domingo, 30 de setembro de 2007

Ainda sobre a autorização de S.José dos Campos

Ainda há muita discussão sobre a autorização fornecida pela a torre de controle de S.José para a o Legacy. Já fiz vários posts sobre este tema, mas ainda insiste-se nele. Pedicini afirmou em um artigo recente: “Um clearance é mais que uma autorização; é uma ordem. No espaço aéreo controlado, o piloto é obrigado a seguir seu clearance e estar onde o ATC mandou ele estar, e não em qualquer outro lugar. É responsabilidade primordial da ATC manter a separação entre aeronaves, de não enviar duas para o mesmo lugar e ao mesmo tempo. Ocorreu uma falha”.

Não é bem assim. A Instrução do Comando da Aeronáutica nº 100-12 (ou simplesmente ICA 100-12), que dispõe sobre “Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo”, e consubstancia o mais importante diploma normativo atinente ao tema, prevê no seu item 8.4.1: “As autorizações têm por finalidade precípua acelerar e separar o tráfego aéreo e não concedem o direito de infringir nenhum dispositivo legal relativo à segurança de vôo (1). Isto até pode ser um pouco vago, mas a Federal Aviation Administration em seu Aeronautical Information Manual pelos quais os americanos se guiam, é bem mais específico:

“4-4-1. Clearance
a. A clearance issued by ATC is predicated on known traffic and known physical airport conditions. An ATC clearance means an authorization by ATC, for the purpose of preventing collision between known aircraft, for an aircraft to proceed under specified conditions within controlled airspace. IT IS NOT AUTHORIZATION FOR A PILOT TO DEVIATE FROM ANY RULE, REGULATION, OR MINIMUM ALTITUDE NOR TO CONDUCT UNSAFE OPERATION OF THE AIRCRAFT.
b. 14 CFR Section 91.3(a) states: "The pilot-in-command of an aircraft is directly responsible for, and is the final authority as to, the operation of that aircraft. If ATC issues a clearance that would cause a pilot to deviate from a rule or regulation, or in the pilot's opinion, would place the aircraft in jeopardy, IT IS THE PILOT'S RESPONSIBILITY TO REQUEST AN AMENDED CLEARANCE.”
(2)

Repito, para aqueles que não compreenderam em inglês: “Não é uma autorização para um piloto se desviar de qualquer regra, regulamentação, ou altitude mínima nem conduzir operações inseguras da aeronave.[...] O piloto em comando de uma aeronave é diretamente responsável, e é a autoridade final na operação da aeronave. Se o ATC emitir uma autorização que poderia causar um piloto desviar-se de uma regra ou regulamento, ou na opinião do piloto, colocaria a aeronave em risco, é responsabilidade do piloto solicitar um autorização corrigida”. Não preciso lembrar que em Brasília eles entraram na contramão.


(1) - ICA 100-12 - Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo
(2) - FAA - Aeronautical Information Manual

sábado, 29 de setembro de 2007

Uma dúvida intrigante

Uma dúvida sempre me pertuba: Se o Legacy, ao invés de estar indo para Manaus, estivesse indo para Lisboa, e colidisse no meio do Atlântico, onde não há radares e rádios, de quem seria a responsabilidade?

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Últimas notícas do acidente da Gol

Cenipa aponta que falhas humanas causaram acidente da Gol
(Estadao.com.br - Sexta-feira, 28 de setembro de 2007, 18:13)

