domingo, 14 de dezembro de 2008

Comentários detalhados aos comentários detalhados do NTSB

NTSB Detailed Comments

NTSB:
ICAO document 4444 defines the purpose of ATC services as “preventing collisions … between aircraft, and … expediting and maintaining an orderly flow of air traffic.” (…) As both of the involved aircraft in this collision were operating under required positive control, and under all applicable directions, ATC services must be examined in detail to determine the factors that initially placed the aircraft into conflict and why ATC services did not resolve the conflict before the collision.
Comentário:
Neste primeiro parágrafo do texto da NTSB já fica caracterizado alguns pressupostos incorretos para a análise de um acidente desta natureza. O propósito da existência de uma organização, ou a sua missão, é a função ou poder que se confere a ela para agir, uma direção, um objetivo. O propósito do Controle de Tráfego Aéreo (ATC) é organizar e disciplinar o tráfego aéreo, e em conseqüência, e não como propósito ou missão, previne as colisões de aeronaves. A principal forma de organizar o tráfego aéreo é muito mais pela regulação, através de normas e procedimentos, do que através de sua ação. O espaço aéreo é altamente regulado, principalmente pelas cartas aeronáuticas e regras de separação. A colisão de aeronaves não pode ser automaticamente imputado a um insucesso do ATC, ao contrário. A regulação do espaço aéreo é de tal forma eficiente que, obedecidas as suas regras, em muitas situações pode-se até mesmo prescindir de sua ação, executando meramente um papel de observador. O controle pode falhar ou pode em determinados momentos sofrer panes. Nestas situações, ou na falta de sua ação, as aeronaves não podem estar sujeitas a risco de colisão. De forma oposta ao que foi argumentado pela NTSB, é que se houve uma colisão no espaço aéreo, é que alguma de suas regras não foi obedecida e não porque houve ausência de ação. A causa do acidente sem dúvida alguma foi dos pilotos estarem trafegando no nível incompatível com a direção e sentido do vôo naquela aerovia. O que deve ser analisado é porque a aeronave agiu contra as regras da aerovia. Nenhuma organização existe para “prevenir” falhas, mas sim para que as ações sejam cumpridas como as normas e regulamentos estabelecem. Quando cumpridas as regras, não haverá falhas. Na sua maior parte do tempo, o ATC verifica, inspeciona se as aeronaves estão cumprindo as normas do espaço aéreo, mais do que posicioná-las ou dirigi-las, função que cabe aos pilotos. A começar pelos planos de vôos que são requisitados pelos pilotos ou por suas companhias em seu nome. O propósito do ATC é autorizar os planos de vôo e não construí-los e, muito eventualmente, resolver conflitos entre aeronaves quando executa ações de seqüenciando dos vôos. De forma muito rara, altera os planos requisitados, e desde que haja razões fortes para isto. O ATC não pode mudar um plano de vôo unilateralmente, sem que isto seja alertado ao piloto, já que o vôo teve sua preparação determinada para o plano requisitado. Muito menos os controladores podem mudar as regras das aerovias. Os primeiros parágrafos do documento da NTSB já demonstraram seus pressupostos equivocados do papel do ATC que segundo eles seriam separar as aeronaves, quando na realidade seu papel primordial é verificar se as aeronaves estão cumprindo as regras de separação regulamentas para as aerovias. Quando as aeronaves não as cumprem, são iniciadas as ações positivas de separação. Portanto, a partir deste ponto já fica extremamente prejudicada a análise do NTSB sobre os eventos que culminaram no acidente ao distorcerem o papel do ATC. Mais surpreendentemente ainda é este partido de análise vir de uma organização como a NTSB que deveria zelar para que normas e regulamentos sejam obedecidos.

NTSB:
The ATC computer automatic insertion of the “cleared altitude” field in the displayed datablock was one of the first chronological events that led to the collision. Sections 4.6 and 4.6.1 of the analysis discuss this feature; however, the only conclusion drawn is on page 219, which states that the controllers “have always operated the system in this manner.” The discussion in the report notes that the controllers did not react correctly to the information presented on the displays. However, a design in which two distinctly different pieces of information (that is, requested altitude and cleared altitude) appear identical on the display is clearly a latent error.
