sábado, 21 de maio de 2011

Um dia na vida de um controlador

A denuncia contra o controlador Jomarcelo dizia:
“O nível a ser observado de acordo com o plano de vôo, era o F360. Essa informação, de que já tinha conhecimento o denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, porquanto constava na strip (resumo do plano de vôo) que é permanentemente exibida no lado direito do monitor do console, ficou ainda mais nítida para o controlador, na medida em que passou a ser assinalada na etiqueta que, também no monitor, identifica e acompanha o marcador de posição da aeronave”.

“Tais procedimentos mostravam-se ainda mais cogentes ao denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, quando se tem presente que, como já ressaltado, ele sabia que a aeronave N600XL mantinha nível de cruzeiro incompatível com o plano de vôo e impróprio para o sentido a ser percorrido na aerovia UZ6”.

"O denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS absteve-se dolosamente de corrigir a altitude da aeronave N600XL, sabendo-a em patamar impróprio para a rota programada".
Mas o juíz aceitou os seguinte argumentos em favor da absolvição de JOMARCELO:
“(1) Jomarcelo, na época do acidente, contava apenas 09 meses de serviço e foi incumbido de controlar três setores; (2) o depoimento da testemunha Wellington Rodrigues, controlador de vôo cuja experiência é reconhecida internacionalmente, dá conta das precárias condições intelectuais de Jomarcelo para desempenho de função tão importante, uma pessoa "que não tinha condições de ser controlador, que fala maio português e, quanto ao inglês, "nem se fale"; (3) os controladores de vôo no Brasil nunca foram submetidos a uma auditoria técnica conduzida por um organismo internacional (ICAO); (4) não é verdade que o acusado teve informação precisa da evolução do Legacy durante sete minutos; (5) a seqüência de mais de vinte telas permite que se observe a progressão de visualização e não visualização do Legacy, quando rastreado pelo radar primário, configurando intermitência de falhas de comunicação”.
Agora vejam a tela que Jomarcelo tinha à sua frente alguns minutos antes de o Legacy passar por Brasília, quando estava prevista a descida de FL370 para FL360, e coloquem-se na sua posição (cliquem sobre ela para vê-la ampliada). Observem as strips dos voos no lado direito da tela mencionadas na denúncia. Observem as etiquetas de identificação dos voos sobre cada aeronave. Vejam se Jomarcelo poderia ter algum conhecimento que naquele ponto o Legacy teria uma inexplicável mudança de altitude. Identifiquem qual é o único voo em que há variação inexplicável na altitude de cruzeiro. Vejam se é admissível a denúncia: "sabendo-a em patamar impróprio para a rota programada". Vejam se a denuncia faz algum sentido em função da realidade que se apresentava neste momento:
Depois de consultar a tela do radar, reflitam agora sobre a denúncia e observem como se trata de um grande absurdo a acusação que foi feita a ele. Levem em conta que nenhum voo faz mudanças de níveis imotivadas. Levem em conta que nenhum voo faz a aeronave subir e descer deste modo como foi planejado para o Legacy (vejam Mais uma vez falta nexo causal). Reflitam como um juiz, pode ser tão, não encontro outra palavra, ignorante, ao não entender os processos decisórios e cognitivos envolvidos nestes momentos.

Não importa as condições intelectuais de Jomarcelo, não importa se ele fala mal português e não fale inglês. Assim como ele, o Sr. Wellington Rodrigues, com toda a sua experiência e sabedoria, não tenho a menor dúvida, teria agido exatamente e igualmente como o inexperiente Jomarcelo que não anteviu o perigo e igualmente deixaria as aeronaves em trajetórias conflitantes.

Lembre-se que neste momento as aeronaves estavam 2.000Km distantes uma da outra. Ou seja, nem mesmo estavam presentes na mesma região. Seria exigir um comportamento sobre-humano evitar esta situação.

Mas se o transponder estivesse ligado, como era esperado, Jomarcelo quando tivesse sua atenção voltada para o Legacy (quando houvesse tráfego em sua proximidade), ele seria auxiliado pelo sistema informatizado que suporta suas atividades e veria claramente na etiqueta do voo 360=370, alertando-o para solicitar que o Legacy descesse para F360. O acidente jamais teria acontecido, assim como não aconteceu nos milhares de voos que o inexperiente Jomarcelo conduziu em segurança em seus breves 9 meses de serviço. O "sistema" falhou porque o transponder foi desligado, se é possível dizer isso. A "falha" do sistema foi não se recuperar de um desligamento do transponder.