BRASÍLIA - O relatório final produzido pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáutico (Cenipa), sobre as causas do acidente entre o Boeing 737-800 da Gol e o jato Legacy, ocorrido há exatamente 1 ano, vai apontar uma série de falhas humanas como os fatores determinantes para a tragédia que deixou 154 mortos no norte de Mato Grosso.
Embora a investigação aeronáutica não fale em culpados, a conclusão lógica é de que a somatória de erros cometidos por controladores do Centro Integrado de de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo de Brasília (Cindacta-1) e pelos pilotos americanos do Legacy, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, levou à colisão das aeronaves em pleno vôo.
O documento, que está na fase de conclusões finais, descarta existência de falhas ou panes nos equipamentos de comunicação, no transponder (conjunto de antenas que estabelecem contato entre a aeronave e o radares em terra) e no sistema anticolisão (TCAS, na sigla em inglês) do jato. Os investigadores também não encontraram evidências de que a cobertura radar na área do acidente teve influência na tragédia, o que afasta a tese de “buraco negro” na zona de transição entre os centros de controle de vôo de Brasília e Manaus (Cindacta-4).
Em linguagem técnica, o relatório detalha ainda quais os “fatores contribuintes” para a colisão. Relata, por exemplo, que os pilotos americanos deixaram de tomar as providências devidas em caso de falha de comunicação, como digitar no transponder o código 7600.
Paladino e Lepore também deixaram de questionar o controlador do Cindacta-1 sobre a divergência entre o plano de vôo solicitado – 37 mil pés de São José dos Campos (SP) a Brasília e, em seguida, 36 mil pés até Manaus – e o autorizado – supostamente 37 mil pés durante todo o trajeto. Com isso, o jato Legacy passou a voar na contramão da aerovia UZ6, entrando em rota de colisão com o Boeing.
É a partir desse instante que a conduta dos controladores de vôo passa a ser preponderante para o acidente. Ao perderem o contato com o Legacy, eles deveriam ter programado em seus consoles freqüências alternativas de rádio, o que não foi feito conforme perícia realizada nos equipamentos.

A pista escorregadia de Congonhas

Tenho ouvido muita discussão na imprensa sobre o grooving e a pista escorregadia de Congonhas, mas como engenheiro, me permitam um palpite. Não me parece muito certo o que estão falando e principalmente muitas críticas dos pilotos sem fundamento.

O atrito depende do tamanho da superfície de contato, portanto, quanto maior a superfície, maior o atrito. Em contrapartida se a lâmina d'agua formada entre o pneu e a pista não puder ser afastada, ocorre o efeito de aquaplanagem. Em uma pista sem grooving, a água vai para os vãos dos "gomos" do pneu até o limite possível, após o que, ocorre a aquaplanagem. O grooving diminui a altura da lâmina d'agua, mas diminui a superfície de contato entre o pneu e a pista, mesmo que pouco significativamente. Portanto, o grooving diminui o atrito!!! O grooving recomendado internacionalmente é de 1/4x1/4pol. a cada 2,5pol. Ou seja, o grooving diminui a superfície de atrito em 10%!!! E este grooving retira somente uma lamina d’água de 1/10pol, ou 2,5mm. Se a lâmina for maior que 2,5mm a responsabilidade passa a ser do “grooving” do pneu.

O fundamental, então não é que toda a água da superfície flua para as ranhuras do grooving, mas que a água também flua eficientemente para o “grooving” dos pneus. E todos os pilotos sabem que os efeitos da pressão dos pneus têm um papel enorme. Veja trecho do artigo da Air Safety Group: “Naturalmente, as condições da aeronave também são muito importantes na hora do pouso. Pneus inflados abaixo dos parâmetros requeridos estarão mais propensos a aquaplanar. E os pneus do trem de nariz, que normalmente são inflados abaixo da pressão dos pneus do trem principal, irão aquaplanar antes das rodas principais. As aeronaves com dois pneus no trem do nariz, como é o caso das de grande porte, devem ter ambos inflados com mesma pressão. Caso contrário, a aeronave tenderá a puxar para a direção do pneu menos inflado, aumentando a possibilidade de aquaplanagem em pistas molhadas. Essa tendência de puxão para a direita ou esquerda será ainda mais evidente se houver pneus com pressões diferentes nos trens direito ou esquerdo”.

Ninguém falou das condições dos pneus das aeronaves que tiveram problemas, só falaram da pista. Porque ninguém falou da manutenção da Pantanal, BRA, Gol e outros que derraparam? Vocês garantem que os problemas foram somente da pista nestas derrapagens? Lembre-se de um fato muito simples: Os acidentes com os aviões são cobertos pelas companhias seguradoras, entrentanto se houver falhas de manutenção, a companhia aérea arca com todos os custos. No caso de falhas de manutenção, alguém vai admitir? O que vocês acham?