Comentário:
Outro erro grave do NTSB. A apresentação da altitude liberada no bloco de dados (“strip”) estava absolutamente correta e não foi isto que levou a colisão. O bloco de dados não apresenta as altitudes requisitadas e liberadas como afirma o NTSB. O bloco de dados apresenta a indicação do nível de vôo real, obtido pela leitura dos sinais transponder, e o nível autorizado (“cleared”) sempre e nunca o requisitado. Não sei de onde surgiu esta interpretação de “nível requisitado e autorizado” do bloco de dados. Por uma definição de construção, na interface de apresentação dos dados optou-se por indicar “[nível real]=[nível autorizado]”. Assim, se houvesse a presença do sinal do transponder, a indicação seria “370=360”, ou seja, lê-se esta mensagem como: nível real 370, nível autorizado 360. Na ausência do sinal do transponder, não é possível apresentar o nível real da aeronave, e nesta situação, a opção adotada pelos construtores da interface é apresentar a mensagem “360Z360” além da alteração do simbolo da posição da aeronave alterar-se de um círculo para uma cruz. A leitura da mensagem que deve ser feita é: presume-se que a aeronave esteja no nível autorizado para o trecho (360), mas não há certeza porque não há leitura do sinal do transponder, claramente indicado pela letra “Z”, e o nível autorizado para o trecho é 360 (lado direito da mensagem). Esta é a leitura que deve ser feita deste bloco de dados e é a leitura que todos controladores fizeram. O “Z” indicava que a primeira informação do lado esquerdo do bloco de dados (360) não pode ser confirmada. Portanto é surpreendente o comentário de uma organização como a NTSB que nem ao menos sabe fazer a leitura dos dados apresentados nas telas dos radares e é conduzida a comentários equivocados. Os controladores não reagiram apropriadamente, não por nenhuma das razões apresentadas pela NTSB, mas porque não supunham que os pilotos poderiam estar cometendo o erro gravíssimo de estar voando fora das regras da aerovia, ou seja, estar no nível 370, uma das normas mais elementares da navegação aérea. Isto ficou absolutamente claro em todos os depoimentos dos controladores. Ao subestimar a falha dos pilotos de não cumprir as normas do espaço aéreo, agiram como se a situação não exigisse uma ação mais pronta. A provável origem da mensagem (“Z”), para o ATC era uma simples perda de sinal do transponder, algo extremamente comum e ao qual estão habituados, já que se trata de uma comunicação por ondas de rádio e, portanto, sujeitas a constantes interrupções, especialmente por se tratar de um transmissor em movimento (uma aeronave). Portanto, um evento extremamente frequente em qualquer lugar do globo terrestre. A ausência de reação dos controladores, não se deveu à interface de apresentação dos dados como afirmado pelo NTSB, mas à improbabilidade do erro cometido pelos pilotos de trafegar fora das normas da aerovia. A NTSB comete um erro grave neste comentário ao não compreender os eventos que levaram ao acidente. A análise que se segue do NTSB fica completamente prejudicada, pois partiu desta interpretação da tela do radar, de que os controladores tivessem se confundido com elas. As frases que se seguem da NTSB sobre isto passam a ser completamente sem sentido. O comentário equivocado da NTSB apresenta frases como: “It is clear that the sector 7 ATCO believed that N600XL had been cleared to FL360, and that is how he briefed the controller who relieved him, thereby perpetuating the incorrect assumption”. O Legacy foi efetivamente autorizado para o nível 360 de Brasília a Terez e 380 de Terez a Manaus e não 370 e, portanto, a suposição do ATCO setor 7 estava absolutamente correta, e não incorreta como diz o NTSB. O erro do NTSB é assumir que a autorização do nível 370 de S.José a Manaus, por um erro de fraseologia utilizada pelos controladores, fosse efetivamente o nível autorizado, quando não foi. O plano autorizado (“cleared”) foi o plano requisitado. O nível autorizado 370 de S.José a Manaus só existiu na interpretação dos pilotos e, portanto uma análise baseada neste fictício plano autorizado, como a da análise da NTSB, fica completamente prejudicada (voltaremos a este tema). As telas dos radares estão corretas, não foram elas que levaram a falta de ação dos controladores, mas a subestimação do evento em si de uma aeronave voando fora de seu plano autorizado (veremos mais detalhes adiante) e ainda com o transponder desligado.

