segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Jornalistas não cumprem a palavra

Tive há algumas semanas atrás uma interessante troca de emails com um conhecido blogueiro de uma revista, que infelizmente não posso citar. Eu argumentava que a revista estava muito segura que o acidente da TAM havia sido exclusivamente causado pela falha do piloto em colocar o manete na posição incorreta durante o pouso com o reverso pinado. Eu argumentava que embora era isto que estava indicado na caixa-preta, descartar uma hipótese, por mais remota que fosse, de que havia sido registrado na caixa-preta algo que efetivamente não ocorreu, é de certo modo uma irresponsabilidade de um jornalista.

Esta postura é extremamente conveniente para a Airbus e TAM, já que ninguém está aqui para contestar e dá-se o caso como encerrado. Ao que ele me respondeu: “Aqui nessa coluna interativa a opinião do leitor -- seja ele quem for -- é muito importante. Você é muito bem-vindo, sinta-se a vontade para manifestar sempre que julgar oportuno. É um prazer saber de uma discordância e sobretudo quando ela é feita com propriedade”. Entretanto completou: “Quanto à falha no registro da caixa-preta, não é bem falta de alguém vivo para contestar. No Brasil há muitos vivos que contestam. Copio um trecho de uma reportagem que fiz para (a revista) na edição de * de Agosto de 2007”, e transcreveu: "Mesmo depois da divulgação das primeiras investigações, aventou-se a hipótese de que, no lugar de falha humana, poderia ter ocorrido um erro não especificado nos computadores de bordo, ou ainda na caixa-preta. Por essa versão, o piloto teria colocado o manete direito na posição correta, mas algo fez com que a caixa-preta registrasse um movimento diferente. (A revista) conversou com Raymond Auffray, ex-chefe da comissão francesa de investigação de acidentes aeronáuticos e uma das maiores autoridades do mundo no assunto. Diz ele: "Nos mais de 3.000 casos que já investiguei, nunca vi uma caixa-preta registrar dados de maneira errada. Se há uma pane de transmissão, por exemplo, ela pode deixar de receber informações. Mas, se o registro existe, ele será absolutamente fiel à ação ocorrida". Questionado se o computador de bordo não poderia ter "lido" errado um comando manual corretamente executado pelo piloto, o especialista respondeu: "Jamais encontrei um caso em que o sistema de computadores tenha desobedecido a um comando do manete. Desconheço um caso similar na história da Aeronáutica".

Forneci a ele uma série de argumentos, e reafirmei: “Portanto com todo respeito que mereça o Sr. Raymond Auffray, a sua afirmação não encontra amparo nos meios tecno-científicos. O que ele poderia afirmar é que há uma probabilidade desprezível dos dados da caixa-preta estarem incorretos”.

Ele me respondeu: “Você escreveu: Mas é claro que em 99,99% das vezes conterá os dados absolutamente corretos. Se você encontrar o 0,01%, ou seja, um caso onde a caixa-preta registrou incorretamente, prometo que publico com grande destaque”. Como continuei argumentado sem fornecer maiores fundamentações, respondeu-me: “Receio que o tom peremptório está um pouco fora do lugar para persuadir uma possibilidade, não só remota, mas que você não forneceu nenhum precedente. Mas se você está convicto que os "circuitos lógicos" interpretaram erroneamente a posição dos manetes e enviaram o engano para caixa-preta, eu consigo conviver, numa boa, com a discordância. E suspeito que a aviação civil também”.

Como minha argumentação não foi suficiente, e como ele afirmou que eu não havia fornecido nenhum precedente, reuni alguns artigos sobre o tema. Isto foi muito fácil. Enviei-lhe um que mostrava os problemas da qualidade das informações das caixas-pretas e a necessidade de serem aferidas periodicamente. Mais do que isto, relatei o seguinte caso que justificou minha argumentação: “Você deve conhecer o acidente do Airbus vôo DLH 2904, em 1993, ao pousar em Warsaw. O avião tocou muito de leve na pista e a compressão no trem de pouso esquerdo foi abaixo do limite para detecção da condição de solo. Os sensores detectam uma condição de solo quando a pressão nos trens de pouso e velocidade das rodas ultrapassam determinados valores. Como o avião hidroplanou e inclinou-se para a direita, nenhuma destas condições foi satisfeita, e assim como no acidente da Tam, os procedimentos de frenagem automáticos não foram acionados. O que seria observado na caixa-preta? Que o avião teria tocado na pista muito tarde, em completa contradição com o que foi comprovado pelos próprios olhos. Ou seja, houve um problema de interpretação pelo software embarcado dos dados coletados pelos sensores. Lembre-se que a caixa preta só armazena dois estados: toque no solo sim ou não”.

Parece que foi mais do que suficiente para comprovar o que eu estava argumentando, não acham? Não se concluem causas de acidentes através de probabilidades. Acidentes, especialmente aéreos só acontecem quando eventos de probabilidade extremamente pequenas somam-se para produzir o resultado. Pode-se afirmar, "há uma grande probabilidade de..." mas nunca "foi devido à...".

Ele nunca mais me respondeu, nem fez a reportagem prometida, nem tocou mais no assunto.

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