Complemento - 22/10/2007:
"Na opinião de alguns pilotos e especialistas, a inexistência dos groovings poderia ter sido um fator determinante para o acidente, tese que perdeu força após se constatar que a eficácia do índice de atrito de uma pista está diretamente relacionado à própria condição da superfície asfáltica, e que as ranhuras não têm o objetivo específico de aumentar o referido índice de atrito". (Relatório Final da CPI do Apagão, publicado em outubro/2007)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

A improbabilidade de cumprimento de pena dos pilotos do Legacy

Se houver uma condenação dos pilotos do Legacy, provavelmente será por Homicídio Culposo, sem intenção, ao contrário do Homicídio Doloso, quando os agentes têm a intenção ou assumem o risco de provocar o resultado. A caracterização do Homicidio Doloso não é somente pela intenção, mas também pode ser caracterizado ao agente assumir riscos que possam produzir o resultado. A denúncia do Ministério Público foi de Homicídio Culposo -- "[...] ambos perpetraram o delito tipificado no art. 261, § 3º, c/c art. 263, com pena cominada pelo art. 258, c/c art. 121, § 4º (inobservância de regra técnica de profissão), todos do Código Penal Brasileiro". O Homicidio Culposo pode ser provocado em razão de falta de cuidado objetivo do agente, imprudência, imperícia ou negligência, o que parece ser mais provável no caso de uma condenação dos pilotos americanos.

Se condenados, ou decretada sua prisão preventiva, os pilotos americanos precisariam ser extraditados. Entretanto, o Tratado de Extradição entre o Brasil e os Estados Unidos, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 55.750, de 11/02/1965, não prevê em seu Artigo II o Homicídio Culposo como um dos crimes ou delitos passíveis de extradição. Portando, salvo reverta-se a denúncia por novos fatos, e sejam condenados por Homicídio Doloso, este sim, previsto no ítem 1 do Artigo II do Tratado, não há possibilidade de serem extraditados. Além disso, o Artigo VII prevê: "Não há obrigação para o Estado requerido de conceder a extradição de um seu nacional."

domingo, 16 de setembro de 2007

A nova área de escape virtual de Congonhas

Para vocês verem como esta nova área de escape "virtual" de Congonhas é uma tremenda bobagem em termos de engenharia basta lembrar que o problema do tamanho das pistas está na decolagem e não no pouso. Portanto, reduzir o tamanho da pista seria aumentar o risco de decolagem dos aviões, e é lógico que alguém com no mínimo dois neurônios não vai reduzir o tamanho de uma pista, botando em risco todas as operações para beneficiar uma situação que ocorre em casos excepcionais de uma aeronave continuar reto em uma operação de pouso. Podem ver que em todos os pousos mal sucedidos, os aviões saem pela lateral da pista, normalmente por intenção do próprio piloto, que em último caso em uma situação de emergência provoca um cavalo-de-pau. Mesmo em pousos, não faz sentido reduzir o tamanho da pista para ter mais área de escape. Quanto maior a pista melhor. É preferível manter a pista a reduzi-la para fazer área de escape. O avião freia melhor e tem menor risco do que parar de barriga. Vocês são capazes de imaginar que tendo a possibilidade de usar uma pista maior para decolagem, alguém vai destruí-la para tornar área de escape? Então, isto que nós estamos vendo, é o que nós podíamos dizer que é “para inglês ver”. É uma medida de marketing do Jobim e ANAC para a mídia. A única coisa que foi feita na prática foi aplicar restrições mais severas para o pouso e decolagem de aviões. O mais curioso é que esta medida tem poucos efeitos sobre os Airbus, por exemplo, que têm os menores requisitos neste sentido.

