terça-feira, 2 de outubro de 2007

O hábito Brasileiro de informar autorizações incompletas

Se lermos a ata da CPI do Apagão Aéreo onde apresenta o depoimento à Justiça do controlador de Brasilia que transmitiu a autorização incompleta para a torre de São José dos Campos, podemos entender porque a autorização para o Legacy foi incorreta:

"O sargento Felipe Santos dos Reis não foi ouvido nessa CPI. Ele já havia afirmado - que é um dos indiciados - conforme noticiou a imprensa, que nada falaria sobre o acidente e seu comportamento profissional naquele dia. Sua intenção de ficar em silêncio foi confirmada quando intimado a depor na CPI da Câmara dos Deputados. Se nada falou à Câmara, foi claro em seu depoimento ao delegado Sayão, não deixando dúvida de que sua conduta foi penalmente relevante para o desfecho do acidente. Disse à autoridade policial. Então, esse depoimento é importante por quê? Porque ele não veio depor aqui e mesmo na Câmara ele foi e ficou calado, por isso nós não o chamamos, mas para o delegado ele disse: “Que, por ocasião da passagem do plano - então quem era esse senhor, o senhor Felipe Santos dos Reis? Ou quem é? Naquele momento era a pessoa que em Brasília, estava encarregado de aprovar o plano e de passar o plano a para São José dos Campos - que, por ocasião da passagem do plano de vôo da aeronave N600XL, da sala de plano para a posição “assistente S1”, o declarante é quem ocupava essa posição; Que o tráfego nesse momento poderia ser considerado de baixa intensidade; Que nessa ocasião recebeu apenas a “strip eletrônica” que retratava o plano de vôo, apenas no que se referia ao setor do declarante-S1; Que não tinha, nessa ocasião, o declarante a informação de que a aeronave pretendia, em seu plano, modificar o seu nível de vôo em Brasília, nem na posição Teres, pois essas informações não lhe eram visíveis na “strip eletrônica”; Que as informações relativas à continuidade do plano de vôo nos setores posteriores ao do declarante, poderiam ser acessadas através do acionamento de tecla especial, contudo, por se tratar de um plano e de uma autorização normal e pela responsabilidade do declarante se restringir ao Setor 1, o declarante não entendeu necessário acessá-las - ele não pegou a informação geral - Que em seu estágio, o declarante, absorveu conhecimento de que as autorizações relativas a plano de vôo que previam vários níveis de vôo eram emitidas pelo assistente do primeiro setor, contendo a especificação apenas sobre o nível de vôo a ser seguido no respectivo setor, exatamente por conta da limitação das informações contidas na “strip”; Que por essas razões, o declarante, efetivamente, ao receber a ligação do órgão de controle de São José dos Campos – SP, que solicitava autorização para o plano de vôo da aeronave N600XL, emitiu essa autorização mencionando o nível 370 e o rumo necessário para que a aeronave interceptasse a aerovia pretendida; Que perguntado se tal autorização foi completa ou parcial, respondeu que a sua autorização se compôs das informações essenciais, não estando presentes as informações complementares e que se tratou de uma autorização parcial; Que ao ser lida ao declarante a comunicação telefônica travada com o órgão de controle de São José, na qual tal autorização foi passada e perguntada ao mesmo declarante, novamente sobre o caráter parcial de tal autorização, reforçou o declarante que sua autorização previa nível e proa a serem voados na aerovia que conduz até Brasília e em Brasília termina, de forma que não poderia ser entendida como completa tal autorização; Que o trecho na comunicação em que São José menciona a locução “São José Eduardo Gomes” foi interpretada pelo declarante, como apenas uma forma de identificação de qual vôo e aeronave se estava tratando e não da extensão completa da autorização que seria recebida; Que tem conhecimento e entende que não infringiu o disposto no ICA – 100/12, item 8.4.9 e item 8.4.10.1”.

O que se pode concluir deste depoimento? Que é uma rotina e um hábito do controle de vôo Brasileiro transmitir autorizações de forma incompletas, já que o controlador não visualiza em seu console o plano de vôo completo. É fácil imaginar que isto não trouxe conseqüências até haver este acidente, porque talvez os pilotos aqui estariam habituados a receber as autorizações desta forma. Ou seja, os pilotos sabem que estão recebendo uma autorização para o primeiro trecho do plano de vôo apresentado, embora ela esteja sendo dada de maneira incompleta. Meu outro post "Mais detalhes da liberação de S. José dos Campos" mostra como foi a autorização em S. José.

Complemento (03/10/2007-16:20)
Segundo atas da CPI o controlador de tráfego aéreo, João Batista da Silva, que estava em São José dos Campos, e autorizou o Legacy a decolar, tem 32 anos de experiência, e declarou à PF que sabia que o plano do Legacy previa três níveis de vôos distintos. Puxa, há 32 anos ele passa o plano de vôo incompleto e ninguém faz nada!
Agora, vejam que o formato das autorizações não segue um modelo adotado mundialmente. Observem este comentário no blog Aviation in Canada: "Eu acho que já é confuso o bastante que as autorizações do Canadá diferem ligeiramente das autorizações americanas - se você fizer mais alterações, irá confundir os pilotos que atravessam fronteiras ainda mais". Ou seja, depreende-se por esta frase que diferentes países têm diferentes práticas.
Mesmo nos EUA a situação não é diferente. Nos fóruns se encontrarão muitos destes questionamentos. Veja uma das recomendações de um piloto: "Qualquer um que esteja usando autorizações de partida DUATS (Direct User Access Terminal System, como foi o caso do Legacy) deve imprimir o plano autorizado e mantê-lo até o vôo terminar. Se houver qualquer problema na transmissão, combinado com a gravação de sua autorização do aeroporto que você partiu, ele irá protegê-lo em um caso de discrepância". Parece pelas mensagens, que os pilotos americanos não se fixam muito no plano de vôo, e sim pelas instruções recebidas verbalmente.
Ou seja, qualquer pesquisa irá demonstrar que este é também um problema que ocorre lá. Entretando, pode-se concluir pelas mensagens que pilotos experientes sempre se cercam das devidas cautelas.

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