NTSB:
The automatic change to the “cleared altitude” field did not accurately reflect the status of N600XL’s clearance. There is no distinction between a “requested altitude” value that is serving as a reminder to the controller and a “cleared altitude” value that actually reflects the status of the aircraft’s clearance, as noted in section 4.6. (…) This feature has the undesirable effect of making the ATC automation “lead” the actual clearance issued to the flight crew.
Comentário:
Completamente errado o comentário do NTSB. A mudança automática para a “altitude autorizada” reflete sim o status da autorização para o Legacy. O erro de uma fraseologia não muda uma altitude autorizada. Se o controlador verbalizar uma altitude incorreta, isto não muda a altitude autorizada, especialmente quando estamos nos referindo a sistemas informatizados no qual o que vale é o que está efetivamente registrado nos sistemas. Se o controlador trocar um número na leitura da autorização, ele comete um erro grave, que pode ter graves conseqüências, mas isto não muda o plano que foi autorizado. Pode-se até compreender que a leitura que a tripulação fez da autorização leve a supor outra autorização, mas isto não muda a autorização. O controlador da torre omitiu duas palavras “as filed” porque desconhecia o plano completo, que por sua vez lhe foi fornecido por Brasília. Esta omissão dá margem a uma outra interpretação da autorização, mas não muda o plano autorizado nos sistemas de controle de tráfego aéreo. Os controladores erraram na transmissão do plano autorizado para a tripulação, mas não o alteraram. Considerar o plano de vôo de nível 370 até Manaus como o plano “autorizado” efetivo ("cleared altitude") e querer que os sistemas passem a informá-lo, é um jogo de palavras do NTSB para confundir os leitores. Os pilotos podem estar corretos em interpretá-la como a altitude autorizada, mas efetivamente não foram, nem foi esta a intensão do controle de tráfego.

NTSB:
We recommend modifying the software to make it clear to controllers whether this field of the datablock is displaying a requested altitude or a cleared altitude.
Comentário:
O comentário da NTSB é inconsistente. Os dados que são apresentados na tela dos controladores não é altitude requisitada ou liberada. O conceito da informação apresentada nas telas dos radares não tem a qualificação atribuída pelo NTSB, ou seja, é simplesmente altitude. Quando é introduzida no sistema é a altitude requisitada. Quando informada à tripulação é a altitude autorizada. Se por ventura for necessário autorizar uma altitude diferente da requisitada, é necessário alterar a informação. A altitude autorizada, desta forma, substitui a altitude requisitada. O histórico das altitudes autorizadas é mantido na forma do que se pode chamar de “logs” (registros de alterações de informação) e a altitude requisitada originalmente é preservada no registro do plano de vôo original. A partir daí o que o sistema apresenta nas telas dos controladores é sempre a altitude que foi autorizada e nunca a originalmente requisitada. Um exemplo destes eventos pode ser visto nos dados do Gol. Seu plano original requisitava nível 410. E isto o que apareceria na tela no início do vôo: “410=410”. Nível real 410, autorizado 410. O piloto antes da decolagem requisitou alteração para o nível 370, no que foi atendido. A tela passou a apresentar “370=370”, nível real 370, nível autorizado 370. O nível 410 não aparece mais nos consoles. Mesmo que o Gol tivesse perdido o sinal do transponder o console não apresentaria a mensagem "410Z370", mas sim "370Z370". Ou seja, sempre o que aparece no bloco de dados da tela é o nível autorizado e nunca o requisitado. Se na tela apareceu 360 para o Legacy é porque foi este o que foi autorizado. O autorizado 370 foi somente até Brasília. Fraseologias incorretas, como a do controlador da torre, não mudam sistemas. Se o controlador, ao invés de ler 370 tivesse lido 380, isto não altera o plano autorizado para 380. Ainda não chegamos ao ponto de através de reconhecimento de voz de controladores alterar automaticamente o plano de vôo autorizado. É surpreendente que a NTSB não saiba disto.

