quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Criminalização de acidentes aéreos

Pilotos e Controladores devem estar acima da lei?

Todos os organismos representantes de pilotos e controladores, agora que as responsabilidades dos acidentes passam a ser muito claras, voltam suas críticas contra a “criminalização” dos acidentes aéreos. Seus argumentos são que a criminalização dificulta a apuração das causas dos acidentes e não conduz à prevenção dos acidentes. Afirmar que apurar a existência de crime pode levar as testemunhas a não prestarem as informações que têm com medo de serem criminalizadas, e assim dificultar à prevenção dos acidentes seria o mesmo que não apurássemos mais as responsabilidades dos acidentes de tráfego pois dificultaria a prevenção dos acidentes automobilísticos. Isto é ridículo. Então porque não descriminalizar qualquer acidente, e não somente os aeronáuticos, se isso permitirá uma superior prevenção dos acidentes? O argumento é que não se deve criminalizar para previnir outros crimes?

Quanto aos acordos internacionais, em especial o ICAO-Annex 13, que tanto falam os pilotos e controladores, o relatório da CPI do Apagão Aéreo foi claro sobre isto, e portanto simplesmente transcrevo aqui o trecho do relatório que trata do assunto:

Pilotos e controladores compareceram à CPI, propugnando pela descriminalização dos acidentes aéreos, afirmando que normas internacionais da aviação não recomendam a criminalização dessas ocorrências. De forma mais específica, citam o Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, mais conhecida por Convenção de Chicago, firmada, em 7 de dezembro de 1944, que estabeleceu, entre outras coisas, a criação de uma agência especializada, a International Civil Aviation Organization – ICAO (Organização de Aviação Civil Internacional – OACI), que, em 1947, tornou-se uma Agência da Organização das Nações Unidas (ONU).

Na leitura do Anexo 13 – INVESTIGAÇÃO DE INCIDENTES E ACIDENTES AERONÁUTICOS, percebe-se que aqueles que compareceram à CPI e se utilizaram desse argumento não foram suficientes exatas em suas falas, pois o documento não trata dessa questão da maneira como foi apresentada.

Para sepultar as discussões que poderiam ainda ser levantadas a respeito, fazem-se aqui algumas transcrições do Anexo 13:

3.1 O único objetivo da investigação de um acidente ou incidente aeronáutico será o da prevenção de acidentes e incidentes.

Não é propósito dessa atividade determinar culpa ou responsabilidade.
(...)
5.4.1. Recomendação. – Qualquer procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade deve ser independente de qualquer investigação conduzida sob as disposições deste Anexo.
Desses dois dispositivos, portanto, é possível concluir:

• que as provas colhidas na investigação aeronáutica não poderão ser utilizadas para a investigação criminal; e
• não há impedimento, pelas normas que regem a aviação internacional, como controladores e pilotos sugeriram, para a instalação de procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade; e
• não poderá haver conexão entre a investigação aeronáutica e os procedimentos judiciais ou administrativos.

Na verdade, o item 5.4.1. é apenas de uma recomendação, o que torna facultativa a sua adoção pelo país signatário da Convenção.

Do conjunto de dispositivos que compõem o Anexo 13, também podem ser extraídas de sua leitura as seguintes conclusões:

1. A investigação criminal e a investigação aeronáutica não se confundem em seus fins. Àquela destina-se a penalizar os responsáveis; esta, a obter elementos visando a prevenir acidentes em circunstâncias semelhantes.

2. As autoridades judiciais poderão, diante de cada caso concreto, requisitar os elementos colhidos durante a investigação aeronáutica, ponderando qual o valor maior em jogo.

Não bastasse, o próprio CENIPA tem recomendação para que:

Se durante um processo de investigação, entretanto, forem identificados indícios de crime ou contravenção, a Comissão notificará a autoridade policial competente para que, em paralelo e completamente independente da investigação do SIPAER, sejam abertos os processos compatíveis.
Indo além das considerações jurídicas e fechando a abordagem do tema, reafirma-se que são improcedentes as declarações de pilotos e controladores de tráfego aéreo de que o Brasil fere as normas internacionais que regem a aviação, quando sua legislação permite que essas categorias profissionais sejam responsabilizadas por acidentes aéreos. Isto nos leva à constatação de que há necessidade dos instrumentos legislativos nacionais definirem, de maneira límpida, as responsabilidades e limites de cada uma das diferentes investigações, das aeronáuticas e das judiciais. Para tanto, é imperioso que a Câmara dos Deputados se debruce sobre matéria legislativa que regulamente este tema.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Jornalistas não cumprem a palavra

Tive há algumas semanas atrás uma interessante troca de emails com um conhecido blogueiro de uma revista, que infelizmente não posso citar. Eu argumentava que a revista estava muito segura que o acidente da TAM havia sido exclusivamente causado pela falha do piloto em colocar o manete na posição incorreta durante o pouso com o reverso pinado. Eu argumentava que embora era isto que estava indicado na caixa-preta, descartar uma hipótese, por mais remota que fosse, de que havia sido registrado na caixa-preta algo que efetivamente não ocorreu, é de certo modo uma irresponsabilidade de um jornalista.

Esta postura é extremamente conveniente para a Airbus e TAM, já que ninguém está aqui para contestar e dá-se o caso como encerrado. Ao que ele me respondeu: “Aqui nessa coluna interativa a opinião do leitor -- seja ele quem for -- é muito importante. Você é muito bem-vindo, sinta-se a vontade para manifestar sempre que julgar oportuno. É um prazer saber de uma discordância e sobretudo quando ela é feita com propriedade”. Entretanto completou: “Quanto à falha no registro da caixa-preta, não é bem falta de alguém vivo para contestar. No Brasil há muitos vivos que contestam. Copio um trecho de uma reportagem que fiz para (a revista) na edição de * de Agosto de 2007”, e transcreveu: "Mesmo depois da divulgação das primeiras investigações, aventou-se a hipótese de que, no lugar de falha humana, poderia ter ocorrido um erro não especificado nos computadores de bordo, ou ainda na caixa-preta. Por essa versão, o piloto teria colocado o manete direito na posição correta, mas algo fez com que a caixa-preta registrasse um movimento diferente. (A revista) conversou com Raymond Auffray, ex-chefe da comissão francesa de investigação de acidentes aeronáuticos e uma das maiores autoridades do mundo no assunto. Diz ele: "Nos mais de 3.000 casos que já investiguei, nunca vi uma caixa-preta registrar dados de maneira errada. Se há uma pane de transmissão, por exemplo, ela pode deixar de receber informações. Mas, se o registro existe, ele será absolutamente fiel à ação ocorrida". Questionado se o computador de bordo não poderia ter "lido" errado um comando manual corretamente executado pelo piloto, o especialista respondeu: "Jamais encontrei um caso em que o sistema de computadores tenha desobedecido a um comando do manete. Desconheço um caso similar na história da Aeronáutica".

Forneci a ele uma série de argumentos, e reafirmei: “Portanto com todo respeito que mereça o Sr. Raymond Auffray, a sua afirmação não encontra amparo nos meios tecno-científicos. O que ele poderia afirmar é que há uma probabilidade desprezível dos dados da caixa-preta estarem incorretos”.

Ele me respondeu: “Você escreveu: Mas é claro que em 99,99% das vezes conterá os dados absolutamente corretos. Se você encontrar o 0,01%, ou seja, um caso onde a caixa-preta registrou incorretamente, prometo que publico com grande destaque”. Como continuei argumentado sem fornecer maiores fundamentações, respondeu-me: “Receio que o tom peremptório está um pouco fora do lugar para persuadir uma possibilidade, não só remota, mas que você não forneceu nenhum precedente. Mas se você está convicto que os "circuitos lógicos" interpretaram erroneamente a posição dos manetes e enviaram o engano para caixa-preta, eu consigo conviver, numa boa, com a discordância. E suspeito que a aviação civil também”.

Como minha argumentação não foi suficiente, e como ele afirmou que eu não havia fornecido nenhum precedente, reuni alguns artigos sobre o tema. Isto foi muito fácil. Enviei-lhe um que mostrava os problemas da qualidade das informações das caixas-pretas e a necessidade de serem aferidas periodicamente. Mais do que isto, relatei o seguinte caso que justificou minha argumentação: “Você deve conhecer o acidente do Airbus vôo DLH 2904, em 1993, ao pousar em Warsaw. O avião tocou muito de leve na pista e a compressão no trem de pouso esquerdo foi abaixo do limite para detecção da condição de solo. Os sensores detectam uma condição de solo quando a pressão nos trens de pouso e velocidade das rodas ultrapassam determinados valores. Como o avião hidroplanou e inclinou-se para a direita, nenhuma destas condições foi satisfeita, e assim como no acidente da Tam, os procedimentos de frenagem automáticos não foram acionados. O que seria observado na caixa-preta? Que o avião teria tocado na pista muito tarde, em completa contradição com o que foi comprovado pelos próprios olhos. Ou seja, houve um problema de interpretação pelo software embarcado dos dados coletados pelos sensores. Lembre-se que a caixa preta só armazena dois estados: toque no solo sim ou não”.