Complemento - 22/10/2007:
Aeronáutica muda restrição no aeroporto de Congonhas
Folha de S.Paulo, em Brasília
19/10/2007 - 10h02

Um mês após criar as áreas de escape no aeroporto de Congonhas (zona sul de São Paulo), por ordem direta do ministro Nelson Jobim (Defesa), a Aeronáutica alterou ontem (18) a restrição para permitir que aeronaves de maior porte voltem a utilizar a pista auxiliar para decolagens.

A medida atende aos interesses das empresas aéreas, que enfrentavam atrasos devido à fila para o uso da pista principal do aeroporto.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Congonhas sempre teve área de escape e nós não sabíamos

A piada do dia é que as pistas de Congonhas ganharão 300 metros de área de escape, através da redução de 300 metros de pista. Jobim disse que essas mudanças entram em vigor a partir do próximo sábado (15). Dia 15? Porque não hoje? Porque não entram em vigor com data retroativa a janeiro de 2007?

Este é um país de gente que só sabe reclamar mesmo. Então a pista já tinha área de escape no dia do acidente da TAM, e ninguém sabia? Será que na verdade eles não estão querendo dizer que serão aplicadas restrições aos aviões para pousar e decolar em Congonhas? É a primeira área de escape criada por lei e data marcada.

Antonio Ribeiro no blog da Veja, chega ao rídiculo de levar em frente uma proposta de construir um atoleiro no final da pista como se isto tivesse algum efeito no acidente da TAM. O que é o “atoleiro” do Ribeiro? "Trata-se de uma área no final da pista -- tem em torno de 8 por 23 metros --, pavimentada com concreto poroso ou “cimento celular” que se rompe quando a força do peso do avião é exercida sobre sua superfície. O “atoleiro” é mais eficaz que uma caixa de areia ou brita nas zonas de escape das pistas de automobilismo. Ele tem a função de desacelerar o avião de forma controlada causando-lhe pouco dano e mais importante, permitindo que os passageiros sejam desembarcados com vida [...] O sistema, criado em 1996, conhecido como EMAS -- Engineered Material Arresting System -- é capaz de reter um jato comercial de grande porte a 130 km/h. " Curiosamente o único "atoleiro" que atende as especificações da FAA - Federal Aviation Administration - é de uma única empresa - ESCO - de Nova Jersey. Foi implementada em vários aeroportos americanos, mas curiosamente no aeroporto de Chicago Midway, muito parecido com a situação de Congonhas, está em testes em uma pista auxiliar e há planos para colocar em outras pistas. O aeroporto Regan de Washington ainda não tem planos de colocá-lo, pois não há espaço para isso, e como não são idiotas, não reduzirão o tamanho da pista. Ou seja, isto não está nem testado, e nos quatro casos em que os aviões pararam no atoleiro, teriam parado de qualquer jeito. A própria FAA propõe que os aeroportos comerciais tenham uma Área de Escape de Segurança quando possível. O que se sabe é que isto tem um efeito mínimo sobre a segurança dos passageiros. É claro que qualquer medida de segurança é bem vinda, mas em nenhum acidente que ocorreu até hoje em Congonhas, o atoleiro do Ribeiro teria qualquer efeito. Se a velocidade for maior, rompem-se os trens de pouso, as asas tocam o solo e com o calor das turbinas provocam um grande incêndio, com atoleiro ou sem atoleiro.

Há quatro casos registrados de aviões pararem em atoleiros, três deles no aeroporto Kennedy de Nova York. Em 1999 um Saab 340B, um pequeno avião, com 3 tripulantes e 26 passageiros, errou a aterrisagem na enorme pista do aeroporto, ultrapassou o final da pista a 75 nós e percorreu 75 metros de um atoleiro de 120 metros. Só para lembrar, o Airbus estava a 140 nós, com 185 passageiros e tripulantes. Nós outros casos, os aviões já estavam praticamente parados quando chegaram ao atoleiro. Em testes um 727, um avião bem menor que o Airbus,precisou de 85 metros de atoleiro para parar a 55 nós. Ou seja, são casos que o único efeito foram diminuir os danos para os aviões. É claro que deste modo as companhias aéreas gostariam de que todos os aeroportos contassem com os atoleiros.

