Se bem que muitos atrasados, há mais alguns detalhes sobre este acidente da Gol que não foram bem analisados pela imprensa nem tampouco pelos infelizes comentários da NTSB, que passaram longe das principais causas deste acidente.
Quem acompanhou este blog, sempre soube que as regras das aerovias são bastantes claras: aeronaves que voam com a proa Nordeste e Sudeste (eastbound) voam em níveis ímpares (FL 350, FL 370, FL 390,...) e aeronaves que voam para Noroeste e Sudoeste (westbound) voam níveis pares (FL 340, FL 360, FL 380,...). Um plano que muda de proa entre Leste e Oeste é bastante complexo e exige bastante atenção tanto da tripulação quanto do Controle de Tráfego Aéreo (ATC), pois haverá necessariamente mudanças de nível de cruzeiro. É claro que há muitas aerovias de mão única, quando qualquer nível pode ser utilizado, mas isto está claramente indicado nas cartas aeronáuticas.
Quando olhamos o mapa vemos que de S.José dos Campos, o ponto de partida do Legacy, até Manaus, toda a rota se dá na direção noroeste. Entretanto o plano de vôo do Legacy previa FL 370 até Brasília, FL 360 até Terez e FL 380 até Manaus. Por quê? Por que um plano tão complexo se ele poderia ir FL 360 ou FL 380, por exemplo, de S.José até Manaus?
Nunca ninguém explicou muito bem porque esta variação de altitudes, mas ficou claro agora na divulgação do relatório final e passou despercebido este tempo todo por mim, mas é algo que qualquer piloto sabe. Sempre se falou que de S.José a Brasília o Legacy estava em um nível impar (FL 370) porque ele estava em uma aerovia de mão-única, portanto ele poderia estar ocupando um nível impar. Mas porque toda esta montanha russa neste vôo e porque, indo para noroeste, escolheu um nível impar?
Primeiro, porque, embora de S.José a Brasília geograficamente seja noroeste, magneticamente ela é nordeste, ou seja, 006º! Quem já esteve envolvido com navegação aérea, terrestre ou marítima sabe que há uma variação conhecida como declinação magnética. Entre o norte geográfico e o norte magnético há uma variação significativa. Os pilotos ao se dirigirem para Brasília, para o noroeste geográfico, tinham o norte de sua bússola magnética apontada ligeiramente para a esquerda, 006º. E de Brasília a Manaus a proa magnética na aerovia UZ6 é 336º.
O plano de vôo do Legacy, feito pela empresa americana Universal Weather não levou em consideração que a aerovia UW2, de Poços de Caldas a Brasília, era de mão-única. O plano de vôo é feito por um programa de computador que possivelmente elaborou o plano segundo as regras “padrão”. O relatório do CENIPA também informa que o programa levou em conta ventos de altitude para elaborar o plano, mas é muito mais provável que o programa, a partir de um FL “ideal” de 370, ajustou-o para FL 360 após Brasília e FL 380 após Terez, quando a aeronave já estaria mais leve, algo comum em aviação. Ou seja, o programa poderia ser muito mais simples se levasse em conta que a aerovia UW2 é mão-única pois poderia escolher qualquer nível e isto teria simplificado a vida de todos.
Como vocês devem imaginar, é uma situação bastante complexa e incomum para um vôo, ter proas variando em torno do norte ou sul magnético, como neste vôo. Normalmente haverá mudanças de níveis, e todos devem ficar muito atentos. Os pilotos, em geral, sabem disto e estão preparados para estas mudanças.
Paladino, logo após a decolagem, comentou com Lepore que esperava uma clearance para FL 380. É claro, se estavam indo para noroeste, era natural que voassem em nível par. Não lhes chamou a atenção que a UW2 tem proa 006º e a UZ6 336º. Provavelmente um piloto ou companhia aérea brasileira utilizaria o fato da UW2 ser mão-única e faria um plano de vôo em um único nível.
Este plano do Legacy não é um plano usual. Não são usuais estas várias mudanças de altitude de cruzeiro. Em geral há uma altitude somente. As tripulações, nem o ATC enfrentam estas situações normalmente. Em geral há um único nível previsto para o vôo todo. Esta é uma situação muito rara. Mas o plano de vôo da Universal Weather, de uma forma muito complexa, otimizou o consumo de combustível. Lembre-se bem que a aeronave solicita os níveis de vôo em rota, e para o ATC tanto faz o nível escolhido. Níveis de cruzeiro é uma decisão da aeronave na maioria absoluta das vezes. Quando o ATC recebe um plano de vôo com diversos níveis, imaginam que as aeronaves devem ter suas razões, pois são elas que decidem a altitude, como foi este o caso, levando em conta o peso da aeronave, consumo de combustível e condições atmosféricas. O ATC quase sempre aprova o nível solicitado e a iniciativa de ir solicitando clearances para os níveis previstos são da tripulação e não do ATC.
É claro que um correto planejamento da tripulação teria todo o cenário previsto nas suas mentes e estariam atentos a isto tudo. Conhecendo as aerovias, até poderiam ajustar seu plano de vôo, não necessitando tantas mudanças. Seria muito atípico que os pilotos façam planos de vôos tão complexos e depois o ATC tenha que ir explicando e antecipando à tripulação aquilo que elas mesmas solicitaram, mas neste caso, desconheciam.
É isto que temos sempre insistido: que o planejamento do vôo pela tripulação, desconsiderado pelo NTSB como fator contribuinte, teria evitado este acidente. Bastaria a tripulação ter consciência do que determinou seu plano de vôo e não esperar que o ATC pilotasse o avião no seu lugar.
sexta-feira, 1 de maio de 2009
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