Parece que foi mais do que suficiente para comprovar o que eu estava argumentando, não acham? Não se concluem causas de acidentes através de probabilidades. Acidentes, especialmente aéreos só acontecem quando eventos de probabilidade extremamente pequenas somam-se para produzir o resultado. Pode-se afirmar, "há uma grande probabilidade de..." mas nunca "foi devido à...".

Ele nunca mais me respondeu, nem fez a reportagem prometida, nem tocou mais no assunto.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Universal Weather and Aviation, Inc.

Fiquei extremamente impressionado com os serviços prestados pela Universal Weather and Aviation, que fez o plano de vôo do Legacy para a Embraer. Vejam o site da empresa. Vejam o que ela faz em relação a plano de vôos:

Flight Planning
Fuel efficiency, best time to destination, adequate reserves, and safety are your primary considerations when it comes to flight planning. For reliable and accurate flight plans customized to your preferences you can trust our expert flight planning team supported by a 24/7/365 team of meteorologists. Universal offers over 600 individual flight plan formats based on your needs and specifications, as well as:
- Destination, alternate ETOPS, and Equal-Time-Point (ETP) airport weather considerations
- Preferred routing schemes; flight levels; RNP, MNPS, and RVSM airspace; geo-political implications; navigation and communications requirements
- Graphical presentation of routings plotted on weather charts
- Flight plan filing procedures for each country in the world
- European routing schemes, airway slots, and flight plan filing service through the European Operations Centre* at London-Stansted Airport (STN)
- RAD-compliant best winds routings
Pilots can also receive a 24-hour preliminary review of routings, en-route times, and weather.


Vejam aqui um exemplo de um plano de vôo preparado por esta empresa. Parece que esta coisa de planos de vôo é coisa séria, não?

Puxa! E pensar que os pilotos do Legacy dispensaram tudo isso, e foram direto para Manaus!

PS: Mais recentemente mudei de opinião sobre o plano de voo do Legacy e passei a considerá-lo um dos principais fatores contribuintes do acidente. Vejam As diversas altitudes previstas para o Legacy.

As perguntas há muito tempo já respondidas a Sharkey

Sharkey, em seu blog, faz indagações há muito tempo já respondidas, mas que não cansamos de repetir:

1. Why did Brazilian air traffic control fail to alert the Legacy to the fact, obvious to ATC, that the transponder wasn't signaling for nearly 5o minutes before collision? Why was there no attempt made to contact the Legacy?

Os erros ou falhas do Controle de Tráfego não justificam os erros cometidos pelo Legacy. As falhas do Controle foram apontadas e não foram negadas pelas autoridades ou pela imprensa. Entretanto, como diz o relatório da CPI, publicado por Sharkey, os aviões voam sobre os mares e desertos, onde não há cobertura de radares ou rádio, em segurança, porque os pilotos seguem as regras aéreas. As normas são claras em dizer que a segurança do vôo é responsabilidade do piloto.

2. Why did the Brazilian radar scope consistently show misreadings of the Legacy's altitude, in several instances indicating wild oscillations that in fact never occurred?

Qualquer equipamento eletrônico apresenta leituras equivocadas em determinados momentos. Quem já não conseguiu utilizar em determinados momentos o celular, um computador que trava e por aí vai. A principal causa destas oscilações era devido ao transponder estar desligado. De qualquer maneira vale a resposta da primeira pergunta.

3. Why are we still hearing about a discarded "flight plan," when it is not in dispute that the Legacy was ordered to maintain 37,000 feet, and that ATC orders routinely override flight plans and are always to be followed?

