sábado, 22 de dezembro de 2007

Quando obedecer as regras é crime

O artigo 18 do Código Penal Brasileiro diz que o crime é “culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. No seu parágrafo único ressalta que “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”. A previsão para o crime cometido pelos pilotos norte-americanos está claramente tipificada no Artigo 261 – “Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”. E no Parágrafo Primeiro: “Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos”. O Código Penal não diz o que é imprudência, mas o Houaiss vem nos ajudar, em uma de suas definições: “inobservância das precauções necessárias (É uma das causas de imputação de culpa previstas na lei)”. E ainda fica mais claro se vermos qual é a sua definição de prudência: “(1) virtude que faz prever e procura evitar as inconveniências e os perigos; cautela, precaução; (2) calma, ponderação, sensatez, paciência ao tratar de assunto delicado ou difícil”. E inconveniência é, entre outras coisas a “ausência de conformidade, de propriedade, de oportunidade; incongruência, inadequação”.

Assim nós vemos que não basta seguir regras e normas para estar dentro da lei: é preciso também ter prudência. É preciso prever e evitar os perigos. Alguns exemplos podem auxiliar-nos a compreender melhor. Um motorista que trafega em uma estrada sabidamente cheia de buracos, mesmo que dentro do limite de velocidade, age com imprudência, pois o risco de acidentes é maior, e porque está expondo a perigo o veículo que pode se desviar ao cair no buraco e sofrer um acidente. Para agir com prudência, o motorista deve trafegar com velocidade reduzida, abaixo do limite da via. Sob uma chuva torrencial, os veículos devem diminuir a velocidade, se possível até mesmo parar, para não expor ao perigo os seus passageiros pela falta de visibilidade e riscos de derrapagem. Se o piloto está em outro país, ele deve conhecer com o maior nível de detalhes possível as suas aerovias, os níveis que são autorizados em cada uma delas, as idiossincrasias do controle de tráfego aéreo do país. Os pilotos devem conhecer os nomes das cidades por que vão passar, e as cidades próximas de sua rota. Devem conversar com outros pilotos que já voaram neste espaço aéreo. Se possível, voar como co-pilotos de alguma aeronave para depois assumir o comando. Deve planejar, enfim, o seu vôo. Por quê? Porque é previsível, é esperado, é natural que eles possam compreender mal alguma instrução. Porque é previsível que os hábitos e cultura do país sejam diferentes dos seus. Se os pilotos nunca operaram a aeronave, é uma imprudência maior ainda entregar-lhe o avião em um espaço aéreo que ele nunca voou. Por quê? Porque é previsível que eles estarão muito mais envolvidos com as novidades do novo avião do que estarem preocupados com a navegação aérea, monitoramento do rádio e dos instrumentos. Portanto, os perigos são previsíveis. O perigo de entender mal uma instrução da torre de controle é maior. O perigo de ocorrer uma situação de risco por não estar monitorando os instrumentos é maior. Se o controle do tráfego aéreo brasileiro é deficiente, maior ainda é a previsibilidade do perigo. Quando maior é a previsibilidade do perigo, maior a prudência exigida dos agentes.

Portanto neste acidente, o que faltou aos pilotos e a Excelaire, em um grau elevadíssimo, foi prudência, não prevendo e procurando evitar as inconveniências e os perigos; não tendo cautela e precaução. Portanto, faltou prudência a Excelaire ao designar estes pilotos para buscar o Legacy, e faltou prudência dos pilotos, não se preparando para o vôo, conhecendo a sua rota, os limites da autorização e os nomes das cidades. Por sorte estão vivos, pois poderiam estar juntos aos outros 154 inocentes, vitimas de sua imprudência.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O comunicado da FAB não altera a situação dos pilotos do Legacy

Sharkey não é capaz de compreender duas coisas extremamente simples, ou quer esconder, e que mostram de modo indiscutível a culpa dos pilotos do Legacy:

1. O controle de tráfego aéreo NÂO colocou as aeronaves em rota de colisão. Os pilotos simplesmente não compreenderam uma liberação, que omitiu a expressão “as filed”. Esta expressão significa que eles estariam liberados conforme seu plano de vôo. Por que omitiram esta expressão? Porque este é um mau hábito do controle de tráfego aéreo, adquirido porque só excepcionalmente os vôos são liberados de forma diferente do requisitado pelos pilotos no plano de vôo. E isto não ocorre só AQUI no Brasil! Podem pesquisar na internet que vão encontrar este problema em TODO MUNDO. E se o inicio do trecho liberado é conforme o plano, é claro que o plano foi mantido. Não faz sentido manter o início do trecho e mudar o final. Qualquer piloto sabe isso. Os pilotos ao invés de perceberem a omissão da expressão, entenderam que o plano de vôo deles seria outro. Por que? Porque não analisaram seu plano de vôo e não sabiam quais eram os níveis previstos no plano de vôo que foi requisitado em seu nome por sua companhia. Em certo momento das gravações Paladino diz a Lepore que esperava que a liberação fosse para o nível 38.000 pés, e não 37.000 pés. Por que indaga isso se o plano de vôo deles previa 37.000 pés até Brasília? Porque para o rumo que estavam eles deveriam ocupar um nível par, entretanto de Poços de Caldas a Brasília a aerovia UW2 é de mão única, e assim as aeronaves podem ocupar qualquer nível. O plano de vôo deles, muito bem feito pela Universal Weather, previa um nível melhor para o consumo de combustível e peso da aeronave, mas os pilotos nem mesmo analisaram o seu plano de vôo, e não sabiam nada disso. As normas de vôo, EXIGEM que os pilotos se preparem para o võo, eles devem analisar o plano de vôo ANTES de embarcar. Eles devem saber os pontos (cidades) por que passarão e os níveis de vôo. Não é de boca que se fica sabendo para onde vão. Se tivessem feito isso, não teria ocorrido este acidente.

2. E agora o transponder: NÃO importa o motivo que fez desligar o transponder. Ele ficou desligado por UMA HORA! É claro que não houve nenhuma intencionalidade nisso, mas é dever dos pilotos monitorar os instrumentos. Se eles deixam de funcionar, especialmente um instrumento fundamental para a navegação aérea, é sua obrigação tomar as medidas necessárias. Além disso ainda não está rejeitada a hipótese, extremamente provável, de que operaram inadequadamente o transponder e o rádio. E aí sim é que as coisas se complicariam muito mais para eles.

O que é falso nas declarações do Sharkey: todas as deficiências do tráfego aéreo brasileiro, que são reais, NÂO tiveram nenhum papel neste acidente; NÃO havia buracos negros; NÂO havia pane de radares; NÃO havia pane de rádio; os controladores NÃO estavam sobrecarregados no momento do acidente. Não quer dizer que isto não possa existir, mas NÂO contribuiu para o acidente. A culpa do tráfego aéreo foi não agir com a presteza necessária para contatá-los quando o transponder desligou. Por que não tomaram as providências que deveriam ser tomadas? Porque em nenhum momento passou pela mente dos controladores que os pilotos estariam cometendo tamanha insensatez de voar na contramão entre Brasília e Manaus.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Guarulhos não é Newark

Depois de alguns comentários que fizeram neste blog, é possível perceber porque muitas pessoas ainda têm dificuldades para compreender as circunstâncias do acidente entre o Boeing da Gol e o Legacy. A questão chave deste acidente, em minha opinião, está na completa ausência de consciência situacional dos pilotos do Legacy.

"A consciência situacional pode ser definida como: a percepção precisa dos fatores e condições que afetam uma aeronave e sua tripulação durante um período determinado de tempo. De maneira simplificada, a consciência situacional significa estar ciente do que se passa ao seu redor e com o pensamento à frente da aeronave. É a perfeita sintonia entre a situação percebida pela tripulação e a situação real. Esta percepção é afetada por diversos fatores, tais como: estresse, inexperiência, conflito interpessoal, expectativas, fadiga, desinteresse, distração, carga de trabalho e complacência" (CENIPA).

Percebemos pelos comentários que são feitos sobre este acidente que a defesa dos pilotos e a defesa que Joe Sharkey faz deles está sempre baseada em que o controle do espaço aéreo brasileiro é deficiente e não segue as normas internacionais. Um dos colaboradores do Sharkey chegou a dar-me a sugestão de visitar o controle do tráfego aéreo americano ou europeu, para ai sim eu ser capaz de compreender o que é um eficiente controle de tráfego aéreo e de primeiro mundo. Não pode haver nada mais absurdo que este comentário. Estes pilotos, estas pessoas que fazem estes comentários, e Joe Sharkey, vivem em seus mundinhos pequenos imaginando que o mundo deveria ser a imagem e semelhança dos seus mundos privados. Estas pessoas não compreendem que o mundo não é só os Estados Unidos e Europa. Para estas pessoas o “resto” do mundo é o buraco do coelho, é o mundo marginal, é o mundo para se fazer chacota. Não são capazes de compreender que o espaço aéreo do mundo e em especial do terceiro mundo não é, e nunca será, pelo menos nas próximas décadas, como o do “primeiro mundo”. Antes disso, teremos que resolver nossos problemas de saúde, educação, emprego e centenas de outros muito mais graves e que matam milhões de pessoas a cada ano. Se um dia o tráfego aéreo brasileiro for melhor, o do primeiro mundo será melhor ainda. Se os aeroportos forem melhores, os do primeiro mundo serão melhores ainda. Só há uma alternativa: não haver primeiro mundo e terceiro mundo, o que parece pouco provável nas próximas décadas. Se tivermos que priorizar a melhora das coisas por aqui, espero que não escolham o tráfego aéreo.

Enquanto a segurança aérea não melhorar, é preciso que as pessoas que têm em suas mãos vidas humanas tenham a consciência situacional que estão em outro país, que a língua é outra, que os hábitos culturais são outros e que a infra-estrutura aéreo-portuária é outra. Ninguém vai para a selva sem uma faca, água e um kit de sobrevivência. Ninguém vai encontrar um McDonald’s na beira do rio Xingu. Quem não souber, é bem provável que mate ou morra.

Exageros meus à parte, quem viaja ao Brasil ou qualquer outro pais do terceiro mundo, precisa estar preparado e consciente. Precisa saber que o controlador da torre de S.José há 32 anos libera os vôos sem completar a frase com "as filed"; que na Amazônia pode haver poucas freqüências de rádio disponíveis; que o controlador de vôo não sabe pronunciar “Poços de Caldas” corretamente em inglês; que aqui a aerovia que vai de Brasília a Manaus tem duplo sentido; que se o seu transponder desligar, ninguém vai te avisar. Ou seja, precisa conhecer a trilha antes de entrar na selva. É uma obrigação de qualquer um que tenha vidas em suas mãos. É ter Prudência, ou "a virtude que faz prever e procura evitar as inconveniências e os perigos; cautela; precaução; calma; ponderação; sensatez; paciência ao tratar de assunto delicado ou difícil" (HOUAISS). Não podemos esquecer que o homicídio culposo pode ser caracterizado pela "falta de cuidado objetivo do agente, imprudência, imperícia ou negligência" (CÓDIGO PENAL).

Quem não sabe disso pode matar 154 pessoas inocentes, ... ou perder a vida.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O comunicado da FAB sobre o desligamento do transponder

Joe Sharkey em seu blog continua em sua velha lenga-lenga para defender seu patricionador, a Excelaire, e apontar as injustiças cometidas contra os inexperientes pilotos americanos que quase lhe tiraram a vida. Agora distorce o recente comunicado da FAB que afirmou que não foram encontradas evidências de que o transponder do Legacy tenha sido posto no modo stand-by por um toque involuntário nos seus botões com os pés, já que está próximo ao descanso de pés dos pilotos ou com a tampa do notebook, que estava sendo utilizado pelos pilotos no momento que o transponder deixou de transmitir seus sinais.

Sharkey diz que isto mudaria todo o caso como estava sendo colocado até agora, e estaria assumindo-se que ele, e os que apóiam a sua tola argumentação estariam corretos, já que dizem que o transponder teria sido colocado em stand-by por uma falha eletrônica do equipamento, como um eventual mau contato.