NTSB:
However, in the body of the report, it is correctly noted that the “Z” symbol appeared in the datablock as well as the loss of the circular target marker and that both indicated that mode C information had been lost. There is no reason to believe the controllers did not understand the datablock information; however, they either were not aware of it or did not attach the appropriate level of significance to it. This training and awareness issue will be discussed in the next section, but the fact that the 3D altitude values reinforced an incorrect assumption leads us to conclude that the automatic display of an altitude value that is invalid for ATC use contributed to the accident scenario.
Comentário:
Parece que o NTSB após todos estes meses ainda não compreendeu o acidente. A forma como os dados apareceram nas telas dos radares não teve nenhum, o mínimo, o mais insignificante papel para a contribuição do acidente. A tela do radar apresentava a clara informação de que o transponder não apresentava sinal, através da indicação “Z”. Mas os controladores subestimaram o problema, pois é inacreditável que alguém voasse em um nível impar na rota Brasília a Manaus e não imaginaram que a origem do problema estivesse relacionado a autorizações. Pilotos em geral, com exceção dos Kamikazes, não tem tendências suicidas. Portanto, voar por 3.490 km na contramão é algo que não passa pela cabeça de ninguém com um mínimo de juízo, e muito menos o supunham os controladores. Para eles, então, tratava-se de um problema insignificante de ausência temporária do sinal do transponder, como ocorre inúmeras vezes, eu diria que várias vezes ao dia. Lembre-se que o transponder funciona através de ondas de rádio, portanto, qualquer um que tenha um celular sabe que equipamentos desta natureza sofrem freqüentes interrupções de sinal. Portanto, para os controladores era mais um dos freqüentes problemas que ocorrem em todo o globo, centenas de vezes por dia, de ausência temporária do sinal do transponder. Especialmente freqüente quando estamos falando em distâncias continentais como a de Brasília a Manaus. Foi simplesmente isto, e nada mais do que isto. Não agiram, porque o risco de alguém voar na contramão de Brasília a Manaus era inimaginável. Todas as análises que se seguem do NTSB baseadas nas informações do radar ou dificuldades de comunicações não tiveram qualquer influência para justificar a falta de iniciativa dos controladores. Os controladores simplesmente não agiram porque subestimaram o risco por seu caráter insólito e não porque foram confundidos por informações erradas.

NTSB:
As noted in the report and related to the above findings, ATC continued to apply a projected vertical separation standard of 1,000 feet between N600XL and GLO1907, although there was no transponder return or two-way communications from N600XL.
Comentário:
Todos os comentários do NTSB que se seguem sobre a falta de iniciativa dos controladores perdem sentido já que não perceberam o risco de colisão. Foi o segundo erro dos controladores (o primeiro foi em S.José), superestimar a capacidade dos pilotos em lerem cartas aeronáuticas e assim perceber que voar de Brasília a Manaus em um nível impar era uma tentativa de suicídio, ou melhor, uma roleta russa. Se os controladores adotarem iniciativas extremas de emergência a cada caso de perda de sinal de transponder não farão outra coisa. Não se pode culpar alguém por não adotar todos os meios disponíveis quando o risco que corriam as aeronaves ultrapassava a imaginação de qualquer um que tivesse um mínimo de conhecimento do espaço aéreo brasileiro. Pode-se imaginar que aeronaves enfrentem pane ou dificuldades de comunicação ou qualquer outra dificuldade, mas não se imagina que pilotos trafeguem em trechos tão longos, como de Brasília a Manaus, com a proa para noroeste em um nível impar. Nem o mais sagaz controlador poderia supor que em nossos céus voassem pilotos que desrespeitam as regras das aerovias.

