quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O oportunismo de cada um

É curioso ver como no acidente da Gol, e na crise aérea que se sucedeu, como todos os grupos envolvidos procuraram obter algum tipo de vantagem, enquanto que os verdadeiros responsáveis saem ilesos de qualquer condenação. A primeira tarefa destes grupos é despersonalizar as culpas. Por quê? Porque organizações não cometem crimes, somente os indivíduos. Organizações não podem cometer homicídio, somente seres humanos. Organizações somente têm responsabilidades civís, e que são pagos por suas seguradoras. Quem paga os seguros? É claro que está embutido nos preços que nós pagamos pelos serviços. Ou seja, a vítima paga pela responsabilidade do criminoso. Eu sempre defendi neste blog que a participação do controle de tráfego aéreo neste episódio era mínima, e que o maior responsável era a Excelaire ao indicar dois pilotos sem o preparo adequado para pilotar o Legacy no Brasil. Mas assim, como os outros grupos de interesse, as associações de controladores de tráfego aéreo também estão procurando levar alguma vantagem.

Os pilotos, os mal informados e os mal intencionados dizem que a responsabilidade é do controle de tráfego aéreo, mas é claro, não pode ser dos controladores; falhas humanas jamais, e sim a culpa é dos radares, dos rádios, do software, etc. É fundamental nesta lógica despersonalizar a responsabilidade. Neste acidente, depois de conhecidas as suas causas, não se encontrou buracos negros, falhas nos rádios, falhas nos softwares que estivessem associados ao acidente. Veja bem que eu não disse que não existem. O Brasil tem um dos piores controles de tráfego aéreo do mundo, mas nenhuma de suas deficiências pôde ser associada a este acidente. As tentativas de contato de rádio entre o controle e o Legacy foram gravadas pelos outros aviões que estavam na região e até mesmo na gravação do Boeing! Foram gravados todos os movimentos dos aviões registrados pelos radares, ou seja, o Legacy não caiu em nenhum de nossos buracos negros. Em nenhum momento o software do Cindacta deu “pau”. Poderiam haver mais freqüências de rádio disponíveis? Sim, é claro. O software que monitora os vôos poderia fornecer alertas mais evidentes? Sim, é claro. Poder-se-ia ter ações para diminuir o stress dos controladores? Sim, é claro. Ou seja, se o controle de tráfego aéreo fosse mais eficiente, talvez este acidente não tivesse ocorrido. Mas este é o controle de tráfego aéreo que um país com as condições sócio-econômicas como o Brasil pode ter. Se seguirmos por este raciocínio torto, não se poderiam culpar os motoristas bêbados que se acidentam nos buracos das estradas, porque diriam que se a estrada não fosse esburacada não ocorreriam estes acidentes.

Mas que melhor momento encontrariam as associações dos controladores de tráfego aéreo para discutirem a militarização do controle do espaço aéreo? E que melhor momento para reivindicarem um reajuste salarial? Vejam que não discuto, nem teria condições para isso, para dizer o que é melhor para o controle de tráfego aéreo, ou se são justos os salários que lhes são pagos. Mas é certo é que a militarização ou não do controle de tráfego aéreo não fez a menor diferença neste acidente. É claro que se o Brasil não fosse o Brasil e se os controladores de vôo fossem suíços este acidente não teria ocorrido. Mas foi justamente por isso que este acidente ocorreu: o desconhecimento do país em que estavam os pilotos. Os pilotos americanos não sabiam que a capital do Brasil não era Buenos Aires, que aqui se fala português e não espanhol, e que entre Brasília e Manaus há uma aerovia de mão dupla.