O mais curioso é que se discute todas estas obras faraônicas quando todos sabem que a causa do acidente foi uma simples manete na posição errada.

Este é um país de humoristas mesmo. Seria cômico se não fosse trágico.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Joe Sharkey entrega a rapadura

Joe Sharkey surpreende e publica relatório parcial da CPI do Apagão Aéreo, completamentamente traduzido.

Relatório Parcial da CPI em Inglês

Está tudo lá, absolutamente cristalino, confirmando tudo que está escrito aqui. Mais claro é impossível.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Mais detalhes da liberação em S. José dos Campos

Como eu disse no post anterior a liberação em S.José foi muito confusa pelos motivos que eu já relatei, e será onde as discusões deste caso vão se concentrar e vai gerar muita controvérsia. Mais lembre-se, só houve confusão pelo despreparo do Lepore, se ele tivesse estudado 5 minutos o plano de vôo, isto não aconteceria.

Veja trecho do depoimento de Rufino Antonio Da Silva Ferreira, Presidente da Comissão de Investigação da Aeronáutica em Audiência Pública da CPI da Crise Do Sistema De Tráfego Aéreo, em 17/5/2007. Este depoimento é um pouco diferente do que consta do Inquérito Policial e eu já relatei - veja outros post. A confirmação do Lepore (cotejamento) não é igual. Enquanto não houver uma transcrição definitiva do diálogo não se pode dizer muita coisa, a não ser que deve haver erros mínimos de cada parte. Mas bastava Lepore confirmar se era para seguir o plano ou ele estava sendo alterado. Confirmar uma palavra apenas. A torre, acredito, nem poderia imaginar que ele não seguiria o plano.

- SR. RUFINO ANTONIO DA SILVA FERREIRA
[..] Outro ponto muito específico, muito comentado, que penso ser importante realçar, foi a clearence fornecida ao November 600XL. Eu reproduzi aqui fielmente o diálogo no momento em que foi fornecida essa clearence. Ela está em inglês porque foi fornecida em inglês. Então ele pergunta se ele está pronto para copiar a clearence. As afirmativas em azul são a aeronave e as em vermelho é o controle de tráfego aéreo. No caso, seria o solo de São José. Então, ele dá lá: “November six zero zero x-ray lima. ATC clearence to Eduardo Gomes... Flight level three seven zero... Direct Poços de Caldas; squawk transponder code four five seven four. After take-off performance of departure. Ao que ele responde: “Okay, sir. Havia um ruído que nessa transcrição não permitiu captar. Ele confirma: “Flight Level 370”. E confirma o squawk e a subida. Ele não copia o referente a Poços de Caldas. O que foi levantado com relação a essa clearence? Essa clearence realmente foi dada de forma incorreta. Ela foi dada incompleta, de acordo com as normas vigentes, com a IMA 100-12. Ela deveria ser mais específica quanto até onde deveria seguir essa autorização, até onde esse nível 370 deveria ser autorizado. Ou a prática seria “autorizado conforme o plano, ou “S filed”, no caso sendo uma fraseologia em inglês, aí, sim, o piloto poderia assumir que seria exatamente como o plano de vôo aprovado. Uma vez que isso não foi dado, ele deveria então estabelecer o limite dessa autorização. É também uma influência cultural dos nossos controladores que se dê normalmente o primeiro nível de uma rota, mesmo que haja outros níveis previstos. Mas eu vou me deter somente à regra. A IMA 100-12 prevê que se coloque claramente o limite do primeiro nível de vôo, ou se está de acordo conforme apresentado.
- SR. PRESIDENTE (Deputado Marcelo Castro) - Coronel, só para corrigir.Porque o senhor está falando em IMA e já é ICA. Senão o pessoal vai fazer confusão aqui.
- SR. RUFINO ANTONIO DA SILVA FERREIRA - Perfeitamente, Deputado.Agradeço muito a correção. Foi um lapso meu.