NTSB:
The controllers at sectors 5 and 7 were unaware of the status of N600XL’s altitude clearance and did not take positive action to provide a clearance, confirmation, or appropriate coordination.
Comentário:
O NTSB prossegue em seus comentários como se os controladores desconhecessem um plano autorizado no nível 370 até Manaus. Esta autorização nunca existiu, portanto não tinham porque tomar nenhuma ação positiva para fornecer uma autorização, confirmação ou coordenação apropriada. A autorização no nível 370 até Manaus foi assim compreendida pelos pilotos, mas nunca existiu (voltaremos ao assunto).

NTSB:
The report correctly notes that the initial clearance issued to N600XL before departure from São José dos Campos did not follow the correct format for an initial clearance. However, we believe that the ground controller’s statement “clearance to Eduardo Gomes,” could not realistically be interpreted as anything other than the “clearance limit” item of the clearance. Furthermore, numerous statements in the report imply that issuance of a clearance limit, whether for the intended destination or an intermediate navigational fix, correlates with the assigned altitude.
Comentário:
Estamos chegando às questões mais importantes. O NTSB deixa claro que a autorização emitida em S.Jose não seguia o formato correto para uma autorização inicial. Portanto, admitida a sua incorreção, isto abre espaço para interpretações. Tanto é verdade que na argumentação o NTSB utiliza as expressões: “we believe... could not realistically be interpreted...”. Sabemos que não é esta a interpretação que os controladores queriam que os pilotos dessem à autorização. Em nenhum momento foi feita qualquer modificação do plano de vôo solicitado pelos pilotos, que previam diversos níveis até Manaus. Em nenhum momento surgiu conflitos no espaço aéreo que os obrigassem a autorizar um plano de vôo diferente do requisitado. Mas o NTSB sabe que planos de vôo não devem ser interpretados, deve-se ter certeza sobre suas intenções. Além disto não é esta a interpretação dos pilotos que lêem o Flight Information Publication (FLIP) do Departamento de Defesa americano (DoD), que contém dados aeronáuticos para planejamento de vôos. Na seção sobre a América do Sul adverte: “NOTE: Many South American countries use the term “Cleared Direct” to a fix when they mean for the pilot to fly via the flight planned route to the final destination or fix cleared to. Use caution when accepting a direct route to a fix, or query the controller as to his/her true expectations (TFMWG-CSA)”. Ou seja, a interpretação lógica (“realistically”) do DoD é que siga o plano de vôo quando um controlador no Brasil disser: “ATC clearence to Eduardo Gomes, flight level three seven zero direct Poços de Caldas”. De qualquer forma, as normas aeronáuticas internacionais exigem que não haja dúvidas ou interpretações. O NTSB deveria ler as normas aeronáuticas que dizem: “A pilot in command shall, if any time in doubt, request a detailed description of the route from Air Traffic Services (ICAO 7030/4/SAM RAC 5.1)”. Mas assim como o NTSB, os pilotos não ficaram na dúvida alertada pelo DoD a pilotos que não estão habituados a voar na América do Sul e fizeram a única interpretação "lógica" que lhes ocorreu. Portanto fica claro que o plano autorizado no nível 370 até Manaus foi uma interpretação do plano realmente autorizado tanto pelos pilotos como pelo NTSB e não um plano real. Mas uma interpretação não muda um plano de vôo, só se os operadores o tivessem introduzido nos sistemas de controle de tráfego (vamos aprofundar esta discussão no comentário seguinte).