Entretanto Sharkey esquece-se que o texto do comunicado não cita as outras possibilidades de o equipamento ter sido desligado acidentalmente. O texto apenas afirma que não houve um desligamento involuntário por um esbarrão ou intencionalmente. Isto não é novidade e é apenas um esclarecimento para os desavisados que não estão acompanhando as notícias deste acidente.

A grande omissão nestas notícias e no comentário do Sharkey é que a principal suspeita sobre o desligamento do transponder é o ajuste inadvertido do código que deve ser digitado no transponder e o ajuste da freqüência do radio que é feito no mesmo botão. Ou seja, ao mesmo tempo em que estariam digitando as novas freqüências que deveriam ser utilizadas no setor do espaço aéreo que estavam entrando, o transponder deixou de funcionar e os pilotos deixaram de receber as comunicações por rádio. Ou seja, houve claramente um problema de operação destes equipamentos. Não precisa ser nenhum perito para perceber isto.

Portanto, negar a hipótese de que tenha sido desligado involuntariamente por um esbarrão acidental NÃO elimina a possibilidade, esta sim infinitamente mais provável, de que tenha sido desligado por uma operação inadequada, e isto sim, torna mais grave a situação dos pilotos, confirmando sua imperícia em lidar com os equipamentos à bordo.

De qualquer forma, mesmo que em última hipótese, e admitindo-se que o transponder tenha sido desligado por um mau contato, como alega a Excelaire, mesmo que não tenha sido constatado nos testes que foram feitos com os equipamentos, o equipamento ficou em stand-by por UMA HORA! Este equipamento é essencial para a navegação aérea. Como os pilotos podem manter um equipamento como esse em stand-by por UMA HORA? Não há nada que possa ser dito que justifique esta atitude da tripulação. Ou seja, os pilotos continuam a ser os principais responsáveis por este acidente. Mais do que nunca.

Comunicado da FAB:
“Em razão da divulgação de informações, por parte de órgãos de imprensa nacional e internacional, sobre a interrupção acidental da transmissão do transponder no caso do acidente com o vôo 1907, que provocou o não-funcionamento do sistema anti-colisão, a Comissão de Investigação de Acidente Aeronáutico informa que:

1) Até o momento, não há indícios de que ocorreu ação intencional da tripulação da aeronave prefixo NX600L no sentido de interromper a transmissão do transponder (modo STAND BY);

2) Estudos ergonométricos, dados do CVR (Caixa-Preta de Voz) e reconstituições demonstraram que:

A interrupção da transmissão do transponder ocorreu durante um período de silêncio na cabine, de 1 minuto e 43 segundos, enquanto os pilotos da aeronave NX600L realizavam cálculos de planejamento de vôo para a próxima etapa da viagem, com o piloto da direita usando um laptop;

Conforme o relatório do vôo de reconstituição, não há como o laptop apoiado no colo do piloto da direita tocar a tecla na tela de controle do RMU (Radio Management Unit), por duas vezes, em menos de 20 segundos, para colocar o transponder no modo STAND BY;

Não há como utilizar o descanso de pés (footrest) durante o vôo na posição normal de pilotagem do assento. Seria preciso recuá-lo. As movimentações de posição dos assentos estão registradas no CVR e não há nenhum registro de movimento (som na cabine) no período em que o transponder deixou de operar;

Os descansos de pés possuem uma proteção que impede que a sola de um sapato encoste diretamente no painel;

Caso isso ocorra por ação do piloto da esquerda, flexionando e contorcendo o pé direito, os botões alcançados são os dois primeiros, de cima para baixo e do lado esquerdo do painel de controle do RMU, que têm como função a mudança de freqüências do rádio, e não o quarto, que permitiria a mudança de modo do transponder (caso tocado duas vezes seguidas, em intervalo menor que 20 seg.);

Somente o piloto da esquerda pode, observando-se o descrito no item anterior, encostar o pé no lado esquerdo do RMU);
No CVR, há um comentário do piloto da esquerda recomendando não colocar os pés para cima na cabine durante o vôo.

Por todas as evidências apresentadas, a Comissão reitera que as conclusões veiculadas por algumas organizações e órgãos de imprensa, nacional e internacional, sobre o uso de laptop ou do dispositivo “footrest” no vôo em questão, de fato, não têm nenhum suporte técnico dos trabalhos da Comissão de Investigação de Acidente Aeronáutico, que é responsável pelo procedimento voltado à prevenção.”

Os depoimentos dos pilotos do Legacy

Sharkey ainda insiste na “injustiça” que está sendo cometida contra os pilotos já que SEUS advogados dizem que teriam o “direito” de serem ouvidos no seu país. Os advogados dos pilotos e Sharkey deveriam saber o que é o “direito” e o que é uma faculdade que o direito lhes permite.

Direito, neste contexto, seria algo que é facultado a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos por força de leis ou dos costumes. Não há nenhuma lei que obrigue as autoridades brasileiras ouçam os testemunhos nos domicílios dos réus. Um dos argumentos da defesa dos pilotos americanos é de que o Decreto 3.810/01, o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América, autorizava o juiz brasileiro a fazer o interrogatório nos EUA e que, de acordo com o Decreto, o estrangeiro não era obrigado a vir até o Brasil para depor.

Esta é uma grande ilusão que os advogados dos réus buscam criar. Primeiro este instrumento jurídico destina-se a “facilitar a execução das tarefas das autoridades responsáveis pelo cumprimento da lei em ambos os países, na investigação, inquérito, ação penal e prevenção de crimes por meio de cooperação e assistência judiciária mútua em matéria penal”. Não visa assegurar eventuais “direitos” de prestar depoimento em seus domicílios. A assistência inclui a tomada de depoimentos ou declarações de pessoas. Ou seja, o acordo obriga ao estado requerido, neste caso os Estados Unidos, a tomar depoimentos ou declarações quando solicitados pelos estados requerentes, neste caso o Brasil. Neste caso o Brasil não está requerendo que sejam ouvidos lá, mas pelo contrário, que venham depor aqui.

Este mesmo instrumento ainda deixa mais claro no Artigo 2º, § “e” que a assistência inclurá “transferência de pessoas sob custódia para prestar depoimento ou outros fins”. Ou seja, este instrumento visa unicamente a cooperação entre os estados em investigações criminais.

Até agora o Brasil solicitou que espontaneamente os pilotos venham prestar depoimento nestas investigações, na forma como se comprometeram quando foram autorizados a retornarem aos seus domicílios. É provável que agora sim o Brasil invoque este mesmo instrumento para que sejam intimados, mais ai sim, este é um “direito” do judiciário brasileiro usar esta prerrogativa, ou julgá-los à revelia.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou o pedido de Habeas Corpus dos pilotos para serem interrogados nos Estados Unidos. O desembargador federal Cândido Ribeiro esclareceu que foi concedido ordem de Habeas Corpus com pedido de devolução dos passaportes dos pilotos norte-americanos com a condição expressa de que comparecessem a todos os atos do processo. De acordo com o desembargador, estabelecida a condição, não é razoável que o juízo processante da Ação Penal tenha que se deslocar a outro país para que os pilotos sejam ouvidos, tampouco por carta rogatória, conforme solicitado nos autos. E isto sim, é um direito do estado brasileiro.

Não se pode esquecer que os pilotos americanos são as principais testemunhas deste acidente, e negaram-se completamente a dar qualquer depoimento ou apresentar argumentos ou fatos que os amparassem. É um direito permanecer em silêncio durante as investigações policiais, mas isto só agrava sua responsabilidade, pois o silêncio indica a culpa pela ausência de argumentos que os inocentaria. Se ficaram retidos no Brasil por dois meses para testemunhar, foi porque se recusaram a dar seus depoimentos. Bastaria cooperar com as autoridades para mostrar sua inocência que seriam prontamente liberados. Não foram capazes. Pilotos experientes, em qualquer lugar do mundo, registram todas as suas autorizações, para apresentá-las no momento oportuno quando surgem incidentes, exatamente como este grave acidente. Onde estão suas anotações? Por que não apresentaram? Por que não registraram?

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Vôo da British Airways passa por perigo sobre a França

Vejam esta notícia:

Vôo da British Airways a segundos de um desastre aéreo
Por RAY MASSEY

Centenas de passageiros assistiram horrorizados quanto o seu Jumbo evitou uma colisão muito próxima com outra aeronave sobre a França.

O vôo que se dirigia de Heathrow para Johannesburg foi subitamente forçado a subir para evitar um jato argentino de passageiros.

Fontes disseram que os aviões supostamente teriam sido colocados no mesmo caminho pelos controladores de tráfego franceses.

O perigo foi tão grande que disparou o sistema automático anticolisão do BA 747, alertando o piloto a tomar uma ação de emergência sobre Marselha.

O sistema dispara um alarme, com uma alta e insistente instrução de “suba, suba, suba”.

O capitão da BA tomou imediatamente ações evasivas para subir rapidamente e virou à direita para evitar o outro avião, um 747 das Aerolineas Argentinas, perto do Mediterrâneo.

Uma vez a emergência ter sido superada, o capitão foi acalmar os passageiros. A BA mais tarde confirmou que o vôo levava 292 passageiros e 18 tripulantes a bordo.

Uma testemunha ocular do vôo da BA disse aos colegas: “Esteve muito perto. Os dois aviões foram colocados na mesma trajetória pelo controle de tráfego aéreo francês em Marselha.

“Passageiros na parte de trás do avião viram o outro avião se aproximando e ficaram apavorados. O capitão tomou medidas evasivas fazendo uma subida rápida e virando para a direita.”

Depois, quando as coisas se acalmaram, o capitão saiu de sua cabina e veio para a parte de trás do avião para assegurar a segurança e acalmá-los.

O incidente ocorreu sábado, 29 de setembro, mas somente agora foi divulgado.

A BA estava relutante em fornecer mais detalhes sobre o quase-acidente, e não deram mais detalhes alem de confirmar que aconteceu. Fontes disseram que a BA não têm comentários a fazer.

Um avião de longa distância como um Boeing 747 voa em geral por volta de 37.000 pés.

Aeronaves em geral têm separação horizontal de cinco milhas e 1.000 pés de diferença de altitude para reduzir o risco de uma colisão aérea.

Uma redução em qualquer destas distâncias dispara o que oficiais da aviação chamam de “perda de separação” – conhecido popularmente como “uma quase-colisão”.

Outra fonte disse: “O tráfego aéreo francês está sendo considerado culpado por colocá-los no mesmo nível em rota de colisão. Aconteceu há algumas semanas atrás, mas foi abafado.”

A BA se recusou a dizer qual altitude ou em que circunstâncias os dois aviões estavam quando a quase-colisão ocorreu.

Um porta-voz disse: “A tripulação do vôo BA55 de Londres-Heathrow para Johannesburg recebeu um alerta do TCAS (sistema de prevenção de colisão de tráfego) enquanto estava em vôo.

“Nossas tripulações estão treinadas para lidar com tais eventos e tomaram as medidas necessárias.

“Segurança é primordial para a British Airways e nós nunca a colocaremos em risco. Nossos aviões são equipados com TCAS para assegurar que por acaso ocorrer este evento a tripulação tenha os alertas para tomar as medidas para evitar o perigo.

“Nós elaboramos nosso relatório de segurança aérea. A investigação está a cargo do Controle de Tráfego Aéreo Francês. Não houve nenhum evento subseqüente ao alerta do TCAS.”

As Aerolineas Argentinas confirmaram que tiveram um registro de “um incidente” envolvendo um Airbus A340 viajando de Roma para Buenos Aires.


Felizmente o transponder estava ligado!

domingo, 4 de novembro de 2007

Uma conclusão do acidente do Legacy

Neste acidente do Legacy/Gol têm sido muito discutidas as deficiências do controle do tráfego aéreo brasileiro e o caos aéreo sendo posto como o grande vilão. Na verdade, depois de ter pesquisado muito adquiri a certeza de que não foi. Se nos aprofundarmos sobre o papel do controle de tráfego aéreo, veremos que o principal é de manter o afastamento horizontal das aeronaves, controlando partidas, chegadas e aproximações nos aeroportos. Controlar rotas e altitudes desempenha um papel secundário nas suas atividades. Por que? Porque em 99,99% das vezes esta é uma decisão dos pilotos e suas companhias através do seu plano de vôo. E some-se a isto a evolução dos instrumentos, como a utilização de navegação por GPS e altímetros redundantes e de alta precisão. Ou seja, desde que o plano de vôo seja corretamente inserido no computador da aeronave, ela pode prescindir completamente do controle de tráfego aéreo após a decolagem.

