segunda-feira, 14 de julho de 2008

Análises de acidentes: causas e fatores contribuintes

Nas análises dos acidentes aéreos que marcaram a recente história brasileira, da Gol e Tam, a mídia sempre destaca que se não houvesse determinado fator contribuinte o acidente não teria ocorrido. Isto é o mesmo que dizer que se chovesse as pessoas não morreriam de sede no deserto, é tautológico. Se uma meteoro cair na sua cabeça enquanto você anda pela rua, até se poderia dizer que andar pela rua foi um fator contribuinte. É claro que se você não estivesse na rua o meteoro não cairia na sua cabeça. Não é por isto que todos deixarão de andar pelas ruas já que isto é um fator contribuinte no caso de acidentes com meteoros que caem nas ruas.

O ser humano vive constantemente sob risco e a cada momento estamos sob risco de acidentes, e risco, entenda-se, não é simplesmente a possibilidade de ocorrer, mas traz em si uma probabilidade de ocorrência. As sociedades tratam cada evento ponderando o custo da prevenção em face ao risco do evento. A decisão não é fácil, mesmo porque quem paga a conta da prevenção pode não ser o beneficiário desta ação. Boa parte dos custos da prevenção dos acidentes aéreos está diluída por toda população, enquanto os beneficiários podem ser uma pequena parcela dela. Quem paga as obras aéreo-portuárias? Quem paga o aumento da pista de Congonhas? Quem paga a melhora dos radares na Amazônia? Quem paga os cursos de inglês para os controladores de vôo? Nós, por meio dos investimentos proporcionados pelo imposto que pagamos. Quem são os beneficiados? Companhias aéreas e passageiros e outros, mesmo que indiretamente.

Não estou defendendo que não se façam estes investimentos, mas simplesmente dizendo que o valor destes investimentos é uma decisão eminentemente política.

Vocês já se perguntaram por que os aviões não têm airbags ou cintos de segurança de quatro pontos? A resposta é simples: porque eles ajudariam em acidentes que ocorrem rarissimamente, quando, por exemplo, os aviões saem da pista e as fatalidades são poucas. Quem pagaria o custo dos airbags, que salvariam algumas poucas vidas ou minimizariam os ferimentos em alguns raros acidentes? Os passageiros através do aumento do preço de suas passagens. Quem pagaria os custos do atoleiro de concreto tão defendido pela Veja? Toda a população, através dos seus impostos. Segurança sim, mas vejam que não é a qualquer preço. Quando os custos estão diluidos por toda população, ninguém se opõe, embora os beneficiados sejam somente uma parcela dos que pagam a conta.

Os acidentes ocorrem porque emergem simultaneamente um conjunto de fatores contribuintes, ou mesmo a ocorrência de um simples evento de probabilidade muito baixa. Entretanto alguns fatores contribuintes se destacam pela previsibilidade com que poderiam ser mitigados e assim retirado um destes fatores, deixam de haver as condições necessárias e suficientes para o acidente.

Nos dois acidentes, Gol e Tam, as causas ou os fatores contribuintes mais importantes estão absolutamente claros, embora muitos queiram mascará-los, exagerando o papel dos outros fatores contribuintes. Em um acidente sempre algo se destaca entre os fatores contribuintes, porque o inesperado é não terem sido tomadas as providências necessárias que os evitariam.

No primeiro, a absoluta ausência de consciência situacional dos pilotos do Legacy, desconhecendo as regras do nosso espaço aéreo e a sua imperícia na operação dos instrumentos da aeronave. Está absolutamente claro que estes pilotos nunca deveriam ter sido incubidos de levar o Legacy para os EUA porque não estavam preparados. Não tinham experiência nem com a aeronave nem com nosso espaço aéreo. Esta imperícia levou-os à desligar o transponder, mesmo que involuntariamente. Isto foi completamente inesperado, e poderia ter sido evitado. Os demais fatores contribuintes eram completamente esperados: fraseologia de controladores de vôo incorretas, ausência de mais freqüencias disponíveis no Amazonas e outros fatores presentes neste acidente.

No segundo acidente, da TAM, inexplicavelmente o piloto posicionou os manetes incorretamente para a situação exigida, salvo no futuro sejam dadas outras explicações. Isto foi completamente inesperado, os demais fatores não: ausência de grooving na pista, reverso pinado e outros.

É claro que se inexistissem os outros fatores contribuintes, os acidentes não teriam acontecidos, mas aí estaríamos querendo que chova no deserto para que as pessoas não morram de sede.

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