É obrigação dos pilotos solicitar uma autorização corrigida, se a liberação fornecida pelo controle aéreo for contrária às normas de segurança, no caso, trafegar na contramão. As normas de aviação internacionais são extremamente claras em apontar que a responsabilidade é do piloto de não aceitar uma liberação incorreta. Os pilotos não foram nem mesmo capazes de perceber que a liberação estava incorreta. As autorizações devem conter:
a) identificação da aeronave;
b) limite da autorização;
c) rota de vôo;
d) nível ou níveis de vôo para toda a rota ou parte da mesma e mudanças de níveis, se necessário; e ...

A autorização foi claramente incompleta porque não mencionou a rota de vôo (Poços de Caldas, Brasília, Teres chegando a Manaus) nem os níveis de vôo. Entretanto os pilotos seguiram a rota de vôo do plano, mas não questionaram os níveis de vôo, assumindo que era válido até Manaus. Porque não seguiram direto de Poços de Caldas até Manaus em linha reta como foram autorizados?

4. Why have we heard so little on the record about the Gol's flight plan and clearance? Why have we not seen a transcript of the Gol cockpit voice recorder?

O que importa isso? Não se apontou nada sobre o Gol que pudesse ter contribuido para o acidente. O Gol teve um plano de vôo aprovado para o nível 410. O piloto solicitou nível 370, no que foi atendido pelo controle. Tudo segundo as normas.

5. Why is the U.S. National Transportation Safety Board, which now knows precisely what happened on Sept. 29, sitting on its hands, citing procedure, when two American pilots are being criminally scapegoated?

Por que eles sabem que esta é a lei em qualquer lugar do mundo e que não serão reações corporativas de classe de pilotos, controladores, ou qualquer solicitação de uma organização não governamental que irá mudar o curso da lei.

Enfim, o que se vê é que Sharkey quer justificar os erros dos pilotos através dos erros do controle. Ambos são injustificáveis.

Erros dos controladores:
- Forneceram autorização de partida incompleta, e portanto incorreta, induzindo os pilotos ao erro;
- Não agiram como seria esperado diante da falta de comunicação do transponder e do rádio e assim não evitaram o acidente.

Erros dos pilotos:
- Não se preparam adequadamente para o vôo, desconhecendo o espaço aéreo brasileiro e suas regras. As normas aeronáuticas exigem a devida preparação para o vôo antes do embarque;
- Por seu despreparo, não questionaram uma autorização que punha em risco a segurança da aeronave (contramão), quando tinham a obrigação por norma de fazê-lo. As normas aeronáuticas são claras quanto à obrigatoriedade deste questionamento;
- Não operaram corretamente os instrumentos e equipamentos (transponder e rádio);
- Não monitoraram os instrumentos, não observando que estavam inoperantes.

Minha pergunta ao Sharkey: Por que ele não publica as respostas às suas perguntas?

Os diversos níveis do plano de vôo do Legacy

Como todos sabem, o plano de vôo original do Legacy previa os níveis 370 até Brasília, 360 até Teres e 380 até Manaus. Entre S.José e Brasilia as normas permitem qualquer nível, entretanto de Brasília a Manaus o Legacy deveria passar para um nível par. O Gol se dirigia corretamente por um nível impar (370), como o Legacy manteve o nível 370, houve o choque. Sempre achei curioso o plano de vôo do Legacy prever tantas mudanças de níveis. Por que este sobe e desce? Pesquisando descobre-se que os níveis são escolhidos em função principalmente de condições metereológicas, peso da aeronave, regras das aerovias e tráfego. O peso é determinado fundamentalmente pelo combustível que a aeronave é carregada e vai utilizando durante o vôo. É por isto que o plano de vôo é preparado antecipadamente por uma empresa especializada. No caso deste vôo, o plano foi preparado pela Universal Weather para a Embraer. Pois bem, esta empresa tem o maior cuidado, fazendo todos estes cálculos, elaborando um plano detalhado e complexo, envia este plano para Brasília que registra nos seus computadores do CINDACTA. Os pilotos recebem este plano impresso e botam no bolso. Basta o controlador verbalmente informar a autorização de modo incompleto, não dizendo que está informando só o primeiro trecho, para o piloto desprezar todo o plano anterior e manter o nível 370 até Manaus? Estranho não é?

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Ifatca troca as bolas

Eis um novo prato cheio para os oportunismos das meias-verdades.

