sábado, 22 de dezembro de 2007

Quando obedecer as regras é crime

O artigo 18 do Código Penal Brasileiro diz que o crime é “culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. No seu parágrafo único ressalta que “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”. A previsão para o crime cometido pelos pilotos norte-americanos está claramente tipificada no Artigo 261 – “Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”. E no Parágrafo Primeiro: “Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos”. O Código Penal não diz o que é imprudência, mas o Houaiss vem nos ajudar, em uma de suas definições: “inobservância das precauções necessárias (É uma das causas de imputação de culpa previstas na lei)”. E ainda fica mais claro se vermos qual é a sua definição de prudência: “(1) virtude que faz prever e procura evitar as inconveniências e os perigos; cautela, precaução; (2) calma, ponderação, sensatez, paciência ao tratar de assunto delicado ou difícil”. E inconveniência é, entre outras coisas a “ausência de conformidade, de propriedade, de oportunidade; incongruência, inadequação”.

Assim nós vemos que não basta seguir regras e normas para estar dentro da lei: é preciso também ter prudência. É preciso prever e evitar os perigos. Alguns exemplos podem auxiliar-nos a compreender melhor. Um motorista que trafega em uma estrada sabidamente cheia de buracos, mesmo que dentro do limite de velocidade, age com imprudência, pois o risco de acidentes é maior, e porque está expondo a perigo o veículo que pode se desviar ao cair no buraco e sofrer um acidente. Para agir com prudência, o motorista deve trafegar com velocidade reduzida, abaixo do limite da via. Sob uma chuva torrencial, os veículos devem diminuir a velocidade, se possível até mesmo parar, para não expor ao perigo os seus passageiros pela falta de visibilidade e riscos de derrapagem. Se o piloto está em outro país, ele deve conhecer com o maior nível de detalhes possível as suas aerovias, os níveis que são autorizados em cada uma delas, as idiossincrasias do controle de tráfego aéreo do país. Os pilotos devem conhecer os nomes das cidades por que vão passar, e as cidades próximas de sua rota. Devem conversar com outros pilotos que já voaram neste espaço aéreo. Se possível, voar como co-pilotos de alguma aeronave para depois assumir o comando. Deve planejar, enfim, o seu vôo. Por quê? Porque é previsível, é esperado, é natural que eles possam compreender mal alguma instrução. Porque é previsível que os hábitos e cultura do país sejam diferentes dos seus. Se os pilotos nunca operaram a aeronave, é uma imprudência maior ainda entregar-lhe o avião em um espaço aéreo que ele nunca voou. Por quê? Porque é previsível que eles estarão muito mais envolvidos com as novidades do novo avião do que estarem preocupados com a navegação aérea, monitoramento do rádio e dos instrumentos. Portanto, os perigos são previsíveis. O perigo de entender mal uma instrução da torre de controle é maior. O perigo de ocorrer uma situação de risco por não estar monitorando os instrumentos é maior. Se o controle do tráfego aéreo brasileiro é deficiente, maior ainda é a previsibilidade do perigo. Quando maior é a previsibilidade do perigo, maior a prudência exigida dos agentes.

Portanto neste acidente, o que faltou aos pilotos e a Excelaire, em um grau elevadíssimo, foi prudência, não prevendo e procurando evitar as inconveniências e os perigos; não tendo cautela e precaução. Portanto, faltou prudência a Excelaire ao designar estes pilotos para buscar o Legacy, e faltou prudência dos pilotos, não se preparando para o vôo, conhecendo a sua rota, os limites da autorização e os nomes das cidades. Por sorte estão vivos, pois poderiam estar juntos aos outros 154 inocentes, vitimas de sua imprudência.

Nenhum comentário: