro grave no relatório do CENIPA e que foi utilizado como fundamentação para a análise do NTSB americano. O que está identificado do lado direito não representa o nível que foi autorizado, ou seja, que em algum momento foi comunicado para a tripulação. Primeiramente deve-se ter em mente que o nível que será autorizado para a aeronave deve ser decido, planejado, antes de autorizá-la. Isto parece óbvio, mas não está claro nesta análise. Antes de verbalizar, comunicar, autorizar à tripulação, ele deve ser determinado pelo CTA. O CTA recebe uma solicitação de nível através do plano de voo submetido pela tripulação. Trata este plano de voo e analisa se ele pode ser atendido, o que significa que o plano de voo solicitado pode ser modificado, ou seja, pode ser diferente daquele que foi requisitado pela tripulação. Coordena com os diversos centros de controle este plano e ativa o plano de voo que será autorizado.

Portanto, o lado direito da etiqueta não representa o nível que foi autorizado, mas sim o nível que deve ser autorizado. O significado é diferente. Ele é atemporal, ou seja, ele não adquire significado somente depois de ser comunicado à tripulação, mas ele tem um significado mesmo antes de ser comunicado à tripulação. Obviamente, também não tem sentido algum registrar o que foi autorizado para a tripulação, já que o que o controlador autoriza não pode ser diferente do que deve ser autorizado. Se em função de circunstâncias específicas do voo, aquilo que foi autorizado para a tripulação foi diferente daquilo que foi planejado para o voo (não confundir com o que foi solicitado pela tripulação), o controlador deve simultaneamente à autorização emitida à tripulação alterar esta informação. Por exemplo, se durante o voo a tripulação solicita alteração do nível em função de condições metereológicas, o controlador simultaneamente ao atendimento da solicitação, altera o nível autorizado (CFL). Coincidentemente, na maioria absoluta das vezes ele é o nível solicitado pela tripulação e por isso muitas vezes confunde-se com o nivel do plano de voo apresentado pela tripulação, e que gerou o comentário equivocado do NTSB.

O plano ativado, ou seja, aquele que seria autorizado para a tripulação do N600XL, previa que em Brasília a aeronave deveria descer de FL370 para FL360. Ao passar por Brasília a etiqueta de voo apresentou 370=360, ou seja, a aeronave estava voando em FL370 e deveria ser autorizada a voar em FL360. Veja bem o tempo verbal que utilizei: “deveria”. Não significa de modo algum que “foi” autorizada. Não é relevante se a aeronave recebeu ou não esta autorização anteriormente, o importante é o significado desta etiqueta: FL360 é o nível que a aeronave deve ser conduzida a voar e está diferente da altitude que está voando. Eventualmente, o CTA poderia perfeitamente ter decidido que ao invés de autorizar um plano solicitado de FL370/FL360/FL380, seria autorizado FL370/FL380. Se fosse esta a decisão, apareceria na tela 370=380, ou seja, o lado direito da etiqueta não é o nível requisitado como equivocadamente analisado pelo NTSB.

Deve-se ressaltar que o plano de voo do N600XL foi um plano completamente não usual e inexplicável. Não há sentido algum em solicitar para uma aeronave subir até FL370, pouco depois descer para FL360 e pouco depois subir para FL380. Embora o primeiro trecho do voo, tenha proa 006º (pela aerovia UW2) e o segundo trecho tenha proa 336º (pela aerovia UZ6), a UW2 tem mão única no sentido Brasília e, portanto, o N600XL poderia ir em nivel par do ínicio ao fim do voo. Se a intenção fosse evitar ventos de altitude no nível FL380 antes de Brasília, o N600XL poderia ir em um nível mais baixo (FL340 ou FL360) até Teres e depois subir para FL380. O mais lógico seria um voo em FL380 do inicio ao fim. Paladino em certo momento do voo diz para Lepore que esperava que fosse autorizado FL380 e não FL370. Isto demonstra que nenhum deles olhou mais atentamente seu plano de voo, o qual previa as mudanças de altitude.

Às 18:53h, dois minutos antes da passagem por Brasília, a etiqueta 370=360 começou a piscar, indicando para o controlador solicitar a alteração de nível da aeronave. Das 18:55h, quando o N600XL passou pela vertical de Brasília até 19:02, quando o transponder foi desligado, a etiqueta do voo apresentava 370=360. O controlador, segundo declarou, estava atento a outras aeronaves e não observou esta indicação. O N600XL não tinha nenhuma aeronave cruzando sua rota. Esta é uma situação absolutamente normal, os controladores não ficam monitorando cada aeronave a cada segundo enquanto estão em rota, já que é extremamente raro haver uma mudança de altitude de cruzeiro que não tenha como origem uma solicitação do piloto em função de condições metereológicas.

A partir das 19:02h a etiqueta passa a apresentar 370Z360, mas a altitude real (370) passa a variar porque não se tem a leitura da altitude real fornecida pelo transponder. O mesmo controlador que vinha acompanhando a aeronave, enquanto a aeronave apresentava a etiqueta 370=370, acredita que a aeronave estava em FL360. Não se sabe a razão, se porque não percebeu a alteração de níveis ou se acreditava que a aeronave já havia sido autorizada a descer. Ambas justificativas são plausíveis. O fato é que não percebeu nenhuma situação de risco, porque não havia nenhuma aeronave na rota do N600XL.

Às 19:30h, devido ao desligamento do transponder, o N600XL sai completamente da tela do radar. Às 19:53 ocorre a colisão. Em nenhum momento as duas aeronaves estiveram juntas na mesma tela de radar, de tal forma a tornar perceptível o risco para os controladores.

O NTSB diz que é a principal causa do acidente foi a etiqueta ter alterado de 370=370 para 370=360 em Brasília sem que a aeronave tenha sido autorizada à proceder a descida. Já vimos que o significado do 360 não é que ela tenha sido autorizada, mas sim que ela deveria ser autorizada. Mas admitamos que a afirmativa do NTSB esteja correta e a etiqueta não devesse ser alterada automaticamente e sim que ela deveria permanecer em 370=370 depois de Brasilia, já que a última autorização recebida pela aeronave foi a de nível 370.

Ora, se o controlador não tomou nenhuma atitude quando a etiqueta mostrava 370=360, com certeza também não teria tomado nenhuma atitude com a etiqueta 370=370. Em uma situação normal, com o transponder ligado, não seria tomada nenhuma atitude pelo controlador enquanto ele não analisasse a strip (o plano de voo) do N600XL e solicitasse mudança de altitude. Ele não teria nenhuma indicação na etiqueta do voo que deveria executar a mudança de altitude. Nesta situação ele deveria ter que analisar todos os voos que cruzassem com o N600XL na UZ6. Imaginem a situação de risco, o controlador não teria nenhuma indicação na etiqueta que a aeronave estaria na contramão! Só isto já demonstra a completa insensatez da crítica do NTSB.

Mas mesmo assim, vamos prosseguir na análise do NTSB. Após o desligamento do transponder a etiqueta passaria a apresentar 370Z370. Da mesma forma que o 370Z360 não indicava nenhuma situação de risco, 370Z370 não seria nenhuma indicação de risco porque não havia nenhuma aeronave neste nível. Às 19:30 o N600XL saiu da tela do radar devido ao desligamento do transponder e embora os controladores pudessem ter certeza nesta hipótese que o Legacy estava altitude FL370, como poderiam saber que estava na rota do GLO1907? Só se recorressem às strips dos voos para identificar que eles estariam na mesma aerovia, e que o N600XL antes de sair da tela do radar estava na altitude 370 (diferente do plano de voo da strip), ou seja, um completo absurdo a sugestão e crítica do NTSB pela sua absoluta impossibilidade prática de ser realizada. O acidente ocorreria exatamente da mesma forma porque os controladores não teriam percebido o risco das aeronaves estarem em rotas de colisão porque nunca as duas aeronaves estiveram presentes na mesma tela!

Ou seja, a análise do NTSB e outros que se baseiam nesta crítica estão completamente equivocados e este acidente só teve como causa incontestável e indiscutível o desligamento inadvertido do transponder logo após a prevista mudança de altitude sobre Brasília.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Festival da besteira que assola o país

Folha.com - 05/02/2010 - Justiça de MT notifica pilotos do jato Legacy sobre novo processo criminal.

Diz a notícia: “Os pilotos americanos Joe Lepore e Jan Paul Paladino, que comandavam o jato Legacy no momento em que ele se chocou com o Boeing da Gol em setembro de 2006, foram notificados sobre o novo processo em andamento contra eles na Justiça Federal de Mato Grosso pelo acidente que causou a morte dos 154 ocupantes do voo 1907 da empresa aérea. A nova denúncia -- de atentado contra a segurança do transporte aéreo nacional, na modalidade culposa (sem intenção) -- se baseia em dois laudos que apontam condutas erradas dos pilotos: a de que eles omitiram a informação de que o jato não tinha autorização para voar em uma área tida como espaço aéreo especial e a de que eles não fizeram uso do TCAS (sistema anticolisão) em nenhum momento durante o voo”.

Não sei de onde podem vir tantas bobagens, incorreções e idiotices juntas em somente uma notícia. Se a origem vem das peças judiciais ou dos jornalistas que não entenderem nada do que leram.

O texto da denuncia original de 25/05/2007 diz textualmente: “Os denunciados JOSEPH LEPORE e JAN PAUL PALADINO [...] perpetraram o delito tipificado no art. 261, § 3º, c/c art. 263, com pena cominada pelo art. 258, c/c art. 121, § 4º (inobservância de regra técnica de profissão), todos do Código Penal Brasileiro”. E diz o Código Penal: “Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo. Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea”. Portanto, que “nova denúncia” é esta?

O relatório do CENIPA diz: "A separação estava ocorrendo em condições Reduced Vertical Separation Minimums (RVSM), estando ambas as aeronaves homologadas e equipadas para este tipo de operação, cumprindo o subitem 1.11.1, do item 1.11 'Procedimentos Operacionais da Tripulação antes do Ingresso no Espaço Aéreo RVSM', do AIP BRASIL (ENR2.2-2) de 23 NOV 2006”. Ou seja, o Legacy tinha sim autorização para voar em uma área tida como espaço aéreo especial.

O mesmo relatório do CENIPA diz: “Às 19:02 UTC, sete minutos depois que a aeronave passou na vertical de Brasília, o Transponder do N600XL parou de transmitir seus sinais aos radares do ACC Brasília”. Portanto, como explicar uma denúncia de que eles não fizeram uso do TCAS (sistema anticolisão) em nenhum momento durante o voo, se ele foi somente desligado às 19:02? Outra estupidez.