Primeiro, temos que saber que todo espaço aéreo é mapeado através de aerovias, que possuem regras bem estabelecidas e claras. De uma forma simples, quando uma aeronave se dirige para os quadrantes noroeste e sudoeste devem requisitar um nível “par” (280,300, 320,340,...), quando se dirige para nordeste e sudeste devem requisitar um nível “impar” (290, 310, 330,350,...). Entretanto, há muitas aerovias que têm sentido único, e os pilotos podem requisitar tantos níveis impares quanto pares. Isto está muito claro nas cartas aeronáuticas. Como é feita a escolha das altitudes? Principalmente pelas condições de peso da aeronave e consumo de combustível. É um cálculo bastante complexo, feito nos computadores da aeronave e também através de programas de computador que podem ser utilizados em qualquer local. Eram estes cálculos, para o trecho Manaus/EUA, que o Legacy faria no dia seguinte, que os pilotos estavam fazendo entre Brasília e o momento do acidente, e por isto não estavam prestando atenção nos instrumentos do Legacy (transponder e rádio).

Quem escolhe a rota e o nível é o piloto, ou a sua companhia, em seu nome. O controle de tráfego, verificado se não há conflitos, libera a solicitação do piloto. Como foi dito, 99,99% das vezes a rota e níveis solicitados pelo piloto são autorizados pelo controle de tráfego aéreo, Em vôos comerciais estes planos de vôo são, podemos dizer permanentes, porque são repetitivos. Em vôos da aviação executiva, como neste caso, podem ser feitos por uma companhia especializada, que conhece todas estas regras, tanto das características do avião como do espaço aéreo por que estão voando. Neste caso, o plano de vôo, foi feito pela Universal Weather, uma companhia americana, para a Embraer.

Excepcionalmente o controle de tráfego aéreo pode “segurar” uma aeronave para manter um espaçamento horizontal maior, mas a altitude em rota é uma decisão quase que exclusivamente do piloto, que a requisita pelo seu plano de vôo ou verbalmente pelo rádio, e o controle de tráfego autoriza, repetindo o que foi pedido no plano ou verbalmente. É muito comum, durante o vôo, os pilotos solicitarem alteração no nível devido às condições atmosféricas ou peso da aeronave. O Gol, por exemplo, tinha um plano de vôo prevendo o nível 410, mas solicitou o nível 370, no que foi atendido, mas foi uma decisão dele e não do controle de tráfego. Pesquisando na internet não consegui encontrar uma situação sequer em que o controle de tráfego autorizou um nível de vôo diferente do solicitado pelo piloto. Por que o controle de tráfego faria isso? Se o nível do vôo depende das características da aeronave, por que o autorizaria um nível de vôo diferente do solicitado no plano de vôo? Imagino que somente se o piloto houvesse solicitado um nível fora das regras da aerovia, ou eventualmente, se na rota solicitada houvesse uma aeronave em uma situação fora do normal. Ou seja, situações extremamente não usuais e circunstanciais.

Agora se coloquem na posição de um piloto. A companhia faz o plano de vôo para ele, que é submetido ao controle do tráfego aéreo que vai autorizá-lo ou muito excepcionalmente poderá alterá-lo. A autorização da torre para o piloto repete o que foi solicitado. Por que o piloto vai se preocupar com o que foi solicitado por sua companhia em seu nome se o controle vai repetir? Por que se dar a este trabalho? Basta esperar o controle informar o plano de vôo solicitado por sua empresa. Só que neste caso o controle de S.José dos Campos não repetiu o que foi solicitado e ainda por cima não completou a frase de que a autorização era “como a solicitada”. Por quê? Porque, primeiro, repetir todo o plano de vôo é complexo e pode gerar mais confusão do que esclarecer, e segundo, porque 99,99% das vezes o plano autorizado é o solicitado. Isto está errado segundo as normas. Sim, mas todos os pilotos entendem que estão sendo autorizados como o plano solicitado, mas os pilotos do Legacy, que não haviam estudado o plano de vôo, não entenderam. Os pilotos imaginaram que a autorização do nível 370 valia até Manaus e que este teria sido o plano de vôo solicitado. Não perceberam que era uma autorização parcial. É claro que se tivessem analisado o plano de vôo, como exigem as normas, saberiam, como sabem todos os pilotos que voam aqui, que se tratava de uma autorização parcial.

A partir daí, o que ocorre é que o controle de tráfego imagina que o Legacy voaria segundo o plano de vôo solicitado e autorizado, e o Legacy por um plano de vôo que só existiu na cabeça deles. O controle de vôo não se deu conta de que o Legacy poderia estar seguindo um plano de vôo totalmente errado, e para piorar, por ironia do destino, o transponder, que fornece a altitude para o controle de tráfego, deixou de funcionar justamente quando eles deveriam alterar do nível 370 para 360, sobre Brasília.

O controle de vôo, a partir da falha do tranponder, passou a imaginar que haveria somente um problema menor com ele, já que deveria ser programado com um código específico, que identifica a aeronave. Por isso, sem perceber o risco, não tomou as providências que deveriam tomar. Mas devemos entender que para o controle de tráfego, o Legacy estar no nível 370 era algo totalmente inesperado e fora de qualquer suposição. Era estar completamente fora das regras básicas da aerovia, algo que ninguém faz. Ninguém vai de Brasília a Manaus na contramão, é uma distância enorme, e nenhum controlador vai por uma aeronave na contramão em um trecho tão longo.

Se os pilotos observarem as regras, não precisam de radares, rádios, e nem mesmo do controle de tráfego. È por isso que os aviões cruzam os mares, desertos e a floresta amazônica mesmo sem radar ou rádio. Eles obedecem as regras. Além disto, o controle de tráfego está preocupado com as aeronaves que estão se aproximando ou partindo dos aeroportos, onde os riscos são extremamente maiores. Nenhum controlador está preocupado com uma eventual altitude errada de um avião sobre a Amazônia, isto é completamente não esperado.

Como eu disse várias vezes, o controle de tráfego, poderia ter evitado o acidente se tivessem percebido o risco e agido com presteza quando deixou de ser emitido o sinal do tranponder. Mas por semelhança, é como a falha de um guarda-vidas que não percebe alguém se afogando. As falhas, incontestavelmente maiores foram dos pilotos por compreenderem uma autorização incompleta com um sentido totalmente diferente do plano solicitado e às regras das aerovias e por fim não operarem adequadamente o transponder.

Dito isto, expliquem-me, portanto, como o caos aéreo provocou este acidente.

sábado, 3 de novembro de 2007

Joe Sharkey não comenta o acidente do Legacy

Por que faz tempo que Joe Sharkey não fala nada sobre o acidente do Legacy? O último post de Sharkey que estava mais proximamente ligado ao acidente foi quando ele publicou a tradução do relatório da CPI, em 10 de setembro. Depois disso, somente comentários sobre a “crise aérea”. Antes disso também eram poucas as referências mais diretas aos fatos e as circunstâncias do acidente. Vocês notaram como ele não oferece nenhum comentário porque os pilotos foram "ordenados" a manter o nível de 37.000 pés de S.José dos Campos até Manaus? Não comentou porque os pilotos entenderam que deveriam manter um mesmo nível cruzando o Brasil, com as dimensões de um continente, na maior parte do percurso na contramão e esquecendo questões como o consumo de combustível? Vocês notaram que todos os comentários sobre as imaginárias falhas do transponder desapareceram? Vocês notaram que embora não se canse de falar dos “buracos negros” das comunicações e dos radares, não conseguiu mostrar em que momentos do vôo isso ocorreu? Vocês notaram que embora atribua as mortes dos acidentes brasileiros ao “caos aéreo”, não foi capaz de mostrar a relação de causa-efeito entre eles.

Por que será?

Porque uma mentira não se sustenta indefinidamente. Porque desde o início ele sabia que sua argumentação era muito frágil e, portanto, somente com a estratégia da confusão e através da associação entre as conhecidas e inegáveis mazelas brasileiras de serviços públicos precários e da corrupção desenfreada poderia fazer com que as pessoas acreditassem que isso poderia levar ao acidente. Não foi capaz de mostrar como o caos aéreo desligou o transponder, nem como fez o manete do Airbus estar na posição errada.

A brincadeira perdeu a graça.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Criminalização de acidentes aéreos

Pilotos e Controladores devem estar acima da lei?

Todos os organismos representantes de pilotos e controladores, agora que as responsabilidades dos acidentes passam a ser muito claras, voltam suas críticas contra a “criminalização” dos acidentes aéreos. Seus argumentos são que a criminalização dificulta a apuração das causas dos acidentes e não conduz à prevenção dos acidentes. Afirmar que apurar a existência de crime pode levar as testemunhas a não prestarem as informações que têm com medo de serem criminalizadas, e assim dificultar à prevenção dos acidentes seria o mesmo que não apurássemos mais as responsabilidades dos acidentes de tráfego pois dificultaria a prevenção dos acidentes automobilísticos. Isto é ridículo. Então porque não descriminalizar qualquer acidente, e não somente os aeronáuticos, se isso permitirá uma superior prevenção dos acidentes? O argumento é que não se deve criminalizar para previnir outros crimes?

Quanto aos acordos internacionais, em especial o ICAO-Annex 13, que tanto falam os pilotos e controladores, o relatório da CPI do Apagão Aéreo foi claro sobre isto, e portanto simplesmente transcrevo aqui o trecho do relatório que trata do assunto:

Pilotos e controladores compareceram à CPI, propugnando pela descriminalização dos acidentes aéreos, afirmando que normas internacionais da aviação não recomendam a criminalização dessas ocorrências. De forma mais específica, citam o Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, mais conhecida por Convenção de Chicago, firmada, em 7 de dezembro de 1944, que estabeleceu, entre outras coisas, a criação de uma agência especializada, a International Civil Aviation Organization – ICAO (Organização de Aviação Civil Internacional – OACI), que, em 1947, tornou-se uma Agência da Organização das Nações Unidas (ONU).

Na leitura do Anexo 13 – INVESTIGAÇÃO DE INCIDENTES E ACIDENTES AERONÁUTICOS, percebe-se que aqueles que compareceram à CPI e se utilizaram desse argumento não foram suficientes exatas em suas falas, pois o documento não trata dessa questão da maneira como foi apresentada.

Para sepultar as discussões que poderiam ainda ser levantadas a respeito, fazem-se aqui algumas transcrições do Anexo 13:

3.1 O único objetivo da investigação de um acidente ou incidente aeronáutico será o da prevenção de acidentes e incidentes.

Não é propósito dessa atividade determinar culpa ou responsabilidade.
(...)
5.4.1. Recomendação. – Qualquer procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade deve ser independente de qualquer investigação conduzida sob as disposições deste Anexo.
Desses dois dispositivos, portanto, é possível concluir:

• que as provas colhidas na investigação aeronáutica não poderão ser utilizadas para a investigação criminal; e
• não há impedimento, pelas normas que regem a aviação internacional, como controladores e pilotos sugeriram, para a instalação de procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade; e
• não poderá haver conexão entre a investigação aeronáutica e os procedimentos judiciais ou administrativos.

Na verdade, o item 5.4.1. é apenas de uma recomendação, o que torna facultativa a sua adoção pelo país signatário da Convenção.

Do conjunto de dispositivos que compõem o Anexo 13, também podem ser extraídas de sua leitura as seguintes conclusões:

1. A investigação criminal e a investigação aeronáutica não se confundem em seus fins. Àquela destina-se a penalizar os responsáveis; esta, a obter elementos visando a prevenir acidentes em circunstâncias semelhantes.

2. As autoridades judiciais poderão, diante de cada caso concreto, requisitar os elementos colhidos durante a investigação aeronáutica, ponderando qual o valor maior em jogo.