Não confie no que você está lendo aqui, duvide de mim, duvide de si mesmo

Recentemente eu participei de um seminário sobre Inovação, onde o Walter Longo, publicitário e presidente da agência Young&Rubicam, fez uma palestra em que mostrava a necessidade das novas mídias e suporte para a publicidade, e destacava principalmente a internet. Dedicou-se longamente à publicidade que não parecia publicidade, o merchandising. Precisamos inovar, dizia ele, e mostrou inúmeros exemplos onde nós não percebemos que estamos sendo influenciados em nossas atitudes e comportamentos.

Lembrei-me também, como muitas empresas estão utilizando os grupos do Orkut, Blogs e fórums de discussão para passar mensagens de qualidade dos seus produtos e assim criar um posicionamento favorável para o mercado. Associar produtos a determinados grupos de interesse através da internet e muito mais eficaz que qualquer outro método.

Sempre fui uma pessoa avessa a esta forma de relacionamentos pela internet, mas não de uma forma consciente. Sempre me incomodou a falsidade, a mentira, o parecer o que não é que este meio permite. Se alguém já leu os meus posts verá que eu sou uma pessoa de tecnologia e informática. Portanto, antes que alguma pessoa queira me colocar algum rótulo, sou uma pessoa muito mais “antenada” na internet do que a maioria que está lendo aqui.

Embora não participe de sites do tipo Orkut, não tenha MSN, e por ai afora, freqüento diariamente os fóruns de tecnologia e informática e os noticiários online. Com o acidente da TAM, na minha janela, passei a freqüentar os fóruns dos que se dizem pilotos e “especialistas” em aeronáutica e também o blog do Joe Sharkey e os outros blogs que se conectam nesta rede. Aí percebi como a mentira se une a moderna tecnologia.

O assunto do acidente da Gol voltou ao palco, porque fiquei revoltado com o blog do Joe Sharkey, e só ai me dei conta que todo mundo da internet tem a visão do Joe Sharkey, e inclusive passou a ser uma visão generalizada dos brasileiros.

Neste momento já não me resta a menor dúvida. O piloto do Legacy, Joe Lepore, estava completamente despreparado para vir buscar este avião aqui. Este foi seu primeiro vôo com este avião, embora tenha afirmado que já estava acostumado com outros da Embraer. Nunca havia estado no Brasil. Se lhe dessem um mapa, não saberia nem apontar Brasília e Manaus. Duvido que soubesse apontar até mesmo onde estava. Não conhecia os nomes das cidades brasileiras. Hoje fico com muita pena da situação em que foi colocado. Quem me chamou atenção para isso foram os comentários da Cassandra, uma americana que participa do blog do Sharkey e do meu. Você está absolutamente certa.

A partir daí construiu-se a farsa tecnológica da liberação do nível 370 para Manaus. Está mais do que claro que Lepore, uma pessoa completamente confusa em S.José, não podia levar este avião a nenhum lugar. Admito que até ele poderia ter recebido instruções confusas por um pobre coitado de um controlador da torre de S.José que não estava preparado para ensiná-lo o caminho de casa. Pode ter até falado "Cara é isso mesmo, siga em frente que você chega lá. Se não encontrar o caminho, pergunte em Manaus", em um inglês macarrônico.

Ninguém vai chegar a esta conclusão, porque a tecnologia da internet se uniu à construção de um mundo Second Life de aeroportos, torre de controle, Cindacta, Lepore e Sharkey. Ninguém analisa a dimensão humana do Lepore. Todos conhecem os avatares destes personagens e analisam suas frases isoladas de contexto, pedaços de mundos virtuais unidos pela tecnologia dos blogs, fórums e chats, discutindo este acidente virtual que matou 154 brasileiros reais. Neste mundo Second Life, as emoções, tremores de mão, suor, estão fora. Todo mundo fica preocupado com a tecnologia precária dos aeroportos, com os nossos controladores de vôo despreparados que não falam inglês, com buracos negros sobre os céus de Brasília (deixo a piada para depois), transponders ligados ou desligados, se houve o clearance ou não, se a tela do radar devia mostrar um xis ou um quadradinho.