Digam agora: quem é o culpado deste acidente?

A absurda condenação de Lucivando

Lucivando é o controlador condenado pelo acidente da Gol. Foi condenado por não ter ajustado corretamente as frequências correspondentes ao setor onde estava o Legacy no momento da colisão.

De todas as condenações decorrentes do acidente nenhuma poderia ser mais despropositada, absurda e sem sentido.

Às 19:01 os pilotos desligam o transponder inadvertidamente. Às 19:17 Lucivando assume o controle do espaço aéreo onde está o Legacy, já sem a indicação correta de altitude pela ausência do sinal do transponder. Jomarcelo, iludido pelo plano de voo, diz a Lucivando que assume seu posto que ele voa em FL360.

Entre 19:48 e 19:52 o Legacy faz 12 tentativas de contato com o controle de tráfego aéreo mal sucedidas porque as frequências utilizadas pelo Legacy não estavam programadas no controle de tráfego aéreo, situação bastante comum no controle de tráfego e que não cabe agora discutir, mas que não significa nenhuma "falha". Somente em situações de emergência tentam-se todas as frequências, e em último caso a frequência de emergência. Para Lucivando, e para qualquer um que estivesse na sua posição, não se antevia nenhuma situação de emergência. Não havia nenhuma aeronave em sua tela de radar que estivesse em situação de conflito. O Legacy nem mesmo aparecia na sua tela de radar, porque havia desligado o transponder.

Às 19:53 ocorre a colisão. Lucivando foi condenado por não ter ajustado corretamente as frequências e não ter antevisto a situação de perigo.

Como pode haver uma condenação tão absurda???

Se Lucivando tivesse ajustado corretamente as frequências (segundo a equivocada análise técnica), e o acidente tivesse ocorrido às 19:47, ele seria inocentado???

Às vezes custo a acreditar na racionalidade do ser humano.

Globo.com - Justiça condena controlador por acidente do voo 1907 em MT.

Mais uma vez falta nexo causal

Em certos momentos chego a ficar realmente indignado com as notícias que são publicadas nos jornais e as distorções da realidade que são mostradas à população. Quem acompanhou este blog pode ver que não se pode atribuir qualquer erro aos controladores de voo no acidente da Gol. Ao controlador Jomarcelo estão sendo atribuídas “falhas” que seriam cometidas por qualquer controlador em qualquer lugar do mundo.

Culpam-no não ter observado que o Legacy previa uma mudança de altitude em Brasília. Já expliquei repetidamente este ponto, mas repito novamente: nenhum avião tem em seu plano de voo previsões para alterações de níveis de cruzeiro. Isto se deve a, podemos dizer, uma estupidez do plano de voo da Universal Weather, empresa americana que fez o plano de voo do Legacy. Seu programa de computador desconsiderou que a aerovia UW2, de S.José a Brasília, embora tivesse proa nordeste (6º), era uma via de “mão única”. A aerovia UZ6 de Brasília a Manaus era uma aerovia de “mão dupla” com proa noroeste e, portanto, o Legacy deveria seguir em um nível par na UZ6. Sendo a UW2 via de “mão única”, o Legacy poderia ter ido em em um único nível par de S.José a Manaus. Esta montanha russa do plano de voo do Legacy (370, 360, 380) era algo completamente desmotivada, inexplicável e inesperada.

Culpam Jomarcelo por não ter observado na strip a montanha russa. Nenhum controlador em nenhum lugar teria observado esta estupidez. O controlador observa a strip para acompanhar a rota da aeronave e antever os possíveis conflitos de tráfego em sua rota. O nível de voo é acompanhado normalmente pela etiqueta da aeronave. Não se visualizava no console nenhuma situação de potencial conflito na rota do Legacy no momento em que estava sob Brasília. Não havia nenhum tráfego na sua rota. Sem tráfego, é óbvio que o controlador não dedicaria maior atenção a este voo.

Culpam Jomarcelo por não ter contatado a aeronave quando o transponder da aeronave foi desligado por imperícia dos pilotos. O transponder é um equipamento que depende de transmissões por rádio. Qualquer um sabe que desde que Marconi inventou o rádio, em diversas situações as ondas de rádio podem ser interrompidas. Se os controladores passarem a contatar todos os aviões que estão sem contato com o centro de controle em regiões como a amazônica ficarão malucos.

Ou seja, não há nada que possam culpar Jomarcelo pelo acidente, a não ser as besteiras que foram colocadas nas denúncias pelos promotores, que entendemos, estavam no seu papel de denunciantes.