Não bastasse, o próprio CENIPA tem recomendação para que:

Se durante um processo de investigação, entretanto, forem identificados indícios de crime ou contravenção, a Comissão notificará a autoridade policial competente para que, em paralelo e completamente independente da investigação do SIPAER, sejam abertos os processos compatíveis.
Indo além das considerações jurídicas e fechando a abordagem do tema, reafirma-se que são improcedentes as declarações de pilotos e controladores de tráfego aéreo de que o Brasil fere as normas internacionais que regem a aviação, quando sua legislação permite que essas categorias profissionais sejam responsabilizadas por acidentes aéreos. Isto nos leva à constatação de que há necessidade dos instrumentos legislativos nacionais definirem, de maneira límpida, as responsabilidades e limites de cada uma das diferentes investigações, das aeronáuticas e das judiciais. Para tanto, é imperioso que a Câmara dos Deputados se debruce sobre matéria legislativa que regulamente este tema.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Jornalistas não cumprem a palavra

Tive há algumas semanas atrás uma interessante troca de emails com um conhecido blogueiro de uma revista, que infelizmente não posso citar. Eu argumentava que a revista estava muito segura que o acidente da TAM havia sido exclusivamente causado pela falha do piloto em colocar o manete na posição incorreta durante o pouso com o reverso pinado. Eu argumentava que embora era isto que estava indicado na caixa-preta, descartar uma hipótese, por mais remota que fosse, de que havia sido registrado na caixa-preta algo que efetivamente não ocorreu, é de certo modo uma irresponsabilidade de um jornalista.

Esta postura é extremamente conveniente para a Airbus e TAM, já que ninguém está aqui para contestar e dá-se o caso como encerrado. Ao que ele me respondeu: “Aqui nessa coluna interativa a opinião do leitor -- seja ele quem for -- é muito importante. Você é muito bem-vindo, sinta-se a vontade para manifestar sempre que julgar oportuno. É um prazer saber de uma discordância e sobretudo quando ela é feita com propriedade”. Entretanto completou: “Quanto à falha no registro da caixa-preta, não é bem falta de alguém vivo para contestar. No Brasil há muitos vivos que contestam. Copio um trecho de uma reportagem que fiz para (a revista) na edição de * de Agosto de 2007”, e transcreveu: "Mesmo depois da divulgação das primeiras investigações, aventou-se a hipótese de que, no lugar de falha humana, poderia ter ocorrido um erro não especificado nos computadores de bordo, ou ainda na caixa-preta. Por essa versão, o piloto teria colocado o manete direito na posição correta, mas algo fez com que a caixa-preta registrasse um movimento diferente. (A revista) conversou com Raymond Auffray, ex-chefe da comissão francesa de investigação de acidentes aeronáuticos e uma das maiores autoridades do mundo no assunto. Diz ele: "Nos mais de 3.000 casos que já investiguei, nunca vi uma caixa-preta registrar dados de maneira errada. Se há uma pane de transmissão, por exemplo, ela pode deixar de receber informações. Mas, se o registro existe, ele será absolutamente fiel à ação ocorrida". Questionado se o computador de bordo não poderia ter "lido" errado um comando manual corretamente executado pelo piloto, o especialista respondeu: "Jamais encontrei um caso em que o sistema de computadores tenha desobedecido a um comando do manete. Desconheço um caso similar na história da Aeronáutica".

Forneci a ele uma série de argumentos, e reafirmei: “Portanto com todo respeito que mereça o Sr. Raymond Auffray, a sua afirmação não encontra amparo nos meios tecno-científicos. O que ele poderia afirmar é que há uma probabilidade desprezível dos dados da caixa-preta estarem incorretos”.

Ele me respondeu: “Você escreveu: Mas é claro que em 99,99% das vezes conterá os dados absolutamente corretos. Se você encontrar o 0,01%, ou seja, um caso onde a caixa-preta registrou incorretamente, prometo que publico com grande destaque”. Como continuei argumentado sem fornecer maiores fundamentações, respondeu-me: “Receio que o tom peremptório está um pouco fora do lugar para persuadir uma possibilidade, não só remota, mas que você não forneceu nenhum precedente. Mas se você está convicto que os "circuitos lógicos" interpretaram erroneamente a posição dos manetes e enviaram o engano para caixa-preta, eu consigo conviver, numa boa, com a discordância. E suspeito que a aviação civil também”.

Como minha argumentação não foi suficiente, e como ele afirmou que eu não havia fornecido nenhum precedente, reuni alguns artigos sobre o tema. Isto foi muito fácil. Enviei-lhe um que mostrava os problemas da qualidade das informações das caixas-pretas e a necessidade de serem aferidas periodicamente. Mais do que isto, relatei o seguinte caso que justificou minha argumentação: “Você deve conhecer o acidente do Airbus vôo DLH 2904, em 1993, ao pousar em Warsaw. O avião tocou muito de leve na pista e a compressão no trem de pouso esquerdo foi abaixo do limite para detecção da condição de solo. Os sensores detectam uma condição de solo quando a pressão nos trens de pouso e velocidade das rodas ultrapassam determinados valores. Como o avião hidroplanou e inclinou-se para a direita, nenhuma destas condições foi satisfeita, e assim como no acidente da Tam, os procedimentos de frenagem automáticos não foram acionados. O que seria observado na caixa-preta? Que o avião teria tocado na pista muito tarde, em completa contradição com o que foi comprovado pelos próprios olhos. Ou seja, houve um problema de interpretação pelo software embarcado dos dados coletados pelos sensores. Lembre-se que a caixa preta só armazena dois estados: toque no solo sim ou não”.

Parece que foi mais do que suficiente para comprovar o que eu estava argumentando, não acham? Não se concluem causas de acidentes através de probabilidades. Acidentes, especialmente aéreos só acontecem quando eventos de probabilidade extremamente pequenas somam-se para produzir o resultado. Pode-se afirmar, "há uma grande probabilidade de..." mas nunca "foi devido à...".

Ele nunca mais me respondeu, nem fez a reportagem prometida, nem tocou mais no assunto.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Universal Weather and Aviation, Inc.

Fiquei extremamente impressionado com os serviços prestados pela Universal Weather and Aviation, que fez o plano de vôo do Legacy para a Embraer. Vejam o site da empresa. Vejam o que ela faz em relação a plano de vôos:

Flight Planning
Fuel efficiency, best time to destination, adequate reserves, and safety are your primary considerations when it comes to flight planning. For reliable and accurate flight plans customized to your preferences you can trust our expert flight planning team supported by a 24/7/365 team of meteorologists. Universal offers over 600 individual flight plan formats based on your needs and specifications, as well as:
- Destination, alternate ETOPS, and Equal-Time-Point (ETP) airport weather considerations
- Preferred routing schemes; flight levels; RNP, MNPS, and RVSM airspace; geo-political implications; navigation and communications requirements
- Graphical presentation of routings plotted on weather charts
- Flight plan filing procedures for each country in the world
- European routing schemes, airway slots, and flight plan filing service through the European Operations Centre* at London-Stansted Airport (STN)
- RAD-compliant best winds routings
Pilots can also receive a 24-hour preliminary review of routings, en-route times, and weather.


Vejam aqui um exemplo de um plano de vôo preparado por esta empresa. Parece que esta coisa de planos de vôo é coisa séria, não?

Puxa! E pensar que os pilotos do Legacy dispensaram tudo isso, e foram direto para Manaus!

PS: Mais recentemente mudei de opinião sobre o plano de voo do Legacy e passei a considerá-lo um dos principais fatores contribuintes do acidente. Vejam As diversas altitudes previstas para o Legacy.

As perguntas há muito tempo já respondidas a Sharkey

Sharkey, em seu blog, faz indagações há muito tempo já respondidas, mas que não cansamos de repetir:

1. Why did Brazilian air traffic control fail to alert the Legacy to the fact, obvious to ATC, that the transponder wasn't signaling for nearly 5o minutes before collision? Why was there no attempt made to contact the Legacy?

Os erros ou falhas do Controle de Tráfego não justificam os erros cometidos pelo Legacy. As falhas do Controle foram apontadas e não foram negadas pelas autoridades ou pela imprensa. Entretanto, como diz o relatório da CPI, publicado por Sharkey, os aviões voam sobre os mares e desertos, onde não há cobertura de radares ou rádio, em segurança, porque os pilotos seguem as regras aéreas. As normas são claras em dizer que a segurança do vôo é responsabilidade do piloto.

2. Why did the Brazilian radar scope consistently show misreadings of the Legacy's altitude, in several instances indicating wild oscillations that in fact never occurred?

Qualquer equipamento eletrônico apresenta leituras equivocadas em determinados momentos. Quem já não conseguiu utilizar em determinados momentos o celular, um computador que trava e por aí vai. A principal causa destas oscilações era devido ao transponder estar desligado. De qualquer maneira vale a resposta da primeira pergunta.

3. Why are we still hearing about a discarded "flight plan," when it is not in dispute that the Legacy was ordered to maintain 37,000 feet, and that ATC orders routinely override flight plans and are always to be followed?

É obrigação dos pilotos solicitar uma autorização corrigida, se a liberação fornecida pelo controle aéreo for contrária às normas de segurança, no caso, trafegar na contramão. As normas de aviação internacionais são extremamente claras em apontar que a responsabilidade é do piloto de não aceitar uma liberação incorreta. Os pilotos não foram nem mesmo capazes de perceber que a liberação estava incorreta. As autorizações devem conter:
a) identificação da aeronave;
b) limite da autorização;
c) rota de vôo;
d) nível ou níveis de vôo para toda a rota ou parte da mesma e mudanças de níveis, se necessário; e ...

A autorização foi claramente incompleta porque não mencionou a rota de vôo (Poços de Caldas, Brasília, Teres chegando a Manaus) nem os níveis de vôo. Entretanto os pilotos seguiram a rota de vôo do plano, mas não questionaram os níveis de vôo, assumindo que era válido até Manaus. Porque não seguiram direto de Poços de Caldas até Manaus em linha reta como foram autorizados?

4. Why have we heard so little on the record about the Gol's flight plan and clearance? Why have we not seen a transcript of the Gol cockpit voice recorder?

O que importa isso? Não se apontou nada sobre o Gol que pudesse ter contribuido para o acidente. O Gol teve um plano de vôo aprovado para o nível 410. O piloto solicitou nível 370, no que foi atendido pelo controle. Tudo segundo as normas.

5. Why is the U.S. National Transportation Safety Board, which now knows precisely what happened on Sept. 29, sitting on its hands, citing procedure, when two American pilots are being criminally scapegoated?

Por que eles sabem que esta é a lei em qualquer lugar do mundo e que não serão reações corporativas de classe de pilotos, controladores, ou qualquer solicitação de uma organização não governamental que irá mudar o curso da lei.

Enfim, o que se vê é que Sharkey quer justificar os erros dos pilotos através dos erros do controle. Ambos são injustificáveis.

Erros dos controladores:
- Forneceram autorização de partida incompleta, e portanto incorreta, induzindo os pilotos ao erro;
- Não agiram como seria esperado diante da falta de comunicação do transponder e do rádio e assim não evitaram o acidente.

Erros dos pilotos:
- Não se preparam adequadamente para o vôo, desconhecendo o espaço aéreo brasileiro e suas regras. As normas aeronáuticas exigem a devida preparação para o vôo antes do embarque;
- Por seu despreparo, não questionaram uma autorização que punha em risco a segurança da aeronave (contramão), quando tinham a obrigação por norma de fazê-lo. As normas aeronáuticas são claras quanto à obrigatoriedade deste questionamento;
- Não operaram corretamente os instrumentos e equipamentos (transponder e rádio);
- Não monitoraram os instrumentos, não observando que estavam inoperantes.

Minha pergunta ao Sharkey: Por que ele não publica as respostas às suas perguntas?

