domingo, 20 de julho de 2008

Airbus para em concreto mole no final da pista do aeroporto de Chicago

Dia 18 de julho um Airbus A320 da companhia Mexicana ultrapassou o final da pista do Aerporto O’Hare de Chicago e foi parado pelo piso de concreto mole instalado há cerca de um mês neste aeroporto. Já falei muito sobre este assunto inclusive sobre este aeroporto neste blog, mas provavelmente com este novo episódio e o acidente da TAM completando um ano, ele deve ganhar destaque. Podem estar certos que a Veja deve publicar alguma coisa sobre o concreto salvador.

Vejam reportagem completa da ABC.

As coisas não são como as notícias querem parecer. De fato o avião parou nesta área de concreto mole, mas o que nos faria acreditar que ele não pararia sobre qualquer outro material? Se observarem a foto do avião verão que os trens de pouso nem chegaram a romper. Que velocidade vocês imaginam que um avião pode estar que ao ser preso pelo trem de pouso ele pára? Muito baixa sem dúvida. Por que o avião pararia em concreto que se esfarela e não pararia em um gramado, ou brita, ou simplesmente areia? Vejam na reportagem da ABC o acidente com um Boeing 737 que ultrapassou o final da pista e matou uma pessoa em um carro. Vocês acham que os acidentes são semelhantes? Vocês acham que o Boeing pararia no concreto mole? Claro que não. São acidentes completamente diferentes, como foi o do Airbus da TAM.

Atualização: Li em um blog que na verdade, neste acidente do Airbus em Chicado, nem mesmo foi o concreto mole que parou o avião. Ele fez uma curva e foi obrigado a passar por cima do concreto mole. Ou seja, todos descrevem o acidente como se o concreto mole tivesse segurado o avião, quando na verdade não é nada disto.

O concreto mole ao final das pistas é uma das maiores piadas da engenharia civil que eu ouvi nas últimas décadas e sua única finalidade é engordar os bolsos de uma única empresa que patenteou a sua construção. Vamos a algumas noções básicas. Os aviões em alta velocidade diminuem sua velocidade através dos seus freios aerodinâmicos e em baixa velocidade, quando deixam de ter eficiência, passam a agir os freios dos trens de pouso. Em alta velocidade não adianta segurar o avião por atrito, porque os trens de pouso, por si só, não têm resistência suficiente para “segurar” o avião. Se aplicarmos muita força nos trens de pouso eles simplesmente se rompem, e o avião desliza de barriga. Como pode ser observado pelas fotos que foram publicadas, este acidente seria mais um entre milhares de casos, que o avião pararia sobre qualquer superfície mole, e não precisaria ser concreto, pois as forças aplicadas sobre os trens de pouso foram suficientes para pará-lo. Já vimos milhares de casos semelhantes e este seria mais um deles. Basta vocês verem como os aviões são parados nos porta-aviões, eles não são retidos pelos seus trens de pouso, mas por sua fuselagem, através de um gancho. Não é possível segurar um avião em alta velocidade pelos trens de pouso. Enfim, a finalidade deste concreto é simplesmente reduzir alguns metros em uma aterrizagem de emergência.

Mas é curioso o tratamento da mídia: porque o avião parou sobre o concreto mole, foi ele o salvador. Ninguém se perguntou se não houvesse concreto mole e fosse um simples gramado o que teria acontecido. Eu respondo: ter-se-ia economizado milhões de dólares.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Ainda sobre a apuração do acidente da TAM

Os noticiários sobre as conclusões do acidente da TAM mostram que as apurações dos acidentes são direcionadas para atender os clamores da população e da mídia em apontar a crise aérea como culpada pela tragédia ao invés de analisar racionalmente o que aconteceu e assim evitar novos acidentes desta natureza.

O promotor criminal Mário Luiz Sarrubbo declarou a imprensa que “Dentre os vários fatores que contribuíram [para o acidente], um deles seria o equívoco do posicionamento do manete de aceleração, levando em consideração o sistema inseguro que naquela oportunidade se apresentava” e que vê indício de culpa grave em “sete a dez pessoas”. O delegado encarregado do inquérito confirmou que o mal-posicionamento dos manetes foi determinante para a ocorrência do acidente. Portanto não resta dúvida alguma sobre a causa do acidente, ou seja, bastava o manete estar posicionado corretamente, algo banal para um piloto experiente, para que a tragédia não ter acontecido e o pouso ter o mesmo sucesso de milhares de outros nas mesmas circunstâncias. Ou seja, bastava frear (aerodinamicamente) o avião para ele ter parado normalmente.