NTSB:
Beginning on page 92 and recurring throughout the report are numerous passages and citations of events that are associated with the flight crew of N600XL not being aware of the elements of the flight plan, an unusually short time elapsing between the obtainment of the printed flight plan and the departure, or the crew having an unusually short period of time to prepare for the flight. These items appear to be partly in support of paragraph (e) on page 264 of the report, which indicates, “Planning – a contributor.” We do not agree that the analysis is sufficient to support any deficiency in the conduct of the flight, which can be related to planning. The crew flew the route precisely as cleared and complied with all ATC instructions.
Comentário:
Argumenta que a falta de preparação dos pilotos não contribuiu para o acidente porque os pilotos seguiram exatamente a autorização emitida. Ora, o NTSB já reconheceu que a autorização era incompleta e omissa, portanto o que eles seguiram não foi a verdadeira autorização, mas, nas suas próprias palavras, uma interpretação lógica da autorização emitida. Esta interpretação foi a causa principal do acidente. As autoridades aeronáuticas americanas, através de seus regulamentos, discordam frontalmente do NTSB quanto à preparação para o vôo. A seção “5−1−1. Preflight Preparation” do Aeronautical Information Manual (AIM) da FAA diz: “Every pilot is urged to receive a preflight briefing and to file a flight plan. This briefing should consist of the latest or most current weather, airport, and en route NAVAID information.” e a seção “7−5−1. Accident Cause Factors” do AIM ainda diz com grande propriedade: “The 10 most frequent cause factors for general aviation accidents that involve the pilot-in-command are: 1. Inadequate preflight preparation and/or planning”. Ou seja, independente se isto foi um fator contribuinte ou não, a regulamentação destaca sua importância. Mas como veremos, foi sim um fator contribuinte mais forte do acidente. A preparação é justamente para que os pilotos tenham senso crítico sobre as ações do controle de tráfego e formar sua consciência situacional para prevenção de acidentes. O NTSB analisa a autorização para voar de Brasília a Manaus na contramão como se fosse uma autorização normal, corriqueira, trivial e aceitável e não uma sentença de morte. Basta qualquer um, piloto ou não, olhar a carta aeronáutica e ler sua legenda que se verá o absurdo que seria uma autorização para voar 3.490 km na contramão. Não há nenhuma razão possível, nenhuma hipótese, que faça o ATC emitir uma autorização em nível ímpar nesta rota. Qualquer piloto que conhecesse o espaço aéreo, veria que a autorização estaria incorreta. A certeza para todos que se envolveram com um olhar um pouco mais atento sobre este acidente é que não importa que erros tivessem cometido os controladores, não se admite voar pela aerovia UZ6 no nível 370. Nem o piloto mais inexperiente, nem um jovem em um simulador de vôos, cometeria este erro, somente aqueles que desconhecem o espaço aéreo. Ouvi isto de um piloto de jatos executivos nos primeiros dias que se seguiram o acidente. O NTSB desconsidera totalmente este fato ou o mascara através de uma “interpretação lógica” de uma autorização incompleta. A preparação dos pilotos, considerada desnecessária pelo NTSB porque seguiram a autorização, os faria rejeitá-la imediatamente. Mas ainda muito mais grave que tudo isto, é que é inaceitável uma autorização que fira normas e regulamentos, não só por prudência mas porque as normas aeronáuticas o exigem. Vejam como são claras as normas aeronáuticas e desconsideradas pelo NTSB: "It is the pilot's responsibility to request an amended clearance if the pilot decides that the clearance ATC issued would cause deviation from a rule or regulation or place the aircraft in jeopardy". Se