Os diversos níveis do plano de vôo do Legacy

Como todos sabem, o plano de vôo original do Legacy previa os níveis 370 até Brasília, 360 até Teres e 380 até Manaus. Entre S.José e Brasilia as normas permitem qualquer nível, entretanto de Brasília a Manaus o Legacy deveria passar para um nível par. O Gol se dirigia corretamente por um nível impar (370), como o Legacy manteve o nível 370, houve o choque. Sempre achei curioso o plano de vôo do Legacy prever tantas mudanças de níveis. Por que este sobe e desce? Pesquisando descobre-se que os níveis são escolhidos em função principalmente de condições metereológicas, peso da aeronave, regras das aerovias e tráfego. O peso é determinado fundamentalmente pelo combustível que a aeronave é carregada e vai utilizando durante o vôo. É por isto que o plano de vôo é preparado antecipadamente por uma empresa especializada. No caso deste vôo, o plano foi preparado pela Universal Weather para a Embraer. Pois bem, esta empresa tem o maior cuidado, fazendo todos estes cálculos, elaborando um plano detalhado e complexo, envia este plano para Brasília que registra nos seus computadores do CINDACTA. Os pilotos recebem este plano impresso e botam no bolso. Basta o controlador verbalmente informar a autorização de modo incompleto, não dizendo que está informando só o primeiro trecho, para o piloto desprezar todo o plano anterior e manter o nível 370 até Manaus? Estranho não é?

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Ifatca troca as bolas

Eis um novo prato cheio para os oportunismos das meias-verdades.

"Novo acidente aéreo no Brasil é questão de tempo", diz Ifatca (ESTADO)

O presidente da Federação Internacional de Controladores de Tráfego Aéreo (Ifatca), Marc Baumgartner afirmou que "é uma questão de tempo para que um novo acidente aéreo volte a acontecer no Brasil". Segundo a reportagem "sua opinião é compartilhada por outros dirigentes da entidade". Afirma que, além de agir dessa forma de modo a se eximir de sua própria responsabilidade, as autoridades brasileiras priorizaram a punição dos controladores em detrimento das ações que poderiam prevenir novos acidentes. "Ter a polícia militar investigando um acidente tão complexo como esse é como ir ao cabeleireiro para comprar carne. Não é sério. É absolutamente ultrajante. Se você conta com um sistema militar legal paralelo, a situação só se agrava, porque as regras são diferentes".

É mais um amontoado de meias-verdades para associar o acidente da Gol com deficiências do tráfego aéreo. Quem é a Ifatca, uma organização não governamental, para falar como deveriam ser feitas as investigações judiciais? Será que estas pessoas sabem o que é uma Constituição, sabem como é a organização dos poderes em um estado democrático. Confundem ações administrativas e ações judiciais. Ninguém prioriza punições em detrimento de prevenção de acidentes. São ações completamente independentes, tomadas por organizações e pessoas completamente diferentes. Investimentos e ações para melhoria da infraestrutura aereoportuária são tomadas no âmbito da esfera do poder executivo, e ações judiciais para apuração de responsabilidades civís e criminais são do poder judiciário. Neste caso, como o espaço aéreo é de responsabilidade militar, a responsabilidade pela apuração é da FAB, com o apoio pericial técnico das organizações aeronáuticas civís, como a NTSB, assim como do poder judiciario, através das denúncias do Ministério Público, já que houve fatalidades. Do mesmo modo que nos EUA nos casos investigações de terrorismo ou risco as operações aéreas contam com a iniciativa do FBI e das forças armadas, pois trata-se de uma questão de estado. Será que a Infacta opina como deve ser estruturado o estado americano? Será que eles opinam como devem ser as investigações criminais? Não, é claro que não. E não deve ser aqui que as coisas devem ser confundidas. É o próprio pais que decide a organização de seu estado a partir de uma longa história de ações políticas e decididas na esfera do poder legislativo. Não é uma ONG, Ifatca, que dirá como um país deve estruturar o seu estado, nem como seus acidentes aéreos devem ser investigados, nem como devem ser priorizados seus investimentos. Estas são decisões políticas e estratégicas em seu sentido mais amplo. Que devemos melhorar a infraestrutura do controle de nosso espaço aéreo não tenha dúvida, entretando isto não evitará que pilotos e controladores cometam seus erros. Nos EUA, no acidente do ano passado da Comair, onde morreram 49 pessoas na decolagem do aeroporto de Lexington pela pista errada, o controlador da torre havia dormindo duas horas entre os turnos, e havia apenas um controlador na torre, quando deveria haver dois. Depois verificou-se que a responsabilidade maior foi do piloto, mas que faleceu, e portanto não há a quem responsabilizar criminalmente. Parece que o tráfego aéreo dos EUA deveria trazer bem mais preocupações para o Sr. Baumgartner que o brasileiro. A melhoria do controle do espaço aéreo deve ser constante, as investigações sobre acidentes são episódicas. Ninguém prioriza uma à outra.

O Sr. Baumgartner vem se juntar ao corporativismo das organizações de classes de advogados, médicos, controladores de vôo, pilotos, engenheiros, militares, políticos, juízes, promotores e outros, que não querem serem responsabilizados civíl ou criminalmente por seus atos e se julgam acima da justiça.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

O comprimento da pista de Congonhas

Houve um tema sobre a pista de Congonhas que me esqueci de comentar. Em algumas reportagens vi algumas sugestões para aumentar a pista de Congonhas. A mais cômica foi a do Fantástico logo após o acidente sugerindo um viaduto sobre a Rubem Berta. Passei rapidamente por isso, pelo rídículo que era, mas como alguns jornais ainda falam disso, volto ao assunto. Existe um "gabarito" para a construção de prédios em Moema e no Jabaquara definido em função de uma "rampa" virtual e cone de descida dos aviões. Ou seja os edifícios foram contruidos baseados nesta legislação. É nisto que está fundamentada a alegação dos que construiram nas cabeceiras das pistas. Se a pista for aumentada, todos os edifícios que foram construidos com base neste gabarito passarão a por em risco os pousos e decolagens. Ou seja, continua valendo que a única medida simples, prática, econômica e possível é impor restrições às aeronaves que exigem pistas maiores.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Justiça rejeita denúncia contra controladores

Justiça rejeita denúncia contra controladores por acidente com vôo 1907 (FOLHA)

A Justiça Militar rejeitou a denúncia (acusação formal) contra os cinco controladores de tráfego aéreo investigados no inquérito sobre o acidente com o Boeing que fazia o vôo 1907 da Gol e o jato Legacy da empresa ExcelAire, ocorrido há um ano. Em seu despacho, assinado na última sexta-feira (28), a juíza-auditora da 11ª Circunscrição, Zilah Maria Callado Fadul Petersen, alega que a denúncia apresentada pelo Ministério Público Militar "é inepta" porque não especifica as normas que teriam sido violadas pelos militares. Isso impediria que os denunciados se defendam das acusações que ali lhes são feitas".

Entenda-se que a denúncia está mal formulada, não que a juíza tenha feito qualquer julgamento do seu mérito.

O hábito Brasileiro de informar autorizações incompletas

Se lermos a ata da CPI do Apagão Aéreo onde apresenta o depoimento à Justiça do controlador de Brasilia que transmitiu a autorização incompleta para a torre de São José dos Campos, podemos entender porque a autorização para o Legacy foi incorreta:

"O sargento Felipe Santos dos Reis não foi ouvido nessa CPI. Ele já havia afirmado - que é um dos indiciados - conforme noticiou a imprensa, que nada falaria sobre o acidente e seu comportamento profissional naquele dia. Sua intenção de ficar em silêncio foi confirmada quando intimado a depor na CPI da Câmara dos Deputados. Se nada falou à Câmara, foi claro em seu depoimento ao delegado Sayão, não deixando dúvida de que sua conduta foi penalmente relevante para o desfecho do acidente. Disse à autoridade policial. Então, esse depoimento é importante por quê? Porque ele não veio depor aqui e mesmo na Câmara ele foi e ficou calado, por isso nós não o chamamos, mas para o delegado ele disse: “Que, por ocasião da passagem do plano - então quem era esse senhor, o senhor Felipe Santos dos Reis? Ou quem é? Naquele momento era a pessoa que em Brasília, estava encarregado de aprovar o plano e de passar o plano a para São José dos Campos - que, por ocasião da passagem do plano de vôo da aeronave N600XL, da sala de plano para a posição “assistente S1”, o declarante é quem ocupava essa posição; Que o tráfego nesse momento poderia ser considerado de baixa intensidade; Que nessa ocasião recebeu apenas a “strip eletrônica” que retratava o plano de vôo, apenas no que se referia ao setor do declarante-S1; Que não tinha, nessa ocasião, o declarante a informação de que a aeronave pretendia, em seu plano, modificar o seu nível de vôo em Brasília, nem na posição Teres, pois essas informações não lhe eram visíveis na “strip eletrônica”; Que as informações relativas à continuidade do plano de vôo nos setores posteriores ao do declarante, poderiam ser acessadas através do acionamento de tecla especial, contudo, por se tratar de um plano e de uma autorização normal e pela responsabilidade do declarante se restringir ao Setor 1, o declarante não entendeu necessário acessá-las - ele não pegou a informação geral - Que em seu estágio, o declarante, absorveu conhecimento de que as autorizações relativas a plano de vôo que previam vários níveis de vôo eram emitidas pelo assistente do primeiro setor, contendo a especificação apenas sobre o nível de vôo a ser seguido no respectivo setor, exatamente por conta da limitação das informações contidas na “strip”; Que por essas razões, o declarante, efetivamente, ao receber a ligação do órgão de controle de São José dos Campos – SP, que solicitava autorização para o plano de vôo da aeronave N600XL, emitiu essa autorização mencionando o nível 370 e o rumo necessário para que a aeronave interceptasse a aerovia pretendida; Que perguntado se tal autorização foi completa ou parcial, respondeu que a sua autorização se compôs das informações essenciais, não estando presentes as informações complementares e que se tratou de uma autorização parcial; Que ao ser lida ao declarante a comunicação telefônica travada com o órgão de controle de São José, na qual tal autorização foi passada e perguntada ao mesmo declarante, novamente sobre o caráter parcial de tal autorização, reforçou o declarante que sua autorização previa nível e proa a serem voados na aerovia que conduz até Brasília e em Brasília termina, de forma que não poderia ser entendida como completa tal autorização; Que o trecho na comunicação em que São José menciona a locução “São José Eduardo Gomes” foi interpretada pelo declarante, como apenas uma forma de identificação de qual vôo e aeronave se estava tratando e não da extensão completa da autorização que seria recebida; Que tem conhecimento e entende que não infringiu o disposto no ICA – 100/12, item 8.4.9 e item 8.4.10.1”.

O que se pode concluir deste depoimento? Que é uma rotina e um hábito do controle de vôo Brasileiro transmitir autorizações de forma incompletas, já que o controlador não visualiza em seu console o plano de vôo completo. É fácil imaginar que isto não trouxe conseqüências até haver este acidente, porque talvez os pilotos aqui estariam habituados a receber as autorizações desta forma. Ou seja, os pilotos sabem que estão recebendo uma autorização para o primeiro trecho do plano de vôo apresentado, embora ela esteja sendo dada de maneira incompleta. Meu outro post "Mais detalhes da liberação de S. José dos Campos" mostra como foi a autorização em S. José.

Complemento (03/10/2007-16:20)
Segundo atas da CPI o controlador de tráfego aéreo, João Batista da Silva, que estava em São José dos Campos, e autorizou o Legacy a decolar, tem 32 anos de experiência, e declarou à PF que sabia que o plano do Legacy previa três níveis de vôos distintos. Puxa, há 32 anos ele passa o plano de vôo incompleto e ninguém faz nada!
Agora, vejam que o formato das autorizações não segue um modelo adotado mundialmente. Observem este comentário no blog Aviation in Canada: "Eu acho que já é confuso o bastante que as autorizações do Canadá diferem ligeiramente das autorizações americanas - se você fizer mais alterações, irá confundir os pilotos que atravessam fronteiras ainda mais". Ou seja, depreende-se por esta frase que diferentes países têm diferentes práticas.
Mesmo nos EUA a situação não é diferente. Nos fóruns se encontrarão muitos destes questionamentos. Veja uma das recomendações de um piloto: "Qualquer um que esteja usando autorizações de partida DUATS (Direct User Access Terminal System, como foi o caso do Legacy) deve imprimir o plano autorizado e mantê-lo até o vôo terminar. Se houver qualquer problema na transmissão, combinado com a gravação de sua autorização do aeroporto que você partiu, ele irá protegê-lo em um caso de discrepância". Parece pelas mensagens, que os pilotos americanos não se fixam muito no plano de vôo, e sim pelas instruções recebidas verbalmente.
Ou seja, qualquer pesquisa irá demonstrar que este é também um problema que ocorre lá. Entretando, pode-se concluir pelas mensagens que pilotos experientes sempre se cercam das devidas cautelas.