Mas o delegado acrescenta algumas pérolas: “que o exame que liberou as operações naquela pista sob chuva pouco mais de uma hora antes do acidente foram superficiais; e que a pista não tinha o "grooving" -- ranhuras no asfalto -- previsto no projeto original. Nosso entendimento é o de que o acidente era totalmente previsível. Nós temos relatos de pilotos, por exemplo, que receberam autorização para pouso em Congonhas e que, depois de verificarem visualmente o estado da pista, resolveram por iniciativa própria não pousar ali. E não foi só um caso, foram quatro ou cinco".

Diz que a ausência do “grooving” contribui para o acidente, mas não diz como. Sabemos que não houve aquaplanagem e, portanto, derruba qualquer argumentação sobre o papel do grooving neste acidente. Lembre-se: grooving evita aquaplanagem e, ao contrário do que se diz, diminui o atrito entre pneus e pista e não o contrário, portanto, se a pista tivesse grooving, evitaria aquaplanagem. Mas o avião não aquaplanou, portanto a ausência de grooving não contribuiu para a tragédia.

Diz ainda que o acidente era previsível. Como assim? Os pais-de-santo e videntes teriam lhe dito que o piloto colocaria o manete na posição errada? Ou será que sempre que um piloto está sob stress é previsível que ele posicione o manete errado?

Acrescenta que outros pilotos desistiram de pousar por iniciativa própria. Parece que o delegado não tem a menor intimidade com a aviação. Moro ao lado de Congonhas, e qualquer um que conheça um pouco de aviação, ou more ao lado de um aeroporto, verá que diariamente vários aviões arrementem depois de posicionarem incorretamente suas aeronaves, ou no momento o vento ser excessivo ou com muita variação, a chuva ou neblina intensificar, tráfego intenso de aeronaves, etc., etc. Ou seja, esta é uma situação absolutamente rotineira. Pilotar um avião, dirigir um carro, ou qualquer condução de veículos é uma atividade de risco. Sempre envolve avaliações e decisões individuais. Cada ser humano tem diferentes atitudes em face ao risco, dizer que um está certo e outro errado é fácil depois do evento. Quem pode afirmar que os outros pilotos não agiram com exagero? Além disto, porque concluíu o delegado que o piloto não deveria ter pousado? A decisão de pousar foi errada? As circustâncias que fizeram os pilotos não pousar eram as mesmas do pouso da TAM? Qual foram os especialistas em aviação que concluiram que o piloto não deveria pousar? As dezenas de aviões que pousaram nos minutos que anteceram este acidente, estavam errados então?

Portanto o que se vê é delegados, promotores, imprensa e políticos abandonar a obviedade da causa do acidente, o posicionamento incorreto do manete, para tecer análises psicológicas do piloto, tentando justificar seu comportamento, como se estivessem preparados para isto. Concluem que o stress provocado pela crise aérea, a pista escorregadia (como se alguma pista não fosse escorregadia em dias de chuva), e a ausência de grooving, deixou o piloto tão transtornado que ele posicionou o manete na posição errada. Quem pode garantir que o piloto não cometeu o erro por um problema pessoal, por simples distração ou por falha sua ou da companhia no treinamento? A questão fundamental nesta apuração é saber qual o treinamento que o piloto teve para pousar com o reverso pinado. Se não foi treinado já temos uma causa identificada para seu comportamento. Se foi treinado, e parece que foi, pois havia feito outros pousos com o reverso pinado, nunca saberemos porque agiu desta forma, pois o ser humano não é uma máquina que para cada ação sabemos a causa.