Não precisava nada disso. Bastava o Operational Manager da Excelaire sair do Second Life e escolher outro piloto para vir buscar este Legacy no Brasil de First Life.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Acidente em Congonhas: Falha Humana versus Falha Mecânica

Desde que ví o acidente, acreditei em falha mecânica, que na verdade eu chamaria de falha de sistema, ou seja a combinação de elementos mecânicos associados à lógica dos sistemas de comando da aeronave. Junta-se a isto uma condição situacional para os pilotos inesperada.

Ontem foi a vez dos deputados da CPI afirmarem categoricamente que "não há indicios de falha humana". Vejam a notícia:

"Após ouvirem os 22 minutos que faltavam do áudio da cabine do Airbus A-320 TAM, o relator Marco Maia (PT-RS) e o vice-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), da CPI do Apagão da Câmara, concluíram que não há indícios de falha humana no acidente. No acidente, morreram 199 pessoas, em julho deste ano, em São Paulo.
Segundo Maia, os últimos minutos registrados na caixa-preta são muito dramáticos. De acordo com ele, há sons, gritos e um visível desespero das pessoas.
Para Cunha e Maia, houve falha no equipamento da aeronave. Os dois deputados afirmaram ainda que o áudio não trouxe novos elementos para as investigações, mas dá a impressão de que houve falhas técnicas ou mecânicas ---no equipamento da aeronave."


Não sei como se pode chegar a esta conclusão somente a partir das gravações, já que o conteúdo das vozes já era conhecido. Não sei o que eles ouviram a mais além dos gritos e que nós não sabemos. Entretanto é isso o que eu estava achando desde o início, depois passei a desacreditar e agora não sei de mais nada. Acho que este acidente vai acabar com a constatação de que o manete estava na posição errada, mas não vai se saber porque.

Fonte: Folha Online

terça-feira, 4 de setembro de 2007

As nuvens sobre São José dos Campos estão se dissipando

Eu já havia dito que os pilotos do Legacy estavam completamente despreparados para voar sobre o Brasil e agora acho que compreendi porque eles confundiram a liberação do nível 370 até Manaus. Até agora, tudo que lí, indica que eles não fizeram uma preparação para o vôo, por isso não sabiam provavelmente associar os nomes das cidades e aeroportos ao plano de vôo que receberam, que é feito através de siglas. Então o problema não começou em Brasilía, mas sim em S.José e todo mundo fica analisando o que ocorreu em Brasília e não analisa o que ocorreu em S.José onde os pilotos se fundamentam para terem sido liberados. Primeiro é preciso entender que quando um piloto ou o controle dizem uma sigla, eles têm uma forma própria de dizer letra-a-letra, S-B-E-G, por exemplo, e a cidade ou aeroporto é dito como nós falamos.

Primeiro vejam as regras da liberação do vôo:

"4-4-1. Clearance
a. A clearance issued by ATC is predicated on known traffic and known physical airport conditions. An ATC clearance means an authorization by ATC, for the purpose of preventing collision between known aircraft, for an aircraft to proceed under specified conditions within controlled airspace. IT IS NOT AUTHORIZATION FOR A PILOT TO DEVIATE FROM ANY RULE, REGULATION, OR MINIMUM ALTITUDE NOR TO CONDUCT UNSAFE OPERATION OF THE AIRCRAFT.
(...)
4-4-3. Clearance Items
ATC clearances normally contain the following:
a. Clearance Limit. The traffic clearance issued prior to departure will normally authorize flight to the airport of intended landing. Under certain conditions, at some locations a short-range clearance procedure is utilized whereby a clearance is issued to a fix within or just outside of the terminal area and pilots are advised of the frequency on which they will receive the long-range clearance direct from the center controller."


Eles estavam em S.José, o aeroporto de destino era o Eduardo Gomes de Manaus, SBEG, e o primeiro ponto fixo era Poços de Caldas, PCL.