Relatório aponta os erros dos controladores

Relatório aponta 11 erros de controladores (FOLHA)

FAB indicia cinco controladores (VEJA)

Apuração aponta que rádio do Legacy não funcionou por estar na freqüência errada (FOLHA)

O comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, encaminhou à Justiça Militar o IPM (Inquérito Policial Militar) do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacyi, indiciando cinco controladores de vôo por "materialidade e indícios de autoria de crime" no acidente.

O Relatório aponta 11 erros de controladores. Os quatro sargentos e um suboficial indiciados pela FAB poderão ser presos, suspensos ou até expulsos da carreira. O relatório usa termos como "displicência", "relaxamento", "falta de diligência" e "demora excessiva" para classificar a atuação de controladores.

O resultado do IPM, indica por que falharam as mais de 20 tentativas de comunicação entre o avião e o controle aéreo de Brasília: a freqüência que o Legacy usava, 125.05 MHz, não funcionava no setor aeronáutico em que o avião voava na região do acidente. O comportamento dos pilotos do Legacy, apontado como um dos fatores principais do acidente, é citado, mas sem conseqüências legais, pois trata-se de um inquérito militar. Há referências à "conduta omissiva" dos pilotos, além da citação de normas aeronáuticas para afirmar que o Legacy estava sob "vigilância radar", não sob "vetoração radar", e isso significa que "a responsabilidade de navegação é do piloto em comando da aeronave". Ou seja: apesar dos erros dos operadores, deveriam corrigir altitude e freqüência, além de notificar a inoperância do transponder equipamento que informa a posição do avião ao controle e a outros aviões, acionando sistemas anticolisão).

O primeiro erro é do sargento Felipe dos Santos Reis, de Brasília. Não conhecia o plano de vôo, que previa três altitudes até Manaus, e passou a orientação para a torre de São José sem dados importantes sobre rota e nível, dando só a primeira altitude (37 mil pés).

O suboficial João Batista, de São José, conhecia o plano, mas não questionou a orientação de Brasília e a repassou para os pilotos do Legacy citando apenas 37 mil pés e o aeroporto de Manaus. Ele havia sido convocado no IPM como testemunha, mas foi indiciado pois "foi verificado que contribuiu, sobremaneira, para o evento que culminou com a queda do Gol".

A autorização incompleta produziu nos pilotos a "compreensão de que estariam autorizados a voar em 37 mil pés até Manaus", mas eles erraram ao não questioná-la, já que divergia do plano de vôo. Ao passar por Brasília, quando o avião deveria ter baixado para 36 mil pés, porque a altitude na direção Manaus é obrigatoriamente par na chamada aerovia (o Boeing vinha na "contramão" ímpar), nem os pilotos desceram, nem o sargento Jomarcelo ordenou a descida.

Jomarcelo afiançou equivocadamente para seu substituto de turno, Lucivando, que o Legacy estava em 36 mil pés, como no plano de vôo, quando estava, de fato, em 37 mil e na "contramão". Segundo o IPM, ele "teve todas as condições de verificar que a aeronave voava em 37 mil, até que perdesse o sinal do transponder".

Um dado considerado importante no relatório é que, às 16h26, o sargento Lucivando alterou o registro do nível de vôo autorizado a partir da posição Teres da carta aeronáutica: deveria ser de 38 mil pés, mas ele mudou para 36 mil.

O transponder não emitiu sinais por cerca de 55 minutos e não houve comunicação entre o controle e o Legacy entre 18h51 e 19h48, sem que nenhum dos lados observassem os procedimentos previstos.

Jomarcelo teve "um série de indicações" da inoperância do transponder, como o fim da circunferência que fica na tela do controle quando o aparelho está funcionando, variação de indicação de altitude e surgimento da letra Z entre a altitude real e a autorizada. Nada fez.

Também houve "excessiva demora" de Lucivando em tentar contato com o Legacy. Foram mais de 7 minutos até a 1ª tentativa e, mesmo diante de seis tentativas infrutíferas, levou "nada menos que 19 minutos" para fazer a sétima.

A transferência do controle de Brasília para Manaus, feita pelo sargento Barros, transcorreu "como se nenhuma anormalidade estivesse ocorrendo com a aeronave", disse que o Legacy iria chamar em seguida, quando sabidamente havia falha de comunicação.

O IPM joga luz sobre um dos dois grandes mistérios que ainda persistem do acidente: o rádio do Legacy não funcionou porque estava na freqüência errada. Esse é, diz o relatório, "um ponto de capital importância". O Legacy sobrevoou Brasília e entrou na aerovia UZ-6, rumo a Manaus, com a freqüência 125.05 MHz, própria para o setor 9. Os pilotos haviam sido informados pelo controle de Brasília, às 15h50, dessa freqüência. Mas ao entrar no setor seguinte, o 7 (onde ocorreu o acidente), o Legacy deveria usar a freqüência 135.9 MHz. Pelo inquérito, o controlador Jomarcelo Fernandes dos Santos deveria ter atualizado a freqüência de rádio e corrigido a altitude do avião para o nível de 36 mil pés, e não o fez. "Como o sargento Jomarcelo não orientou o N600XL [Legacy] para que efetuasse qualquer mudança de freqüência na passagem do setor 5 para o setor 7, é de se pressupor que a aeronave tenha mantido sintonizada a freqüência 125.05 MHz", diz o relatório.

Continuo afirmando que estes erros dos controladores são mínimos comparados ao erro dos pilotos. Se os pilotos tivessem analisado o plano de vôo 5 minutos antes de embarcar, como todos pilotos deveriam fazer, este acidente não teria ocorrido. Se o controlador de S.José tivesse completado a frase com "as filed", este acidente não teria acontecido. Se os pilotos tivessem seguido as normas, teriam esclarecido este clearance e não teriam voado no nível incorreto. Não é possivel admitir que um piloto venha a conhecer um plano de vôo verbalmente na hora de decolar, em um avião que pilotaram 4 horas, em um país que nunca voaram.

domingo, 30 de setembro de 2007

Ainda sobre a autorização de S.José dos Campos

Ainda há muita discussão sobre a autorização fornecida pela a torre de controle de S.José para a o Legacy. Já fiz vários posts sobre este tema, mas ainda insiste-se nele. Pedicini afirmou em um artigo recente: “Um clearance é mais que uma autorização; é uma ordem. No espaço aéreo controlado, o piloto é obrigado a seguir seu clearance e estar onde o ATC mandou ele estar, e não em qualquer outro lugar. É responsabilidade primordial da ATC manter a separação entre aeronaves, de não enviar duas para o mesmo lugar e ao mesmo tempo. Ocorreu uma falha”.

Não é bem assim. A Instrução do Comando da Aeronáutica nº 100-12 (ou simplesmente ICA 100-12), que dispõe sobre “Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo”, e consubstancia o mais importante diploma normativo atinente ao tema, prevê no seu item 8.4.1: “As autorizações têm por finalidade precípua acelerar e separar o tráfego aéreo e não concedem o direito de infringir nenhum dispositivo legal relativo à segurança de vôo (1). Isto até pode ser um pouco vago, mas a Federal Aviation Administration em seu Aeronautical Information Manual pelos quais os americanos se guiam, é bem mais específico:

“4-4-1. Clearance
a. A clearance issued by ATC is predicated on known traffic and known physical airport conditions. An ATC clearance means an authorization by ATC, for the purpose of preventing collision between known aircraft, for an aircraft to proceed under specified conditions within controlled airspace. IT IS NOT AUTHORIZATION FOR A PILOT TO DEVIATE FROM ANY RULE, REGULATION, OR MINIMUM ALTITUDE NOR TO CONDUCT UNSAFE OPERATION OF THE AIRCRAFT.
b. 14 CFR Section 91.3(a) states: "The pilot-in-command of an aircraft is directly responsible for, and is the final authority as to, the operation of that aircraft. If ATC issues a clearance that would cause a pilot to deviate from a rule or regulation, or in the pilot's opinion, would place the aircraft in jeopardy, IT IS THE PILOT'S RESPONSIBILITY TO REQUEST AN AMENDED CLEARANCE.”
(2)

Repito, para aqueles que não compreenderam em inglês: “Não é uma autorização para um piloto se desviar de qualquer regra, regulamentação, ou altitude mínima nem conduzir operações inseguras da aeronave.[...] O piloto em comando de uma aeronave é diretamente responsável, e é a autoridade final na operação da aeronave. Se o ATC emitir uma autorização que poderia causar um piloto desviar-se de uma regra ou regulamento, ou na opinião do piloto, colocaria a aeronave em risco, é responsabilidade do piloto solicitar um autorização corrigida”. Não preciso lembrar que em Brasília eles entraram na contramão.


(1) - ICA 100-12 - Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo
(2) - FAA - Aeronautical Information Manual

sábado, 29 de setembro de 2007

Uma dúvida intrigante

Uma dúvida sempre me pertuba: Se o Legacy, ao invés de estar indo para Manaus, estivesse indo para Lisboa, e colidisse no meio do Atlântico, onde não há radares e rádios, de quem seria a responsabilidade?

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Últimas notícas do acidente da Gol

Cenipa aponta que falhas humanas causaram acidente da Gol
(Estadao.com.br - Sexta-feira, 28 de setembro de 2007, 18:13)

BRASÍLIA - O relatório final produzido pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáutico (Cenipa), sobre as causas do acidente entre o Boeing 737-800 da Gol e o jato Legacy, ocorrido há exatamente 1 ano, vai apontar uma série de falhas humanas como os fatores determinantes para a tragédia que deixou 154 mortos no norte de Mato Grosso.
Embora a investigação aeronáutica não fale em culpados, a conclusão lógica é de que a somatória de erros cometidos por controladores do Centro Integrado de de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo de Brasília (Cindacta-1) e pelos pilotos americanos do Legacy, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, levou à colisão das aeronaves em pleno vôo.
O documento, que está na fase de conclusões finais, descarta existência de falhas ou panes nos equipamentos de comunicação, no transponder (conjunto de antenas que estabelecem contato entre a aeronave e o radares em terra) e no sistema anticolisão (TCAS, na sigla em inglês) do jato. Os investigadores também não encontraram evidências de que a cobertura radar na área do acidente teve influência na tragédia, o que afasta a tese de “buraco negro” na zona de transição entre os centros de controle de vôo de Brasília e Manaus (Cindacta-4).
Em linguagem técnica, o relatório detalha ainda quais os “fatores contribuintes” para a colisão. Relata, por exemplo, que os pilotos americanos deixaram de tomar as providências devidas em caso de falha de comunicação, como digitar no transponder o código 7600.
Paladino e Lepore também deixaram de questionar o controlador do Cindacta-1 sobre a divergência entre o plano de vôo solicitado – 37 mil pés de São José dos Campos (SP) a Brasília e, em seguida, 36 mil pés até Manaus – e o autorizado – supostamente 37 mil pés durante todo o trajeto. Com isso, o jato Legacy passou a voar na contramão da aerovia UZ6, entrando em rota de colisão com o Boeing.
É a partir desse instante que a conduta dos controladores de vôo passa a ser preponderante para o acidente. Ao perderem o contato com o Legacy, eles deveriam ter programado em seus consoles freqüências alternativas de rádio, o que não foi feito conforme perícia realizada nos equipamentos.

A pista escorregadia de Congonhas

Tenho ouvido muita discussão na imprensa sobre o grooving e a pista escorregadia de Congonhas, mas como engenheiro, me permitam um palpite. Não me parece muito certo o que estão falando e principalmente muitas críticas dos pilotos sem fundamento.

O atrito depende do tamanho da superfície de contato, portanto, quanto maior a superfície, maior o atrito. Em contrapartida se a lâmina d'agua formada entre o pneu e a pista não puder ser afastada, ocorre o efeito de aquaplanagem. Em uma pista sem grooving, a água vai para os vãos dos "gomos" do pneu até o limite possível, após o que, ocorre a aquaplanagem. O grooving diminui a altura da lâmina d'agua, mas diminui a superfície de contato entre o pneu e a pista, mesmo que pouco significativamente. Portanto, o grooving diminui o atrito!!! O grooving recomendado internacionalmente é de 1/4x1/4pol. a cada 2,5pol. Ou seja, o grooving diminui a superfície de atrito em 10%!!! E este grooving retira somente uma lamina d’água de 1/10pol, ou 2,5mm. Se a lâmina for maior que 2,5mm a responsabilidade passa a ser do “grooving” do pneu.