Mas o mais curioso nisto tudo é como as entidades dos controladores se posicionam neste episódio, vestindo a carapuça que tiveram uma grande contribuição para o acidente. Para eximir as responsabilidades pessoais dizem que são vítimas dos equipamentos obsoletos, da militarização, da sobrecarga de trabalho e é claro, dos baixos salários. Vejam como se unem os controladores de tráfego do Rio de Janeiro – ACTARJ que aqui recomenda o blog de nosso amigo Atcbrasil, que já fez alguns comentários aqui: o “novo site de controle de tráfego aéreo no Brasil” que “é para denunciar e comunicar com o pessoal do IFATCA (100% confidencial)”. A IFATCA, para os que não sabem, é o organismo internacional que defende os interesses dos controladores de tráfego aéreo (vejam aqui as declarações infelizes desta organização). O blog do nosso amigo Atcbrasil têm grande parte dos artigos em inglês. Seus artigos têm a especial predileção de Joe Sharkey, e subsidia a imprensa internacional. É curioso, estes artigos me lembram muito os comentários do suíço Christoph Gilgen, membro da IFATCA, bastante citado nestes sites, que coincidentemente fala um pouco de português porque é ou foi casado com uma brasileira e morou por algum tempo em Recife. Gilgen esteve no Brasil, como representante da IFATCA, logo após o acidente da Gol, andou dando várias entrevistas e ainda envolveu-se em vários bate-bocas com as autoridades e políticos governistas por suas opiniões subsidiadas pelos controladores brasileiros.

O deputado André Vargas (PT-PR), que participou da CPI do Apagão Aéreo, denunciou que os controladores de vôo militares estão em “conluio” com Gilgen. Gilgen disse que "o espaço aéreo do Brasil tem problemas, pode até acontecer outro acidente". O deputado disse que recebeu denúncias de que Gilgen e os controladores brasileiros militares, inclusive aqueles que foram presos, tramam para pressionar o Governo. Vargas disse que recebeu em seu gabinete, de forma anônima, cópias de e-mails trocados entre os controladores brasileiros presos Moisés Almeida, Wellington Rodrigues, Carlos Trifilio e Gilgen. Nesses e-mails, segundo Vargas, eles combinam estratégias de pressão sobre o sistema de tráfego aéreo e estratégias em relação à mídia.

Gilgen também fez comentários curiosos logo após o acidente da TAM. Alguns dias após o acidente, declarou à Folha quando indagado como os controladores europeus receberam a notícia de mais um acidente aéreo no Brasil: “Com tristeza, choque e sobretudo também com "déjà vu". Não chegou como um relâmpago. O sistema estava no limite do razoável, operando sem se saber quando teria um novo acidente. Francamente não ficou uma surpresa enorme, mas uma coisa que se podia prever: a má sorte pode tocar o Brasil de novo”. Ainda diz qual é o papel do controle de tráfego aéreo neste episódio: “O controle tem o dever de informar à tripulação todas as condições do aeroporto. Infelizmente, um controlador pode pedir ao operador do aeroporto que verifique o coeficiente de frenagem, mas não pode fechar a pista e não tem o direito de dizer à tripulação que não pouse nesse aeroporto. Quando o piloto diz que quer fazer esse pouso, ele pode”. Hoje já sabemos que o acidente da TAM teria ocorrido mesmo sem chuva.

Enfim, há a clara intenção nos comentários e ações destas associações de aproveitar o momento dos acidentes para colocar em pauta as suas reivindicações, que não me cabe dizer se justas ou não. Por isso, seus interesses são sim que a responsabilidade destes acidentes, por incrível que pareça, seja imputada às organizações nas quais trabalham. Parece-me que a militarização e outras questões devem ser debatidas, mas associá-las a estes acidentes é o que eu chamo de oportunismo. Dizer que, se o setor não for desmilitarizado, outros acidentes como estes é uma questão de tempo, é usar a dor daqueles que perderam seus parentes e amigos como bucha de canhão. Esta é uma questão meramente classista.

Na sua estratégia, as associações de controladores sacrificam seus próprios membros. Em todos os depoimentos, os controladores envolvidos no acidente não admitiram que cometeram qualquer erro e em nenhum momento apontaram que houve qualquer falha dos equipamentos ou que estariam sobrecarregados no momento do acidente. As associações dos controladores querem que a responsabilidade seja sim do controle do tráfego aéreo brasileiro, mas mesmo contra todas as declarações daqueles que conduziram os aviões envolvidos nos acidentes, dizem: somos nós os responsáveis por este acidente. Suas declarações acabam sendo um prato cheio para a mídia e aqueles que querem safar a pele dos pilotos.

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