Qualquer acidente como o da Gol e da TAM ocorre em um cenário formado em situações raríssimas. É o que alguns chamam da tempestade perfeita. Há infinitas possibilidades de formação de cenários, mas somente alguns provocam os acidentes como estes. Qualquer remoção de algum elemento que compõe o cenário, retira uma das condições que permitiram o desenrolar da peça. Portanto, é claro que um acidente como o da TAM, não ocorreria se a pista fosse mais longa, se o avião não estivesse lotado, se não estivesse chovendo, se o reverso não estivesse pinado, se ... , o mundo não fosse o que é. A questão não é que se o cenário fosse alterado o acidente não teria ocorrido. O problema é discutir se houve um erro dos cenógrafos e este cenário nunca deveria ter sido criado.
Vejamos se os elementos do cenário do acidente da TAM não poderiam existir e depois se a sua combinação foi a que permitiu o acidente.
1. A liberação da pista sem grooving. O grooving serve para evitar o fenômeno da aquaplanagem, que é a formação de lâmina d’água entre o pneu de um veículo e o concreto (asfáltico) da via. O grooving não aumenta o atrito da pista, pelo contrário, em pistas secas, diminui. O atrito com a pista é proporcional à superfície de contato entre a borracha e a pista. O grooving diminui esta superfície de contato, mas eu contrapartida diminui a espessura a lâmina d’água. Em pistas com pequenas lâminas, as próprias ranhuras do pneu afastam a lâmina d’água. Como no momento do acidente a chuva era muito leve, eu sou testemunha ocular disto, a pista sem grooving provavelmente tinha mais atrito que uma pista com grooving, especialmente porque era nova, e portanto sem os resíduos de borracha dos pousos e sem ondulações. A caixa-preta mostrou que a desaceleração após acionados os freios foi a possível, e portanto não houve aquaplanagem. Portanto por si só isto não seria um impeditivo para a utilização da pista.
2. O comprimento da pista. A pista de Congonhas tem o mesmo comprimento das pistas dos aeroportos locais de Chicago/Midway e o de Washington/Reagan, próximo de 2.000 metros. Ambos situados dentro da malha urbana e sem áreas de escape. Derrapou, atravessa a avenida ou cai no rio. Portanto, se Congonhas têm a pista curta demais, deveríamos ver o que as autoridades americanas estão fazendo com estes aeroportos nos EUA e seguir seu exemplo de primeiro mundo. O que a prefeitura de Chicago está fazendo? Comprando terrenos ao lado do aeroporto para ampliar suas instalações com estacionamentos, depósitos e outras facilidades. Ampliar a pista? Dizem que não é possível e não tem esta intenção. O de Washington a única ação está em limitar o horário de funcionamento do aeroporto, para não incomodar os moradores, e incentivando o uso de aviões mais silenciosos como os elogiados Airbus. Curioso não é? Ninguém fala em ampliar a pista, aérea de escape, viaduto sobre as avenidas que os cercam. Parece que é porque eles sabem que isto tudo é bobagem. Há condições seguras, embora não perfeitas, para que sejam utilizados. Os aviões como os Airbus A320, os Boeing 737 foram projetados para justamente poder utilizar pistas deste comprimento ou menores ainda, como Santos Dumont que tem apenas 1400 metros.
3. O reverso pinado. O reverso pinado diminui o poder de desaceleração de uma aeronave, mas tem um papel menor. Uma aeronave é capaz de pousar com o reverso pinado com grande margem de segurança. O que não pode, e se torna muito difícil é sem spoillers, o freio aerodinâmico que diminui a velocidade do avião, quando este acabou de tocar a pista. O spoiller exerce uma força de frenagem exponencialmente crescente em relação a velocidade. Quanto maior a velocidade, maior a desaceleração (diminuição da velocidade). Os freios de roda exercem forças constantes em relação à desaceleração. Portanto é perfeitamente possível pousar sem reverso.
Estes três elementos do cenário combinados permitiriam pousos seguros? Sem dúvida, mesmo que ocorram simultaneamente, mas dependem do que? Do piloto seguir os procedimentos corretos. Ora, mas em todas as situações depende-se do piloto adotar os procedimentos corretos. Na maioria dos cenários o piloto tem alguma margem de erro e podem corrigir. Em outros cenários não. Imagine o piloto que em um dia de céu de brigadeiro, pista de 3500 metros, com reverso normal, esquece de armar os spoillers, não se dá conta, na confusão tenta arremeter, erra a arremetida e cai no terminal de passageiros. O que devemos fazer, não admitir este cenário? Até podemos, mas mesmo fora deste cenário teremos milhares de outros, em que um erro do piloto provoca um grande acidente. Não seria mais simples procurar as causas do comportamento imprevisto do piloto e atacar esta causa? Não é mais fácil perguntar-se porque um erro tão primário foi cometido? Não é mais fácil perguntar-se se este erro pode ser evitado? Será que estamos absolutamente certos de que foi um erro do piloto? Se ainda assim estes argumentos não forem aceitáveis para você, imagine quantos Airbus já pousaram e continuam a pousar em Chicago e Washington, com reverso pinado, em dias de chuva? Certamente muitos.
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
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