O fundamental, então não é que toda a água da superfície flua para as ranhuras do grooving, mas que a água também flua eficientemente para o “grooving” dos pneus. E todos os pilotos sabem que os efeitos da pressão dos pneus têm um papel enorme. Veja trecho do artigo da Air Safety Group: “Naturalmente, as condições da aeronave também são muito importantes na hora do pouso. Pneus inflados abaixo dos parâmetros requeridos estarão mais propensos a aquaplanar. E os pneus do trem de nariz, que normalmente são inflados abaixo da pressão dos pneus do trem principal, irão aquaplanar antes das rodas principais. As aeronaves com dois pneus no trem do nariz, como é o caso das de grande porte, devem ter ambos inflados com mesma pressão. Caso contrário, a aeronave tenderá a puxar para a direção do pneu menos inflado, aumentando a possibilidade de aquaplanagem em pistas molhadas. Essa tendência de puxão para a direita ou esquerda será ainda mais evidente se houver pneus com pressões diferentes nos trens direito ou esquerdo”.

Ninguém falou das condições dos pneus das aeronaves que tiveram problemas, só falaram da pista. Porque ninguém falou da manutenção da Pantanal, BRA, Gol e outros que derraparam? Vocês garantem que os problemas foram somente da pista nestas derrapagens? Lembre-se de um fato muito simples: Os acidentes com os aviões são cobertos pelas companhias seguradoras, entrentanto se houver falhas de manutenção, a companhia aérea arca com todos os custos. No caso de falhas de manutenção, alguém vai admitir? O que vocês acham?

Complemento - 22/10/2007:
"Na opinião de alguns pilotos e especialistas, a inexistência dos groovings poderia ter sido um fator determinante para o acidente, tese que perdeu força após se constatar que a eficácia do índice de atrito de uma pista está diretamente relacionado à própria condição da superfície asfáltica, e que as ranhuras não têm o objetivo específico de aumentar o referido índice de atrito". (Relatório Final da CPI do Apagão, publicado em outubro/2007)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

A improbabilidade de cumprimento de pena dos pilotos do Legacy

Se houver uma condenação dos pilotos do Legacy, provavelmente será por Homicídio Culposo, sem intenção, ao contrário do Homicídio Doloso, quando os agentes têm a intenção ou assumem o risco de provocar o resultado. A caracterização do Homicidio Doloso não é somente pela intenção, mas também pode ser caracterizado ao agente assumir riscos que possam produzir o resultado. A denúncia do Ministério Público foi de Homicídio Culposo -- "[...] ambos perpetraram o delito tipificado no art. 261, § 3º, c/c art. 263, com pena cominada pelo art. 258, c/c art. 121, § 4º (inobservância de regra técnica de profissão), todos do Código Penal Brasileiro". O Homicidio Culposo pode ser provocado em razão de falta de cuidado objetivo do agente, imprudência, imperícia ou negligência, o que parece ser mais provável no caso de uma condenação dos pilotos americanos.

Se condenados, ou decretada sua prisão preventiva, os pilotos americanos precisariam ser extraditados. Entretanto, o Tratado de Extradição entre o Brasil e os Estados Unidos, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 55.750, de 11/02/1965, não prevê em seu Artigo II o Homicídio Culposo como um dos crimes ou delitos passíveis de extradição. Portando, salvo reverta-se a denúncia por novos fatos, e sejam condenados por Homicídio Doloso, este sim, previsto no ítem 1 do Artigo II do Tratado, não há possibilidade de serem extraditados. Além disso, o Artigo VII prevê: "Não há obrigação para o Estado requerido de conceder a extradição de um seu nacional."

domingo, 16 de setembro de 2007

A nova área de escape virtual de Congonhas

Para vocês verem como esta nova área de escape "virtual" de Congonhas é uma tremenda bobagem em termos de engenharia basta lembrar que o problema do tamanho das pistas está na decolagem e não no pouso. Portanto, reduzir o tamanho da pista seria aumentar o risco de decolagem dos aviões, e é lógico que alguém com no mínimo dois neurônios não vai reduzir o tamanho de uma pista, botando em risco todas as operações para beneficiar uma situação que ocorre em casos excepcionais de uma aeronave continuar reto em uma operação de pouso. Podem ver que em todos os pousos mal sucedidos, os aviões saem pela lateral da pista, normalmente por intenção do próprio piloto, que em último caso em uma situação de emergência provoca um cavalo-de-pau. Mesmo em pousos, não faz sentido reduzir o tamanho da pista para ter mais área de escape. Quanto maior a pista melhor. É preferível manter a pista a reduzi-la para fazer área de escape. O avião freia melhor e tem menor risco do que parar de barriga. Vocês são capazes de imaginar que tendo a possibilidade de usar uma pista maior para decolagem, alguém vai destruí-la para tornar área de escape? Então, isto que nós estamos vendo, é o que nós podíamos dizer que é “para inglês ver”. É uma medida de marketing do Jobim e ANAC para a mídia. A única coisa que foi feita na prática foi aplicar restrições mais severas para o pouso e decolagem de aviões. O mais curioso é que esta medida tem poucos efeitos sobre os Airbus, por exemplo, que têm os menores requisitos neste sentido.

Complemento - 22/10/2007:
Aeronáutica muda restrição no aeroporto de Congonhas
Folha de S.Paulo, em Brasília
19/10/2007 - 10h02

Um mês após criar as áreas de escape no aeroporto de Congonhas (zona sul de São Paulo), por ordem direta do ministro Nelson Jobim (Defesa), a Aeronáutica alterou ontem (18) a restrição para permitir que aeronaves de maior porte voltem a utilizar a pista auxiliar para decolagens.

A medida atende aos interesses das empresas aéreas, que enfrentavam atrasos devido à fila para o uso da pista principal do aeroporto.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Congonhas sempre teve área de escape e nós não sabíamos

A piada do dia é que as pistas de Congonhas ganharão 300 metros de área de escape, através da redução de 300 metros de pista. Jobim disse que essas mudanças entram em vigor a partir do próximo sábado (15). Dia 15? Porque não hoje? Porque não entram em vigor com data retroativa a janeiro de 2007?

Este é um país de gente que só sabe reclamar mesmo. Então a pista já tinha área de escape no dia do acidente da TAM, e ninguém sabia? Será que na verdade eles não estão querendo dizer que serão aplicadas restrições aos aviões para pousar e decolar em Congonhas? É a primeira área de escape criada por lei e data marcada.

Antonio Ribeiro no blog da Veja, chega ao rídiculo de levar em frente uma proposta de construir um atoleiro no final da pista como se isto tivesse algum efeito no acidente da TAM. O que é o “atoleiro” do Ribeiro? "Trata-se de uma área no final da pista -- tem em torno de 8 por 23 metros --, pavimentada com concreto poroso ou “cimento celular” que se rompe quando a força do peso do avião é exercida sobre sua superfície. O “atoleiro” é mais eficaz que uma caixa de areia ou brita nas zonas de escape das pistas de automobilismo. Ele tem a função de desacelerar o avião de forma controlada causando-lhe pouco dano e mais importante, permitindo que os passageiros sejam desembarcados com vida [...] O sistema, criado em 1996, conhecido como EMAS -- Engineered Material Arresting System -- é capaz de reter um jato comercial de grande porte a 130 km/h. " Curiosamente o único "atoleiro" que atende as especificações da FAA - Federal Aviation Administration - é de uma única empresa - ESCO - de Nova Jersey. Foi implementada em vários aeroportos americanos, mas curiosamente no aeroporto de Chicago Midway, muito parecido com a situação de Congonhas, está em testes em uma pista auxiliar e há planos para colocar em outras pistas. O aeroporto Regan de Washington ainda não tem planos de colocá-lo, pois não há espaço para isso, e como não são idiotas, não reduzirão o tamanho da pista. Ou seja, isto não está nem testado, e nos quatro casos em que os aviões pararam no atoleiro, teriam parado de qualquer jeito. A própria FAA propõe que os aeroportos comerciais tenham uma Área de Escape de Segurança quando possível. O que se sabe é que isto tem um efeito mínimo sobre a segurança dos passageiros. É claro que qualquer medida de segurança é bem vinda, mas em nenhum acidente que ocorreu até hoje em Congonhas, o atoleiro do Ribeiro teria qualquer efeito. Se a velocidade for maior, rompem-se os trens de pouso, as asas tocam o solo e com o calor das turbinas provocam um grande incêndio, com atoleiro ou sem atoleiro.

Há quatro casos registrados de aviões pararem em atoleiros, três deles no aeroporto Kennedy de Nova York. Em 1999 um Saab 340B, um pequeno avião, com 3 tripulantes e 26 passageiros, errou a aterrisagem na enorme pista do aeroporto, ultrapassou o final da pista a 75 nós e percorreu 75 metros de um atoleiro de 120 metros. Só para lembrar, o Airbus estava a 140 nós, com 185 passageiros e tripulantes. Nós outros casos, os aviões já estavam praticamente parados quando chegaram ao atoleiro. Em testes um 727, um avião bem menor que o Airbus,precisou de 85 metros de atoleiro para parar a 55 nós. Ou seja, são casos que o único efeito foram diminuir os danos para os aviões. É claro que deste modo as companhias aéreas gostariam de que todos os aeroportos contassem com os atoleiros.

O mais curioso é que se discute todas estas obras faraônicas quando todos sabem que a causa do acidente foi uma simples manete na posição errada.

Este é um país de humoristas mesmo. Seria cômico se não fosse trágico.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Joe Sharkey entrega a rapadura

Joe Sharkey surpreende e publica relatório parcial da CPI do Apagão Aéreo, completamentamente traduzido.

Relatório Parcial da CPI em Inglês

Está tudo lá, absolutamente cristalino, confirmando tudo que está escrito aqui. Mais claro é impossível.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Mais detalhes da liberação em S. José dos Campos

Como eu disse no post anterior a liberação em S.José foi muito confusa pelos motivos que eu já relatei, e será onde as discusões deste caso vão se concentrar e vai gerar muita controvérsia. Mais lembre-se, só houve confusão pelo despreparo do Lepore, se ele tivesse estudado 5 minutos o plano de vôo, isto não aconteceria.

Veja trecho do depoimento de Rufino Antonio Da Silva Ferreira, Presidente da Comissão de Investigação da Aeronáutica em Audiência Pública da CPI da Crise Do Sistema De Tráfego Aéreo, em 17/5/2007. Este depoimento é um pouco diferente do que consta do Inquérito Policial e eu já relatei - veja outros post. A confirmação do Lepore (cotejamento) não é igual. Enquanto não houver uma transcrição definitiva do diálogo não se pode dizer muita coisa, a não ser que deve haver erros mínimos de cada parte. Mas bastava Lepore confirmar se era para seguir o plano ou ele estava sendo alterado. Confirmar uma palavra apenas. A torre, acredito, nem poderia imaginar que ele não seguiria o plano.