Agora, toda vez que um motorista provocar um acidente em uma estrada por excesso de velocidade, ele irá alegar que as condições precárias da estrada, o custo do pedágio, a situação política do país, o custo dos alimentos, a família em crise, o veículo sem manutenção, o fez esquecer o pé em baixo no acelerador.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Análises de acidentes: causas e fatores contribuintes

Nas análises dos acidentes aéreos que marcaram a recente história brasileira, da Gol e Tam, a mídia sempre destaca que se não houvesse determinado fator contribuinte o acidente não teria ocorrido. Isto é o mesmo que dizer que se chovesse as pessoas não morreriam de sede no deserto, é tautológico. Se uma meteoro cair na sua cabeça enquanto você anda pela rua, até se poderia dizer que andar pela rua foi um fator contribuinte. É claro que se você não estivesse na rua o meteoro não cairia na sua cabeça. Não é por isto que todos deixarão de andar pelas ruas já que isto é um fator contribuinte no caso de acidentes com meteoros que caem nas ruas.

O ser humano vive constantemente sob risco e a cada momento estamos sob risco de acidentes, e risco, entenda-se, não é simplesmente a possibilidade de ocorrer, mas traz em si uma probabilidade de ocorrência. As sociedades tratam cada evento ponderando o custo da prevenção em face ao risco do evento. A decisão não é fácil, mesmo porque quem paga a conta da prevenção pode não ser o beneficiário desta ação. Boa parte dos custos da prevenção dos acidentes aéreos está diluída por toda população, enquanto os beneficiários podem ser uma pequena parcela dela. Quem paga as obras aéreo-portuárias? Quem paga o aumento da pista de Congonhas? Quem paga a melhora dos radares na Amazônia? Quem paga os cursos de inglês para os controladores de vôo? Nós, por meio dos investimentos proporcionados pelo imposto que pagamos. Quem são os beneficiados? Companhias aéreas e passageiros e outros, mesmo que indiretamente.

Não estou defendendo que não se façam estes investimentos, mas simplesmente dizendo que o valor destes investimentos é uma decisão eminentemente política.

Vocês já se perguntaram por que os aviões não têm airbags ou cintos de segurança de quatro pontos? A resposta é simples: porque eles ajudariam em acidentes que ocorrem rarissimamente, quando, por exemplo, os aviões saem da pista e as fatalidades são poucas. Quem pagaria o custo dos airbags, que salvariam algumas poucas vidas ou minimizariam os ferimentos em alguns raros acidentes? Os passageiros através do aumento do preço de suas passagens. Quem pagaria os custos do atoleiro de concreto tão defendido pela Veja? Toda a população, através dos seus impostos. Segurança sim, mas vejam que não é a qualquer preço. Quando os custos estão diluidos por toda população, ninguém se opõe, embora os beneficiados sejam somente uma parcela dos que pagam a conta.

Os acidentes ocorrem porque emergem simultaneamente um conjunto de fatores contribuintes, ou mesmo a ocorrência de um simples evento de probabilidade muito baixa. Entretanto alguns fatores contribuintes se destacam pela previsibilidade com que poderiam ser mitigados e assim retirado um destes fatores, deixam de haver as condições necessárias e suficientes para o acidente.

Nos dois acidentes, Gol e Tam, as causas ou os fatores contribuintes mais importantes estão absolutamente claros, embora muitos queiram mascará-los, exagerando o papel dos outros fatores contribuintes. Em um acidente sempre algo se destaca entre os fatores contribuintes, porque o inesperado é não terem sido tomadas as providências necessárias que os evitariam.

No primeiro, a absoluta ausência de consciência situacional dos pilotos do Legacy, desconhecendo as regras do nosso espaço aéreo e a sua imperícia na operação dos instrumentos da aeronave. Está absolutamente claro que estes pilotos nunca deveriam ter sido incubidos de levar o Legacy para os EUA porque não estavam preparados. Não tinham experiência nem com a aeronave nem com nosso espaço aéreo. Esta imperícia levou-os à desligar o transponder, mesmo que involuntariamente. Isto foi completamente inesperado, e poderia ter sido evitado. Os demais fatores contribuintes eram completamente esperados: fraseologia de controladores de vôo incorretas, ausência de mais freqüencias disponíveis no Amazonas e outros fatores presentes neste acidente.