"Novo acidente aéreo no Brasil é questão de tempo", diz Ifatca (ESTADO)

O presidente da Federação Internacional de Controladores de Tráfego Aéreo (Ifatca), Marc Baumgartner afirmou que "é uma questão de tempo para que um novo acidente aéreo volte a acontecer no Brasil". Segundo a reportagem "sua opinião é compartilhada por outros dirigentes da entidade". Afirma que, além de agir dessa forma de modo a se eximir de sua própria responsabilidade, as autoridades brasileiras priorizaram a punição dos controladores em detrimento das ações que poderiam prevenir novos acidentes. "Ter a polícia militar investigando um acidente tão complexo como esse é como ir ao cabeleireiro para comprar carne. Não é sério. É absolutamente ultrajante. Se você conta com um sistema militar legal paralelo, a situação só se agrava, porque as regras são diferentes".

É mais um amontoado de meias-verdades para associar o acidente da Gol com deficiências do tráfego aéreo. Quem é a Ifatca, uma organização não governamental, para falar como deveriam ser feitas as investigações judiciais? Será que estas pessoas sabem o que é uma Constituição, sabem como é a organização dos poderes em um estado democrático. Confundem ações administrativas e ações judiciais. Ninguém prioriza punições em detrimento de prevenção de acidentes. São ações completamente independentes, tomadas por organizações e pessoas completamente diferentes. Investimentos e ações para melhoria da infraestrutura aereoportuária são tomadas no âmbito da esfera do poder executivo, e ações judiciais para apuração de responsabilidades civís e criminais são do poder judiciário. Neste caso, como o espaço aéreo é de responsabilidade militar, a responsabilidade pela apuração é da FAB, com o apoio pericial técnico das organizações aeronáuticas civís, como a NTSB, assim como do poder judiciario, através das denúncias do Ministério Público, já que houve fatalidades. Do mesmo modo que nos EUA nos casos investigações de terrorismo ou risco as operações aéreas contam com a iniciativa do FBI e das forças armadas, pois trata-se de uma questão de estado. Será que a Infacta opina como deve ser estruturado o estado americano? Será que eles opinam como devem ser as investigações criminais? Não, é claro que não. E não deve ser aqui que as coisas devem ser confundidas. É o próprio pais que decide a organização de seu estado a partir de uma longa história de ações políticas e decididas na esfera do poder legislativo. Não é uma ONG, Ifatca, que dirá como um país deve estruturar o seu estado, nem como seus acidentes aéreos devem ser investigados, nem como devem ser priorizados seus investimentos. Estas são decisões políticas e estratégicas em seu sentido mais amplo. Que devemos melhorar a infraestrutura do controle de nosso espaço aéreo não tenha dúvida, entretando isto não evitará que pilotos e controladores cometam seus erros. Nos EUA, no acidente do ano passado da Comair, onde morreram 49 pessoas na decolagem do aeroporto de Lexington pela pista errada, o controlador da torre havia dormindo duas horas entre os turnos, e havia apenas um controlador na torre, quando deveria haver dois. Depois verificou-se que a responsabilidade maior foi do piloto, mas que faleceu, e portanto não há a quem responsabilizar criminalmente. Parece que o tráfego aéreo dos EUA deveria trazer bem mais preocupações para o Sr. Baumgartner que o brasileiro. A melhoria do controle do espaço aéreo deve ser constante, as investigações sobre acidentes são episódicas. Ninguém prioriza uma à outra.

O Sr. Baumgartner vem se juntar ao corporativismo das organizações de classes de advogados, médicos, controladores de vôo, pilotos, engenheiros, militares, políticos, juízes, promotores e outros, que não querem serem responsabilizados civíl ou criminalmente por seus atos e se julgam acima da justiça.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

O comprimento da pista de Congonhas

Houve um tema sobre a pista de Congonhas que me esqueci de comentar. Em algumas reportagens vi algumas sugestões para aumentar a pista de Congonhas. A mais cômica foi a do Fantástico logo após o acidente sugerindo um viaduto sobre a Rubem Berta. Passei rapidamente por isso, pelo rídículo que era, mas como alguns jornais ainda falam disso, volto ao assunto. Existe um "gabarito" para a construção de prédios em Moema e no Jabaquara definido em função de uma "rampa" virtual e cone de descida dos aviões. Ou seja os edifícios foram contruidos baseados nesta legislação. É nisto que está fundamentada a alegação dos que construiram nas cabeceiras das pistas. Se a pista for aumentada, todos os edifícios que foram construidos com base neste gabarito passarão a por em risco os pousos e decolagens. Ou seja, continua valendo que a única medida simples, prática, econômica e possível é impor restrições às aeronaves que exigem pistas maiores.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Justiça rejeita denúncia contra controladores