- SR. RUFINO ANTONIO DA SILVA FERREIRA
[..] Outro ponto muito específico, muito comentado, que penso ser importante realçar, foi a clearence fornecida ao November 600XL. Eu reproduzi aqui fielmente o diálogo no momento em que foi fornecida essa clearence. Ela está em inglês porque foi fornecida em inglês. Então ele pergunta se ele está pronto para copiar a clearence. As afirmativas em azul são a aeronave e as em vermelho é o controle de tráfego aéreo. No caso, seria o solo de São José. Então, ele dá lá: “November six zero zero x-ray lima. ATC clearence to Eduardo Gomes... Flight level three seven zero... Direct Poços de Caldas; squawk transponder code four five seven four. After take-off performance of departure. Ao que ele responde: “Okay, sir. Havia um ruído que nessa transcrição não permitiu captar. Ele confirma: “Flight Level 370”. E confirma o squawk e a subida. Ele não copia o referente a Poços de Caldas. O que foi levantado com relação a essa clearence? Essa clearence realmente foi dada de forma incorreta. Ela foi dada incompleta, de acordo com as normas vigentes, com a IMA 100-12. Ela deveria ser mais específica quanto até onde deveria seguir essa autorização, até onde esse nível 370 deveria ser autorizado. Ou a prática seria “autorizado conforme o plano, ou “S filed”, no caso sendo uma fraseologia em inglês, aí, sim, o piloto poderia assumir que seria exatamente como o plano de vôo aprovado. Uma vez que isso não foi dado, ele deveria então estabelecer o limite dessa autorização. É também uma influência cultural dos nossos controladores que se dê normalmente o primeiro nível de uma rota, mesmo que haja outros níveis previstos. Mas eu vou me deter somente à regra. A IMA 100-12 prevê que se coloque claramente o limite do primeiro nível de vôo, ou se está de acordo conforme apresentado.
- SR. PRESIDENTE (Deputado Marcelo Castro) - Coronel, só para corrigir.Porque o senhor está falando em IMA e já é ICA. Senão o pessoal vai fazer confusão aqui.
- SR. RUFINO ANTONIO DA SILVA FERREIRA - Perfeitamente, Deputado.Agradeço muito a correção. Foi um lapso meu.

Não confie no que você está lendo aqui, duvide de mim, duvide de si mesmo

Recentemente eu participei de um seminário sobre Inovação, onde o Walter Longo, publicitário e presidente da agência Young&Rubicam, fez uma palestra em que mostrava a necessidade das novas mídias e suporte para a publicidade, e destacava principalmente a internet. Dedicou-se longamente à publicidade que não parecia publicidade, o merchandising. Precisamos inovar, dizia ele, e mostrou inúmeros exemplos onde nós não percebemos que estamos sendo influenciados em nossas atitudes e comportamentos.

Lembrei-me também, como muitas empresas estão utilizando os grupos do Orkut, Blogs e fórums de discussão para passar mensagens de qualidade dos seus produtos e assim criar um posicionamento favorável para o mercado. Associar produtos a determinados grupos de interesse através da internet e muito mais eficaz que qualquer outro método.

Sempre fui uma pessoa avessa a esta forma de relacionamentos pela internet, mas não de uma forma consciente. Sempre me incomodou a falsidade, a mentira, o parecer o que não é que este meio permite. Se alguém já leu os meus posts verá que eu sou uma pessoa de tecnologia e informática. Portanto, antes que alguma pessoa queira me colocar algum rótulo, sou uma pessoa muito mais “antenada” na internet do que a maioria que está lendo aqui.

Embora não participe de sites do tipo Orkut, não tenha MSN, e por ai afora, freqüento diariamente os fóruns de tecnologia e informática e os noticiários online. Com o acidente da TAM, na minha janela, passei a freqüentar os fóruns dos que se dizem pilotos e “especialistas” em aeronáutica e também o blog do Joe Sharkey e os outros blogs que se conectam nesta rede. Aí percebi como a mentira se une a moderna tecnologia.

O assunto do acidente da Gol voltou ao palco, porque fiquei revoltado com o blog do Joe Sharkey, e só ai me dei conta que todo mundo da internet tem a visão do Joe Sharkey, e inclusive passou a ser uma visão generalizada dos brasileiros.

Neste momento já não me resta a menor dúvida. O piloto do Legacy, Joe Lepore, estava completamente despreparado para vir buscar este avião aqui. Este foi seu primeiro vôo com este avião, embora tenha afirmado que já estava acostumado com outros da Embraer. Nunca havia estado no Brasil. Se lhe dessem um mapa, não saberia nem apontar Brasília e Manaus. Duvido que soubesse apontar até mesmo onde estava. Não conhecia os nomes das cidades brasileiras. Hoje fico com muita pena da situação em que foi colocado. Quem me chamou atenção para isso foram os comentários da Cassandra, uma americana que participa do blog do Sharkey e do meu. Você está absolutamente certa.

A partir daí construiu-se a farsa tecnológica da liberação do nível 370 para Manaus. Está mais do que claro que Lepore, uma pessoa completamente confusa em S.José, não podia levar este avião a nenhum lugar. Admito que até ele poderia ter recebido instruções confusas por um pobre coitado de um controlador da torre de S.José que não estava preparado para ensiná-lo o caminho de casa. Pode ter até falado "Cara é isso mesmo, siga em frente que você chega lá. Se não encontrar o caminho, pergunte em Manaus", em um inglês macarrônico.

Ninguém vai chegar a esta conclusão, porque a tecnologia da internet se uniu à construção de um mundo Second Life de aeroportos, torre de controle, Cindacta, Lepore e Sharkey. Ninguém analisa a dimensão humana do Lepore. Todos conhecem os avatares destes personagens e analisam suas frases isoladas de contexto, pedaços de mundos virtuais unidos pela tecnologia dos blogs, fórums e chats, discutindo este acidente virtual que matou 154 brasileiros reais. Neste mundo Second Life, as emoções, tremores de mão, suor, estão fora. Todo mundo fica preocupado com a tecnologia precária dos aeroportos, com os nossos controladores de vôo despreparados que não falam inglês, com buracos negros sobre os céus de Brasília (deixo a piada para depois), transponders ligados ou desligados, se houve o clearance ou não, se a tela do radar devia mostrar um xis ou um quadradinho.

Não precisava nada disso. Bastava o Operational Manager da Excelaire sair do Second Life e escolher outro piloto para vir buscar este Legacy no Brasil de First Life.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Acidente em Congonhas: Falha Humana versus Falha Mecânica

Desde que ví o acidente, acreditei em falha mecânica, que na verdade eu chamaria de falha de sistema, ou seja a combinação de elementos mecânicos associados à lógica dos sistemas de comando da aeronave. Junta-se a isto uma condição situacional para os pilotos inesperada.

Ontem foi a vez dos deputados da CPI afirmarem categoricamente que "não há indicios de falha humana". Vejam a notícia:

"Após ouvirem os 22 minutos que faltavam do áudio da cabine do Airbus A-320 TAM, o relator Marco Maia (PT-RS) e o vice-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), da CPI do Apagão da Câmara, concluíram que não há indícios de falha humana no acidente. No acidente, morreram 199 pessoas, em julho deste ano, em São Paulo.
Segundo Maia, os últimos minutos registrados na caixa-preta são muito dramáticos. De acordo com ele, há sons, gritos e um visível desespero das pessoas.
Para Cunha e Maia, houve falha no equipamento da aeronave. Os dois deputados afirmaram ainda que o áudio não trouxe novos elementos para as investigações, mas dá a impressão de que houve falhas técnicas ou mecânicas ---no equipamento da aeronave."


Não sei como se pode chegar a esta conclusão somente a partir das gravações, já que o conteúdo das vozes já era conhecido. Não sei o que eles ouviram a mais além dos gritos e que nós não sabemos. Entretanto é isso o que eu estava achando desde o início, depois passei a desacreditar e agora não sei de mais nada. Acho que este acidente vai acabar com a constatação de que o manete estava na posição errada, mas não vai se saber porque.

Fonte: Folha Online

terça-feira, 4 de setembro de 2007

As nuvens sobre São José dos Campos estão se dissipando

Eu já havia dito que os pilotos do Legacy estavam completamente despreparados para voar sobre o Brasil e agora acho que compreendi porque eles confundiram a liberação do nível 370 até Manaus. Até agora, tudo que lí, indica que eles não fizeram uma preparação para o vôo, por isso não sabiam provavelmente associar os nomes das cidades e aeroportos ao plano de vôo que receberam, que é feito através de siglas. Então o problema não começou em Brasilía, mas sim em S.José e todo mundo fica analisando o que ocorreu em Brasília e não analisa o que ocorreu em S.José onde os pilotos se fundamentam para terem sido liberados. Primeiro é preciso entender que quando um piloto ou o controle dizem uma sigla, eles têm uma forma própria de dizer letra-a-letra, S-B-E-G, por exemplo, e a cidade ou aeroporto é dito como nós falamos.

Primeiro vejam as regras da liberação do vôo:

"4-4-1. Clearance
a. A clearance issued by ATC is predicated on known traffic and known physical airport conditions. An ATC clearance means an authorization by ATC, for the purpose of preventing collision between known aircraft, for an aircraft to proceed under specified conditions within controlled airspace. IT IS NOT AUTHORIZATION FOR A PILOT TO DEVIATE FROM ANY RULE, REGULATION, OR MINIMUM ALTITUDE NOR TO CONDUCT UNSAFE OPERATION OF THE AIRCRAFT.
(...)
4-4-3. Clearance Items
ATC clearances normally contain the following:
a. Clearance Limit. The traffic clearance issued prior to departure will normally authorize flight to the airport of intended landing. Under certain conditions, at some locations a short-range clearance procedure is utilized whereby a clearance is issued to a fix within or just outside of the terminal area and pilots are advised of the frequency on which they will receive the long-range clearance direct from the center controller."


Eles estavam em S.José, o aeroporto de destino era o Eduardo Gomes de Manaus, SBEG, e o primeiro ponto fixo era Poços de Caldas, PCL.

A torre de S.José fala, traduzido aqui do inglês:

November seis zero zero x-ray lima, ATC permissão para Eduardo Gomes, nível de vôo três sete zero direção Poços de Caldas, código squawk do transponder quatro cinco sete quatro. Após a decolagem faça partida oren.

Ou seja a torre fala Eduardo Gomes e Poços de Caldas. Lepore responde:

Okay senhor, eu peguei a pista um cinco para So...ah SBEG, nível de vôo três sete zero eu não peguei o primeiro fixo, squawk quatro cinco sete quatro, partida oren.

Há uma pequena exitação com Eduardo Gomes, mas ele associa corretamente à sigla SBEG, OK. Mas ele não associa Poços de Caldas à PCL e diz "eu não peguei o primeiro fixo". O problema começou ai, mas não consegui obter este diálogo completo, mas dizem que foi muito confuso. Ou seja, a partir daqui, são minhas suposições: O controlador repetiu a frase, e talvez Lepore tenha entendido como primeiro fixo Eduardo Gomes. De qualquer forma foi uma confirmação de clearance indevida por Lepore. Os pilotos do Legacy não fizeram o briefing antes da decolagem. Embora não seja obrigatório, o procedimento orienta o piloto sobre sua rota e o informa a respeito das condições meteorológicas.
Se tivessem feito o briefing, Lepore saberia que, em Brasília, teriam de descer para 36 mil pés.

Na mente de Lepore era um vôo direto no mesmo nível. Este diálogo precisaria ser divulgado, para as pessoas julgarem. Eventualmente até uma confirmação indevida de Eduardo Gomes ele poderia ter recebido. Podem estar certos que encontrarão uma virgula errada na frase do controlador de S.José. De qualquer forma, seria uma alteração profunda e preocupante do plano de vôo, imagine estar colocando-os na contramão, e precisaria ser explicitamente confirmada.

Esta confusão só surgiu porque Lepore não tinha menor ideia do plano de vôo, não o estudou, porque senão ficaria muito preocupado com esta liberação, ou deveria ficar. Aparentemente ele recebeu o plano na hora de partir. Não haveria esta confusão se estivessem preparados.

Ainda não falei sobre a culpabilidade dos controladores de vôo, mas deixo um resumo, uma opinião pessoal: Eles poderiam ter evitado o acidente se tivessem "sacado" que o Legacy estava com um problema, e não assumissem que estava tudo bem, mesmo sem rádio e transponder. O erro que os pilotos cometeram foi completamente inesperado por eles.

O que me deixa preocupado é que por mais que se fale, explique isto, e esteja cabalmente demostrado, estrageiros com a ajuda de um grupo muito grande de brasileiros vão culpar os controladores que não sabem falar inglês, os equipamentos, os buracos negros da Amazônia (sobre Brasília), das normas brasileiras, etc., etc., etc. Não há o que se diga que mude um PRÉ-conceito. É uma pena.

Esta história me lembra um problema doméstico que tenho. Sempre que viajo, prefiro estudar profundamente os mapas, minha esposa prefere sempre "ir perguntando". Já pensou se eu estou em Berlim e um alemão em um Português perfeito me diz: "Vire a direita na Harderbergerstrasse depois novamente a direita na Kuffürsterdamm e depois a esquerda na Tautzienstrasse" onde eu vou parar?