os pilotos observassem sua carta aeronáutica teriam visto que a autorização que o controle emitiu, considerada a interpretação "lógica" dada pelos pilotos e NTSB, feria a norma mais elementar de regulação do tráfego aéreo, ou seja, trafegar em um nível apropriado para o trecho de Brasília a Manaus e que a autorização que lhes fora “ordenada” era uma certeza de colisão. É responsabilidade dos pilotos solicitar uma autorização corrigida se ela colocar em risco a segurança. Mas o despreparo dos pilotos nem mesmo os fez perceber que está autorização punha a aeronave em risco. Como pode o NTSB desconsiderar, eu diria até mascarar, este fato? O NTSB argumenta que o ATC pode autorizar qualquer nível quando estão sob o seu controle radar e portanto os pilotos não descumpriram qualquer regra. Esta é a mais absurda argumentação que poderiamos ouvir. Não é isto que se discute, mas a ausência da consciência situacional dos pilotos ao receberem uma autorização que indiscutivelmente colocava a aeronave em risco de colisão. não a rejeitaram. Como alguém pode interpretar uma autorização que confronta a mais elementar regra do espaço aéreo e os levaria à morte, sem a menor contestação? Portanto, seria obrigação dos pilotos que a rejeitassem, e mesmo que fosse confirmada, deveria ser rejeitada, até mesmo abortando a decolagem para esclarecimentos. Não há uma razão sequer para se aceitar uma sentença de morte sem contestação. Além disto, uma simples pesquisa pelos fóruns dos pilotos, veremos que é extremamente comum, no mundo todo, autorizações verbais incompletas, as vezes totalmente incorretas. São centenas de mensagens colocados sobre dúvidas dúvidas dos pilotos sobre as autorizações. Mas a consciência situacional dos pilotos, adquirida através do conhecimento das rotas aéreas, os fazem identificar os erros frequentes presentes em uma comunicação verbal.

NTSB:
Pages 69 and 74 of the report state that the flight crewmembers were not experienced in the operation of the avionics in N600XL. Although the transponder outage was likely because of an inadvertent action, no evidence in the factual record indicates that a lack of familiarity with the avionics is related to the outage.
Comentário:
Admirável a ausência de compreensão do NTSB das causas do acidente. Em nenhum momento foi dito que os pilotos operaram erradamente os instrumentos pela sua não familiaridade em seu manuseio. Ficou claro também que o desligamento do transponder foi involuntário. O que se afirmou é que a falta de familiaridade dos pilotos com os instrumentos levou-os a passar quase o tempo todo envolvidos com outras atividades relacionados ao novo avião em seu primeiro vôo ao invés de estarem atentos aos instrumentos. Espera-se que durante o vôo os pilotos estejam atentos à navegação aérea e ao monitoramento dos instrumentos e não dedicados a leitura de seus manuais. Eu gostaria que alguém nos dissesse como se sentiria se durante um vôo presenciassem os pilotos na cabina estudando os manuais da aeronave, hoje digitais, em seus notebooks? Eu pediria encarecidamente que deixassem isto para outra hora, e por favor, prestem atenção no painel de comando. A causa de não notarem que o painel primário apresentava a mensagem “TCAS OFF” é porque por quase uma hora estavam com um notebook à frente do painel. Não resta a menor dúvida de que os pilotos passaram horas envolvidos com cálculos de combustível, equilíbrio da aeronave, e outras características da aeronave em que faziam seu primeiro vôo. Que pilotos passam o vôo todo estudando a aviônica da aeronave? Somente aqueles que não têm nenhuma familiaridade com ela. Sem dúvida alguma a falta de familiariaridade com a aviônica da aeronave distraiu-os completamente, a ponto de não perceber o desligamento inadvertido do transponder, e isto foi sem dúvida o fato culminante para o evento trágico.

