quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Criminalização de acidentes aéreos

Pilotos e Controladores devem estar acima da lei?

Todos os organismos representantes de pilotos e controladores, agora que as responsabilidades dos acidentes passam a ser muito claras, voltam suas críticas contra a “criminalização” dos acidentes aéreos. Seus argumentos são que a criminalização dificulta a apuração das causas dos acidentes e não conduz à prevenção dos acidentes. Afirmar que apurar a existência de crime pode levar as testemunhas a não prestarem as informações que têm com medo de serem criminalizadas, e assim dificultar à prevenção dos acidentes seria o mesmo que não apurássemos mais as responsabilidades dos acidentes de tráfego pois dificultaria a prevenção dos acidentes automobilísticos. Isto é ridículo. Então porque não descriminalizar qualquer acidente, e não somente os aeronáuticos, se isso permitirá uma superior prevenção dos acidentes? O argumento é que não se deve criminalizar para previnir outros crimes?

Quanto aos acordos internacionais, em especial o ICAO-Annex 13, que tanto falam os pilotos e controladores, o relatório da CPI do Apagão Aéreo foi claro sobre isto, e portanto simplesmente transcrevo aqui o trecho do relatório que trata do assunto:

Pilotos e controladores compareceram à CPI, propugnando pela descriminalização dos acidentes aéreos, afirmando que normas internacionais da aviação não recomendam a criminalização dessas ocorrências. De forma mais específica, citam o Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, mais conhecida por Convenção de Chicago, firmada, em 7 de dezembro de 1944, que estabeleceu, entre outras coisas, a criação de uma agência especializada, a International Civil Aviation Organization – ICAO (Organização de Aviação Civil Internacional – OACI), que, em 1947, tornou-se uma Agência da Organização das Nações Unidas (ONU).

Na leitura do Anexo 13 – INVESTIGAÇÃO DE INCIDENTES E ACIDENTES AERONÁUTICOS, percebe-se que aqueles que compareceram à CPI e se utilizaram desse argumento não foram suficientes exatas em suas falas, pois o documento não trata dessa questão da maneira como foi apresentada.

Para sepultar as discussões que poderiam ainda ser levantadas a respeito, fazem-se aqui algumas transcrições do Anexo 13:

3.1 O único objetivo da investigação de um acidente ou incidente aeronáutico será o da prevenção de acidentes e incidentes.

Não é propósito dessa atividade determinar culpa ou responsabilidade.
(...)
5.4.1. Recomendação. – Qualquer procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade deve ser independente de qualquer investigação conduzida sob as disposições deste Anexo.
Desses dois dispositivos, portanto, é possível concluir:

• que as provas colhidas na investigação aeronáutica não poderão ser utilizadas para a investigação criminal; e
• não há impedimento, pelas normas que regem a aviação internacional, como controladores e pilotos sugeriram, para a instalação de procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade; e
• não poderá haver conexão entre a investigação aeronáutica e os procedimentos judiciais ou administrativos.

Na verdade, o item 5.4.1. é apenas de uma recomendação, o que torna facultativa a sua adoção pelo país signatário da Convenção.

Do conjunto de dispositivos que compõem o Anexo 13, também podem ser extraídas de sua leitura as seguintes conclusões:

1. A investigação criminal e a investigação aeronáutica não se confundem em seus fins. Àquela destina-se a penalizar os responsáveis; esta, a obter elementos visando a prevenir acidentes em circunstâncias semelhantes.

2. As autoridades judiciais poderão, diante de cada caso concreto, requisitar os elementos colhidos durante a investigação aeronáutica, ponderando qual o valor maior em jogo.

Não bastasse, o próprio CENIPA tem recomendação para que:

Se durante um processo de investigação, entretanto, forem identificados indícios de crime ou contravenção, a Comissão notificará a autoridade policial competente para que, em paralelo e completamente independente da investigação do SIPAER, sejam abertos os processos compatíveis.
Indo além das considerações jurídicas e fechando a abordagem do tema, reafirma-se que são improcedentes as declarações de pilotos e controladores de tráfego aéreo de que o Brasil fere as normas internacionais que regem a aviação, quando sua legislação permite que essas categorias profissionais sejam responsabilizadas por acidentes aéreos. Isto nos leva à constatação de que há necessidade dos instrumentos legislativos nacionais definirem, de maneira límpida, as responsabilidades e limites de cada uma das diferentes investigações, das aeronáuticas e das judiciais. Para tanto, é imperioso que a Câmara dos Deputados se debruce sobre matéria legislativa que regulamente este tema.

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