A torre de S.José fala, traduzido aqui do inglês:

November seis zero zero x-ray lima, ATC permissão para Eduardo Gomes, nível de vôo três sete zero direção Poços de Caldas, código squawk do transponder quatro cinco sete quatro. Após a decolagem faça partida oren.

Ou seja a torre fala Eduardo Gomes e Poços de Caldas. Lepore responde:

Okay senhor, eu peguei a pista um cinco para So...ah SBEG, nível de vôo três sete zero eu não peguei o primeiro fixo, squawk quatro cinco sete quatro, partida oren.

Há uma pequena exitação com Eduardo Gomes, mas ele associa corretamente à sigla SBEG, OK. Mas ele não associa Poços de Caldas à PCL e diz "eu não peguei o primeiro fixo". O problema começou ai, mas não consegui obter este diálogo completo, mas dizem que foi muito confuso. Ou seja, a partir daqui, são minhas suposições: O controlador repetiu a frase, e talvez Lepore tenha entendido como primeiro fixo Eduardo Gomes. De qualquer forma foi uma confirmação de clearance indevida por Lepore. Os pilotos do Legacy não fizeram o briefing antes da decolagem. Embora não seja obrigatório, o procedimento orienta o piloto sobre sua rota e o informa a respeito das condições meteorológicas.
Se tivessem feito o briefing, Lepore saberia que, em Brasília, teriam de descer para 36 mil pés.

Na mente de Lepore era um vôo direto no mesmo nível. Este diálogo precisaria ser divulgado, para as pessoas julgarem. Eventualmente até uma confirmação indevida de Eduardo Gomes ele poderia ter recebido. Podem estar certos que encontrarão uma virgula errada na frase do controlador de S.José. De qualquer forma, seria uma alteração profunda e preocupante do plano de vôo, imagine estar colocando-os na contramão, e precisaria ser explicitamente confirmada.

Esta confusão só surgiu porque Lepore não tinha menor ideia do plano de vôo, não o estudou, porque senão ficaria muito preocupado com esta liberação, ou deveria ficar. Aparentemente ele recebeu o plano na hora de partir. Não haveria esta confusão se estivessem preparados.

Ainda não falei sobre a culpabilidade dos controladores de vôo, mas deixo um resumo, uma opinião pessoal: Eles poderiam ter evitado o acidente se tivessem "sacado" que o Legacy estava com um problema, e não assumissem que estava tudo bem, mesmo sem rádio e transponder. O erro que os pilotos cometeram foi completamente inesperado por eles.

O que me deixa preocupado é que por mais que se fale, explique isto, e esteja cabalmente demostrado, estrageiros com a ajuda de um grupo muito grande de brasileiros vão culpar os controladores que não sabem falar inglês, os equipamentos, os buracos negros da Amazônia (sobre Brasília), das normas brasileiras, etc., etc., etc. Não há o que se diga que mude um PRÉ-conceito. É uma pena.

Esta história me lembra um problema doméstico que tenho. Sempre que viajo, prefiro estudar profundamente os mapas, minha esposa prefere sempre "ir perguntando". Já pensou se eu estou em Berlim e um alemão em um Português perfeito me diz: "Vire a direita na Harderbergerstrasse depois novamente a direita na Kuffürsterdamm e depois a esquerda na Tautzienstrasse" onde eu vou parar?

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Nossos controladores de vôo não falam inglês bem

Pesquisando em fórums especializados, descobri como foi a confusão que se deu em S.José. Ao liberar o vôo, a torre falou nivel de vôo 370 para Poços de Caldas, mas Lepore não conseguia entender. Como ele não havia estudado o plano de vôo, ele não conseguia entender o nome das cidades. Aliás, como se pronuncia Poços de Caldas em inglês? Pocos de Caldás, é isso? Depois de três tentativas, Lepore desistiu de entender, e manteve 370 até Manaus. Alias como se pronuncia Brasília e Aeroporto Eduardo Gomes em inglês? Realmente, agora sabemos que os nossos controladores de vôos têm grande dificuldade na lingua inglesa.