CONCLUSÕES SOBRE OS COMENTÁRIOS DO NTSB:
O NTSB tem um processo cognitivo dos eventos que culminaram com este acidente completamente equivocado e, de certa forma, pode ser compreendido pela sua explícita tendenciosidade. Sua introdução aos comentários, construída por meio de fragmentos de frases da ICAO, de que a missão do controle de tráfego seria “prevenir acidentes” deixa isto estampado. É claro que a missão do Controle de Tráfego Aéreo não é esta, e sim organizar e disciplinar o tráfego aéreo e faz isto através da vigilância e do seqüenciamento dos vôos. Prevenir acidentes é uma conseqüência natural da vigilância do espaço aéreo e não missão. Como o espaço aéreo é fortemente regulado, se houve uma colisão é porque alguém feriu alguma regra e não simplesmente porque o controle de tráfego falhou. Ao constatar-se que o Legacy estava em nível incompatível para a aerovia, a causa não pode ser mais óbvia. Sim, o erro foi induzido pelo controle de tráfego aéreo. Sim, os pilotos não violaram nenhuma regra aérea pois poderia-se admitir que estavam autorizados a voar nesta altitude, mas não há a menor dúvida que faltou completamente consciência situacional aos pilotos do Legacy e isto o fez aceitar uma autorização que os colocou em rota de colisão com outras aeronaves. Ao já se ter como pressuposto que foi uma falha do controle, o NTSB direcionou sua análise na busca das falhas do controle de tráfego aéreo em não previnir o acidente e relevou as dos pilotos em provocá-lo. Considerou a autorização emitida para o Legacy como uma autorização aceitável e inquestionável, quando era indiscutivelmente uma sentença de morte ao colocá-los na contramão por 3.490 km, ferindo a mais elementar das regulações do espaço aéreo que é a vinculação entre direções, sentidos e altitudes dos vôos. A não ser que a tripulação tivesse tendências suicidas, esta interpretação “lógica” da autorização deveria ser rejeitada de imediato por ferir a norma básica de que aeronaves nunca voam na aerovia UZ6 no sentido de Brasília a Manaus em um nível impar. Reitero a expressão "nunca". O NTSB, em completo desrespeito às proprias normas aeronáuticas internacionais, considera desnecessária a preparação para o vôo e que a falta de familiaridade dos pilotos com nosso espaço aéreo tenha contribuido para o acidente. Segundo o NTSB, basta seguir a autorização que lhes era informada, mesmo que esta autorização fosse contrária às regras do espaço aéreo. Desconsidera que ninguém é ordenado a colocar sua vida e de outros em risco por mais "lógica" que seja esta ordem. Ao contrário do que pensa o NTSB, a preparação dos pilotos, conhecendo seus diversos níveis de vôo, adequados às regras do espaço aéreo e ao consumo de combustível, os faria rejeitar, sem sombra de dúvida, a interpretação do plano de vôo em um único nível, se não para não ferir as normas de tráfego, mas pela razão básica de preservar a própria vida e de outros. A falta de familiaridade dos pilotos com a aviônica da nova aeronave também não foi um fator contribuinte segundo a NTSB, pois não fizeram nada errado na sua operação. Entretanto, o NTSB desconsidera que foi isto que fez os pilotos passarem todo o vôo estudando-a, concentrados nos novos manuais, conhecendo os novos instrumentos e desligar o transponder sem perceber através de algum gesto inadvertido. Sua falta de concentração nos instrumentos, e sim nos estudos da nova aviônica, fez passar-lhes despercebida a mensagem “TCAS OFF” em seu painel durante quase uma hora, algo também injustificável. Ao mesmo tempo que releva a falta de atenção dos pilotos em não observar o painel da aeronave que apresentava a gravíssima situação do desligamento do transponder, aponta a falta de iniciativa dos controladores em acionar procedimentos de emergência diante de um evento trivial que é a falta de comunicação. Não é capaz de compreender que nem o mais sagaz dos controladores poderia imaginar que os pilotos tinham tamanho desconhecimento das regras de navegação aérea a ponto de ter como uma interpretação “lógica” de uma autorização incompleta, voar na contramão em um trecho de extensão continental. Diante desta equivocada análise do NTSB, não é de se admirar que impute ao ATC a responsabilidade do acidente. Mas o que mais nos decepciona é a lição de insegurança de vôo que o NTSB passa a todos os pilotos ao desprezar a preparação que devem ter para os vôos, desprezar a necessidade de senso crítico dos pilotos ao interpretar uma autorização que fere a mais elementar das regras do espaço aéreo e o desprezo ao monitoramento dos instrumentos de navegação. O NTSB com seus comentários presta o maior deserviço que a segurança da aviação mundial poderia ter. A proteção a qualquer custo de seus conterrâneos terá um preço alto para a segurança da aviação mundial.

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