Agora querem dizer que Jomarcelo pode ser considerado uma pessoa sem "condições" e com "deficiente controle emocional" para a função de controlador de vôo. Independente disso ser verdade ou não, foi isso que o fez não observar a strip? Foi isso que o fez não contatar o Legacy quando o transponder foi desligado? É claro que não. É óbvio que não. Falta qualquer nexo causal entre esta observação sobre o controlador e as causas do acidente. É para camuflar, esconder, desviar a atenção das pessoas e minimizar as verdadeiras causas do acidente que foi, sem dúvida, o desligamento do transponder por imperícia dos pilotos.

Sempre é bom lembrar que, se os pilotos estivessem atentos aos instrumentos, não estivessem com um notebook à frente do painel por quase uma hora, não teriam desligado inadvertidamente o transponder. Com o transponder ligado, a tela do radar passaria a mostrar em destaque na etiqueta do voo da tela do radar a informação 360=370, alertando o controlador. Jomarcelo entraria em contato por rádio com o Legacy solicitando a ele que procedesse à mudança de altitude prevista, como ele fez em milhares de voos que passaram por seu controle.

Este acidente não teve outra causa a não ser a imperícia dos pilotos, desligando inadvertidamente o transponder.

Folha.com - Controlador do caso Legacy era inapto para função.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Controladores julgados em primeira instância pela justiça federal

Um controlador de tráfego aéreo foi hoje condenado e outro foi absolvido hoje pela Justiça Federal de Mato Grosso. Foi condenado apenas o controlador Lucivando Tibúrcio de Alencar por atentado culposo (sem intenção) contra a segurança de voo: três anos e quatro meses de prisão em regime aberto, conversíveis em prestação de serviço comunitário e suspensão temporária do exercício profissional.

Segundo a sentença, ele deixou de seguir os procedimentos recomendados diante da dificuldade de comunicação entre o Legacy e o Controle de Tráfego Aéreo. Ele foi o controlador que não programou em seu console as chamadas frequências auxiliares. Isso teria dificultado o contato entre Legacy e o Centro de Controle.

O sargento da Aeronáutica Jomarcelo Fernandes dos Santos foi inocentado por "insuficiência intelectual" e "inaptidão para o exercício da função". Na Justiça Militar, Jomarcelo foi condenado, em outubro de 2010, a um ano e dois meses de detenção, por homicídio culposo (sem intenção).

O juiz justificou dizendo que ele não tinha experiência (apenas nove meses na função) e nem sabia falar inglês, um requisito mínimo para a função. O juiz federal fez questão de destacar o que disse um sargento experiente, que era responsável pela formação dos profissionais, sobre Jomarcelo: “era controlador que para mim não tinha condições de ser controlador”. Argumentou o juiz que “não se poderia, pois exigir, de Jomarcelo, mais do que ele fez. Pelas suas notórias deficiências, só se pode agradecer por ele não ter errado com muito mais freqüência. Se é que não errou mesmo”. Destacou que o problema foi da formação recebida pelo controlador e não dele diretamente.

Outros quatro controladores – João Batista da Silva, Felipe Santos Reis, Lucivando Tibúrcio de Alencar (condenado agora na justiça federal) e Leandro José Santos de Barros – foram absolvidos pela justiça militar.

Folha.com - Justiça de MT condena controlador por acidente com jato Legacy.
Globo.com - Justiça condena controlador por acidente do voo 1907 em MT

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Os pilotos do Legacy são condenados a prestar serviços comunitários

Os pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino foram condenados nesta segunda-feira (16/05/2011) pelo crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo. Os pilotos foram condenados a quatro anos e quatro meses de prisão, mas a pena foi revertida em prestação de serviço comunitário nos Estados Unidos.

De acordo com a decisão, a prestação de serviços comunitários deverá ser realizada nos Estados Unidos, onde os pilotos vivem atualmente, mas em uma repartição brasileira ainda a ser definida. O juiz também determinou que os pilotos sejam proibidos de exercer a profissão, mas seus documentos só poderão ser apreendidos após serem apreciados todos os recursos.

Os pilotos não foram condenados por desligarem o transponder, porque isto não ficou incontestavelmente provado na perícia. Ainda restou a possibilidade, não descartada totalmente de ter havido uma falha do equipamento. Eles foram condenados por não observar o status do transponder por quase uma hora. Somente por isso.

Globo.com - 16/05/2011 - Justiça brasileira condena pilotos dos EUA por acidente do voo 1907
Folha.com - 16/05/2011 - Pilotos do Legacy são condenados pelo acidente com avião da Gol