Justiça rejeita denúncia contra controladores por acidente com vôo 1907 (FOLHA)

A Justiça Militar rejeitou a denúncia (acusação formal) contra os cinco controladores de tráfego aéreo investigados no inquérito sobre o acidente com o Boeing que fazia o vôo 1907 da Gol e o jato Legacy da empresa ExcelAire, ocorrido há um ano. Em seu despacho, assinado na última sexta-feira (28), a juíza-auditora da 11ª Circunscrição, Zilah Maria Callado Fadul Petersen, alega que a denúncia apresentada pelo Ministério Público Militar "é inepta" porque não especifica as normas que teriam sido violadas pelos militares. Isso impediria que os denunciados se defendam das acusações que ali lhes são feitas".

Entenda-se que a denúncia está mal formulada, não que a juíza tenha feito qualquer julgamento do seu mérito.

O hábito Brasileiro de informar autorizações incompletas

Se lermos a ata da CPI do Apagão Aéreo onde apresenta o depoimento à Justiça do controlador de Brasilia que transmitiu a autorização incompleta para a torre de São José dos Campos, podemos entender porque a autorização para o Legacy foi incorreta:

"O sargento Felipe Santos dos Reis não foi ouvido nessa CPI. Ele já havia afirmado - que é um dos indiciados - conforme noticiou a imprensa, que nada falaria sobre o acidente e seu comportamento profissional naquele dia. Sua intenção de ficar em silêncio foi confirmada quando intimado a depor na CPI da Câmara dos Deputados. Se nada falou à Câmara, foi claro em seu depoimento ao delegado Sayão, não deixando dúvida de que sua conduta foi penalmente relevante para o desfecho do acidente. Disse à autoridade policial. Então, esse depoimento é importante por quê? Porque ele não veio depor aqui e mesmo na Câmara ele foi e ficou calado, por isso nós não o chamamos, mas para o delegado ele disse: “Que, por ocasião da passagem do plano - então quem era esse senhor, o senhor Felipe Santos dos Reis? Ou quem é? Naquele momento era a pessoa que em Brasília, estava encarregado de aprovar o plano e de passar o plano a para São José dos Campos - que, por ocasião da passagem do plano de vôo da aeronave N600XL, da sala de plano para a posição “assistente S1”, o declarante é quem ocupava essa posição; Que o tráfego nesse momento poderia ser considerado de baixa intensidade; Que nessa ocasião recebeu apenas a “strip eletrônica” que retratava o plano de vôo, apenas no que se referia ao setor do declarante-S1; Que não tinha, nessa ocasião, o declarante a informação de que a aeronave pretendia, em seu plano, modificar o seu nível de vôo em Brasília, nem na posição Teres, pois essas informações não lhe eram visíveis na “strip eletrônica”; Que as informações relativas à continuidade do plano de vôo nos setores posteriores ao do declarante, poderiam ser acessadas através do acionamento de tecla especial, contudo, por se tratar de um plano e de uma autorização normal e pela responsabilidade do declarante se restringir ao Setor 1, o declarante não entendeu necessário acessá-las - ele não pegou a informação geral - Que em seu estágio, o declarante, absorveu conhecimento de que as autorizações relativas a plano de vôo que previam vários níveis de vôo eram emitidas pelo assistente do primeiro setor, contendo a especificação apenas sobre o nível de vôo a ser seguido no respectivo setor, exatamente por conta da limitação das informações contidas na “strip”; Que por essas razões, o declarante, efetivamente, ao receber a ligação do órgão de controle de São José dos Campos – SP, que solicitava autorização para o plano de vôo da aeronave N600XL, emitiu essa autorização mencionando o nível 370 e o rumo necessário para que a aeronave interceptasse a aerovia pretendida; Que perguntado se tal autorização foi completa ou parcial, respondeu que a sua autorização se compôs das informações essenciais, não estando presentes as informações complementares e que se tratou de uma autorização parcial; Que ao ser lida ao declarante a comunicação telefônica travada com o órgão de controle de São José, na qual tal autorização foi passada e perguntada ao mesmo declarante, novamente sobre o caráter parcial de tal autorização, reforçou o declarante que sua autorização previa nível e proa a serem voados na aerovia que conduz até Brasília e em Brasília termina, de forma que não poderia ser entendida como completa tal autorização; Que o trecho na comunicação em que São José menciona a locução “São José Eduardo Gomes” foi interpretada pelo declarante, como apenas uma forma de identificação de qual vôo e aeronave se estava tratando e não da extensão completa da autorização que seria recebida; Que tem conhecimento e entende que não infringiu o disposto no ICA – 100/12, item 8.4.9 e item 8.4.10.1”.