No segundo acidente, da TAM, inexplicavelmente o piloto posicionou os manetes incorretamente para a situação exigida, salvo no futuro sejam dadas outras explicações. Isto foi completamente inesperado, os demais fatores não: ausência de grooving na pista, reverso pinado e outros.

É claro que se inexistissem os outros fatores contribuintes, os acidentes não teriam acontecidos, mas aí estaríamos querendo que chova no deserto para que as pessoas não morram de sede.

domingo, 13 de julho de 2008

Um ano do acidente da TAM

Agora que se passou um ano do acidente da TAM, a revista Veja continua com suas pérolas da aviação. Nesta semana ela repete a piada do “atoleiro” de aviões como a solução que teria salvado o Airbus da TAM. Se alguém quiser mais detalhes sobre este tema veja meu post Congonhas sempre teve área de escape e não sabíamos. Veja diz: “O ideal seria instalar na área de escape um piso especial que ajuda a frear aviões que enfrentam problemas na aterrissagem e acabam parando fora da pista. Feito com um concreto poroso, que vai se desfazendo conforme as rodas do avião passam por ele, o piso consegue reter aeronaves que estejam a até 140 quilômetros por hora. Instalado em mais de vinte aeroportos no mundo, o sistema já evitou cinco tragédias”. Veja não explica porque apenas vinte aeroportos no mundo tem o atoleiro. Curioso não é? Algo que não é novo, e já que seria “ideal”, porque não é largamente utilizado em todo mundo? O sistema já evitou a quantidade incrível de cinco tragédias? Porque não é bem assim como a Veja diz. Vejam o meu post a que me referi onde tem-se mais detalhes. Nas tragédias, que segundo a Veja foram evitadas, os aviões não estavam a 140 km/h, foram acidentes em que simplesmente os aviões ultrapassaram o final da pista a baixa velocidade, como já aconteceu centenas de vezes. Este atoleiro só tem a finalidade de provocar menos danos aos aviões e tem pouco efeito se a velocidade for alta. Nestes casos rompem-se os trens de pouso no atoleiro, as turbinas e asas são arrancadas e ocorre uma grande explosão e segue-se um incêndio de grandes proporções. Portanto este atoleiro não evita nenhuma tragédia. É claro que medidas de segurança são bem-vindas, mas esta tem custo elevadíssimo, não tem impacto significativo sobre os riscos, e imaginem quem vai pagar as contas destas obras. Por mais que se diga sobre o acidente da TAM ele só teve uma causa: a inexplicável posição dos manetes. Qualquer outra explicação, como os já famosos "fatores contribuintes" tem o mesmo poder explanatório do que dizer que se não houvesse curvas na estrada de Santos, os caminhões não derrapariam. É claro que se não estivesse chovendo, se o reverso não estivesse pinado, se a pista fosse maior, e assim por diante, o acidente não teria ocorrido. Mas por mais que se queira, vai continuar chovendo; mesmo que não se permita reversos pinados, milhares de outros fatores de risco continuarão a estar presentes; e a pista de Congonhas não vai ser aumentada, porque não é possível.

No mesmo artigo Veja acrescenta sobre o acidente da Gol: “Há naquele episódio outro aspecto peculiar: houve dificuldades na comunicação em inglês entre os pilotos do Legacy e os controladores. Esse é um risco real para todos os pilotos estrangeiros. A falta de domínio do idioma pelos controladores ficou evidente em um teste realizado no ano passado”. Mais um conjunto de verdades para construir uma grande mentira, ou seja a falta de domínio do idioma dos controladores e as dificuldades de comunicação entre os pilotos e controladores, o que é verdade, ajuda a construir a mentira que isto contribuiu para o acidente. No post Nossos controladores de vôo não falam bem inglês e inúmeros outros posts comento os problemas de língua neste episódio. As dificuldades na comunicação entre os pilotos do Legacy e os controladores foram em relação aos nomes das cidades de sua rota. Os pilotos não entenderam quando o controlador falou “Poços de Caldas”. Porque? Porque não conheciam seu plano de vôo, não sabiam o nome das cidades que passariam e só as conheciam por siglas. Por isto pergunto: nossos controladores aprenderão em seus cursos de inglês a falar Syrup Wells ao invés de Poços de Caldas?