O que se pode concluir deste depoimento? Que é uma rotina e um hábito do controle de vôo Brasileiro transmitir autorizações de forma incompletas, já que o controlador não visualiza em seu console o plano de vôo completo. É fácil imaginar que isto não trouxe conseqüências até haver este acidente, porque talvez os pilotos aqui estariam habituados a receber as autorizações desta forma. Ou seja, os pilotos sabem que estão recebendo uma autorização para o primeiro trecho do plano de vôo apresentado, embora ela esteja sendo dada de maneira incompleta. Meu outro post "Mais detalhes da liberação de S. José dos Campos" mostra como foi a autorização em S. José.

Complemento (03/10/2007-16:20)
Segundo atas da CPI o controlador de tráfego aéreo, João Batista da Silva, que estava em São José dos Campos, e autorizou o Legacy a decolar, tem 32 anos de experiência, e declarou à PF que sabia que o plano do Legacy previa três níveis de vôos distintos. Puxa, há 32 anos ele passa o plano de vôo incompleto e ninguém faz nada!
Agora, vejam que o formato das autorizações não segue um modelo adotado mundialmente. Observem este comentário no blog Aviation in Canada: "Eu acho que já é confuso o bastante que as autorizações do Canadá diferem ligeiramente das autorizações americanas - se você fizer mais alterações, irá confundir os pilotos que atravessam fronteiras ainda mais". Ou seja, depreende-se por esta frase que diferentes países têm diferentes práticas.
Mesmo nos EUA a situação não é diferente. Nos fóruns se encontrarão muitos destes questionamentos. Veja uma das recomendações de um piloto: "Qualquer um que esteja usando autorizações de partida DUATS (Direct User Access Terminal System, como foi o caso do Legacy) deve imprimir o plano autorizado e mantê-lo até o vôo terminar. Se houver qualquer problema na transmissão, combinado com a gravação de sua autorização do aeroporto que você partiu, ele irá protegê-lo em um caso de discrepância". Parece pelas mensagens, que os pilotos americanos não se fixam muito no plano de vôo, e sim pelas instruções recebidas verbalmente.
Ou seja, qualquer pesquisa irá demonstrar que este é também um problema que ocorre lá. Entretando, pode-se concluir pelas mensagens que pilotos experientes sempre se cercam das devidas cautelas.

Relatório aponta os erros dos controladores

Relatório aponta 11 erros de controladores (FOLHA)

FAB indicia cinco controladores (VEJA)

Apuração aponta que rádio do Legacy não funcionou por estar na freqüência errada (FOLHA)

O comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, encaminhou à Justiça Militar o IPM (Inquérito Policial Militar) do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacyi, indiciando cinco controladores de vôo por "materialidade e indícios de autoria de crime" no acidente.

O Relatório aponta 11 erros de controladores. Os quatro sargentos e um suboficial indiciados pela FAB poderão ser presos, suspensos ou até expulsos da carreira. O relatório usa termos como "displicência", "relaxamento", "falta de diligência" e "demora excessiva" para classificar a atuação de controladores.

O resultado do IPM, indica por que falharam as mais de 20 tentativas de comunicação entre o avião e o controle aéreo de Brasília: a freqüência que o Legacy usava, 125.05 MHz, não funcionava no setor aeronáutico em que o avião voava na região do acidente. O comportamento dos pilotos do Legacy, apontado como um dos fatores principais do acidente, é citado, mas sem conseqüências legais, pois trata-se de um inquérito militar. Há referências à "conduta omissiva" dos pilotos, além da citação de normas aeronáuticas para afirmar que o Legacy estava sob "vigilância radar", não sob "vetoração radar", e isso significa que "a responsabilidade de navegação é do piloto em comando da aeronave". Ou seja: apesar dos erros dos operadores, deveriam corrigir altitude e freqüência, além de notificar a inoperância do transponder equipamento que informa a posição do avião ao controle e a outros aviões, acionando sistemas anticolisão).

O primeiro erro é do sargento Felipe dos Santos Reis, de Brasília. Não conhecia o plano de vôo, que previa três altitudes até Manaus, e passou a orientação para a torre de São José sem dados importantes sobre rota e nível, dando só a primeira altitude (37 mil pés).

O suboficial João Batista, de São José, conhecia o plano, mas não questionou a orientação de Brasília e a repassou para os pilotos do Legacy citando apenas 37 mil pés e o aeroporto de Manaus. Ele havia sido convocado no IPM como testemunha, mas foi indiciado pois "foi verificado que contribuiu, sobremaneira, para o evento que culminou com a queda do Gol".

A autorização incompleta produziu nos pilotos a "compreensão de que estariam autorizados a voar em 37 mil pés até Manaus", mas eles erraram ao não questioná-la, já que divergia do plano de vôo. Ao passar por Brasília, quando o avião deveria ter baixado para 36 mil pés, porque a altitude na direção Manaus é obrigatoriamente par na chamada aerovia (o Boeing vinha na "contramão" ímpar), nem os pilotos desceram, nem o sargento Jomarcelo ordenou a descida.

Jomarcelo afiançou equivocadamente para seu substituto de turno, Lucivando, que o Legacy estava em 36 mil pés, como no plano de vôo, quando estava, de fato, em 37 mil e na "contramão". Segundo o IPM, ele "teve todas as condições de verificar que a aeronave voava em 37 mil, até que perdesse o sinal do transponder".

Um dado considerado importante no relatório é que, às 16h26, o sargento Lucivando alterou o registro do nível de vôo autorizado a partir da posição Teres da carta aeronáutica: deveria ser de 38 mil pés, mas ele mudou para 36 mil.

O transponder não emitiu sinais por cerca de 55 minutos e não houve comunicação entre o controle e o Legacy entre 18h51 e 19h48, sem que nenhum dos lados observassem os procedimentos previstos.

Jomarcelo teve "um série de indicações" da inoperância do transponder, como o fim da circunferência que fica na tela do controle quando o aparelho está funcionando, variação de indicação de altitude e surgimento da letra Z entre a altitude real e a autorizada. Nada fez.

Também houve "excessiva demora" de Lucivando em tentar contato com o Legacy. Foram mais de 7 minutos até a 1ª tentativa e, mesmo diante de seis tentativas infrutíferas, levou "nada menos que 19 minutos" para fazer a sétima.

A transferência do controle de Brasília para Manaus, feita pelo sargento Barros, transcorreu "como se nenhuma anormalidade estivesse ocorrendo com a aeronave", disse que o Legacy iria chamar em seguida, quando sabidamente havia falha de comunicação.

O IPM joga luz sobre um dos dois grandes mistérios que ainda persistem do acidente: o rádio do Legacy não funcionou porque estava na freqüência errada. Esse é, diz o relatório, "um ponto de capital importância". O Legacy sobrevoou Brasília e entrou na aerovia UZ-6, rumo a Manaus, com a freqüência 125.05 MHz, própria para o setor 9. Os pilotos haviam sido informados pelo controle de Brasília, às 15h50, dessa freqüência. Mas ao entrar no setor seguinte, o 7 (onde ocorreu o acidente), o Legacy deveria usar a freqüência 135.9 MHz. Pelo inquérito, o controlador Jomarcelo Fernandes dos Santos deveria ter atualizado a freqüência de rádio e corrigido a altitude do avião para o nível de 36 mil pés, e não o fez. "Como o sargento Jomarcelo não orientou o N600XL [Legacy] para que efetuasse qualquer mudança de freqüência na passagem do setor 5 para o setor 7, é de se pressupor que a aeronave tenha mantido sintonizada a freqüência 125.05 MHz", diz o relatório.

Continuo afirmando que estes erros dos controladores são mínimos comparados ao erro dos pilotos. Se os pilotos tivessem analisado o plano de vôo 5 minutos antes de embarcar, como todos pilotos deveriam fazer, este acidente não teria ocorrido. Se o controlador de S.José tivesse completado a frase com "as filed", este acidente não teria acontecido. Se os pilotos tivessem seguido as normas, teriam esclarecido este clearance e não teriam voado no nível incorreto. Não é possivel admitir que um piloto venha a conhecer um plano de vôo verbalmente na hora de decolar, em um avião que pilotaram 4 horas, em um país que nunca voaram.